Coluna Vitor Vogas
Operação Volátil 2: choque entre governo Casagrande e PF
Sob sigilo, aliados do governador interpretam a operação como uma tentativa de fortalecer lançamento da candidatura de Eugênio Ricas

Renato Casagrande e Eugênio Ricas. Foto: Ilustração
“Volátil” significa, literalmente, aquilo que pode voar. Também significa “incerto”, “inconstante”, “instável”. Por essa acepção, o nome da Operação Volátil II – referência à volatilidade do álcool em gel – não poderia ter sido mais bem escolhido: realizada na manhã desta quinta-feira (17), a segunda fase da operação deflagrou dias de instabilidade política na relação do governo estadual com a Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo. Ou, para ser mais específico, entre os partidários do governador Renato Casagrande (PSB), provável candidato à reeleição, e o superintendente da PF-ES, Eugênio Ricas, pré-candidato a governador e potencial adversário de Casagrande nas urnas. O pano de fundo, obviamente, tem cores eleitorais.
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Nos bastidores do Palácio Anchieta, a palavra de ordem no momento é prudência, para se evitar qualquer julgamento precipitado. Mas a coluna apurou que, entre colaboradores de Casagrande, a interpretação predominante é a de que a operação (logo, a própria PF) pode ter sido usada politicamente com o objetivo de fortalecer o lançamento da pré-candidatura de Ricas ao governo estadual, na mesma proporção em que enfraquece o governo Casagrande.
Segundo esse raciocínio, a instituição teria sido usada com fins eleitorais, em um momento estratégico para impulsionar o (ainda) chefe da PF no Estado, enquanto atinge em cheio Casagrande em dois pilares do seu discurso de governo e, potencialmente, de campanha: a transparência istrativa e a tolerância zero com a prática de corrupção no governo.
Essa é a visão que circula inclusive em grupos formados por agentes do governo em aplicativos de mensagens. A tese, digamos, conspiratória é reforçada pelo momento em que foi deflagrada a fase 2 da Volátil: poucos dias após Eugênio Ricas itir publicamente que pode concorrer ao governo e poucos dias antes de ele renunciar ao cargo de superintendente e se filiar a um partido – provavelmente, o PSD – para poder disputar as eleições.
O timing, neste caso, de fato chama a atenção do mercado político capixaba. Ricas está em férias até o dia 26, e a largada de sua movimentação política pode ter apenas coincidido com a data da operação… Mas fontes ligadas ao governador não creem em coincidência nesse caso e enxergam uma associação direta e incontestável entre os fatos. Há até quem repute o momento da operação a uma atuação oculta do ex-governador Paulo Hartung, que teria “fabricado” a candidatura Ricas.
Uma fonte ligada à PF no Espírito Santo classificou alegações desse tipo como “pueris” e como “estratégia diversionista” para inverter a situação real: o governo, nesse caso, assumiria o papel de vítima de perseguição política com supostos fins eleitorais, em vez de dar à sociedade as respostas necessárias sobre as graves suspeitas de superfaturamento em contratos de emergência para aquisição de álcool em gel, desvio de verba pública destinada ao combate à pandemia e lavagem de dinheiro – praticados por um agente instalado no segundo escalão do governo e correligionário do governador: o até então subsecretário estadual de Agricultura, Rodrigo Vaccari (PSB), por sinal pré-candidato a deputado estadual pelo partido de Casagrande.
A mesma fonte recordou que a primeira fase da Volátil foi deflagrada em junho de 2021 – portanto, antes de Ricas assumir a chefia da Superintendência no ES –, fato que, por si só, bastaria para desmontar a teoria conspiratória.
Em nota oficial, a assessoria de comunicação da PF-ES também rebateu especulações sobre suposto uso político-eleitoral da operação. Frisou que suas investigações são blindadas de qualquer tipo de interferência e que a operação desta quinta-feira contou com a necessária autorização do Ministério Público e do Judiciário, além de ser respaldada por dados do Tribunal de Contas do Estado. E, como se depreende do tom da nota (cuja íntegra pode ser lida no final desta coluna), não só defendeu a instituição como mandou uma indireta para o governo:
“Além de ser um discurso absolutamente inverídico, uma vez que as provas são irrefutáveis, ofende instituições formadas por profissionais sérios e competentes. […] a história mostra que esse é o discurso adotado por aqueles que, sem qualquer elemento para contrapor os fatos investigados, decidem atacar aqueles que investigam”.
Na noite desta quinta, em contato com a coluna, o próprio Ricas acrescentou:
“A energia gasta em tentar tirar o crédito de um trabalho investigativo sério deveria ser gasta na prevenção à corrupção e na seleção de agentes públicos comprometidos com a integridade.”
Não cabe, pois, a menor dúvida de que a Volátil II “inflamou” a relação entre o governo do Estado e a PF. A conferir se, nos próximos meses, essa tensão com fundo eleitoral vai ganhar asas e voar até evoluir para algo pior, como uma crise institucional. Ou se vai se volatilizar e sumir no ar tão rapidamente como apareceu.
Panos quentes (mas nem tanto)
Transmitindo tranquilidade, uma fonte da cúpula governista disse que o Palácio Anchieta não trata o episódio como crise e evitou vincular a operação à candidatura Ricas, mas deixou escapar certa preocupação: “Não dá para afirmar [que haja ligação entre os fatos]. Essa é a segunda parte da operação. O processo data de 2020. Creio que ele [Ricas] só torceu muito para isso. E todos esperamos que ele não use a instituição para esses fins. Mas o que chega para nós, todos os dias, de diversas fontes, é que ele está preparando isso, mesmo depois de se desincompatibilizar”.
Jogo de espiões
Segundo um auxiliar de Casagrande, o governo e o próprio governador já esperavam, na quarta-feira (16) à noite, alguma ação da Polícia Federal na manhã desta quinta-feira. A inteligência do governo já havia captado “barulho vindo de lá”.
da nota de Duboc
Um detalhe muito significativo é a no pé da nota oficial do governo a respeito da Volátil II, firmada pelos secretários de Governo, Álvaro Duboc, e de Saúde, Nésio Fernandes (PCdoB). Fugindo à praxe, Duboc assina não só como secretário, mas também como “delegado federal aposentado”. Aliás, o “delegado” vem acima do “secretário”. O que o governo quis reforçar com isso? Que, ora, “se a Polícia Federal tem lastro de credibilidade, também temos esse lastro aqui dentro do nosso governo”.
Delegados no comando
A propósito, até meados do ano ado, o Centro Integrado de Comando e Controle, criado pelo governo em 2020 para coordenar as ações de combate à pandemia, era coordenado por dois delegados federais: Duboc e o então secretário de Justiça, Luiz Carlos Cruz, exonerado em 2021.
Mão no fogo etílico
A coluna também apurou que o governo põe a mão no fogo pela idoneidade do servidor que comandou as compras no Centro Integrado de Comando e Controle, Rafael Grossi. “Se alguém, por qualquer motivo, se desviou no caminho, foi na relação pessoal e não na gestão da pandemia”, disse uma fonte.
Transparente como álcool
Uma prova de como Casagrande não quer permitir de modo algum que se arranhe a imagem de governo “nota A” em transparência: em seu tweet publicado na tarde desta quinta – única manifestação dele até agora sobre a Volátil II –, o governador destacou que “a gestão da pandemia no ES sempre foi acompanhada pelos órgãos de controle e foi classificada como a mais transparente do Brasil”.
O destino de Vaccari

Rodrigo Vaccari era subsecretário de Agricultura. Foto: Divulgação/Seag
Afastado por determinação judicial do cargo de subsecretário estadual de Agricultura, Rodrigo Vaccari dos Reis é filiado ao partido do governador Renato Casagrande (PSB). Politicamente, é muito ligado ao secretário estadual de Agricultura, Paulo Foletto (do mesmo partido).
Ascensão
Durante o último mandato de Foletto na Câmara dos Deputados, de 2015 a 2018, Vaccari foi seu assessor parlamentar. No atual governo de Casagrande, quando Foletto assumiu a Secretaria de Agricultura, Vaccari foi nomeado subsecretário, tornando-se o nº 2 na linha de comando da pasta.
Candidatura
Vaccari é pré-candidato a deputado estadual pelo PSB. Cumprindo a legislação eleitoral, ele deveria pedir exoneração do cargo até o dia 2 de abril, para poder disputar as eleições. A Justiça antecipou em alguns dias a sua saída.
Afastado também da chapa?
Um dos efeitos secundários da Volátil II pode ser também frustrar o voo eleitoral de Vaccari (seria assim, também, uma operação “antivolátil”). Mas o presidente estadual do PSB, Alberto Gavini, afirma que, até segunda ordem, a candidatura de Vaccari está mantida. Segundo ele, a direção estadual do partido vai acompanhar o desenrolar dos fatos, reunir mais informações e ouvir o pré-candidato antes de tomar qualquer providência.
Palavras do investigado
O próprio Vaccari enviou a seguinte nota à coluna:
É um equívoco grave afirmar que houve superfaturamento, tomando como base os preços do álcool em gel em períodos de normalidade. Outro grande erro é usar distorções para justificar suposições, como a compra de uma chácara com dinheiro proveniente de vantagens indevidas, quando a aquisição do bem é de mais de uma década atrás, portanto anterior aos fatos apurados.
O cidadão de bem do Espírito Santo tem o direito de conhecer a verdade, e para isso não medirei esforços.
Fase persecutória
As investigações da Operação Volátil, iniciadas em 2020, ainda não resultaram em nenhuma denúncia formal. A operação encontra-se em fase de inquérito, que, segundo a assessoria da PF, deve ser concluído em breve e enviado ao Judiciário. Este, por sua vez, submeterá os autos ao Ministério Público, que, se assim entender, oferecerá denúncia para dar início a uma ação penal caso o juiz a aceite.
A nota completa da PF
Eis a íntegra da nota enviada à coluna pela assessoria da Polícia Federal:
A posição da Polícia Federal em relação a esse tipo de alegação é de extrema tranquilidade. Hoje temos um formato de investigação que blinda qualquer tentativa de interferência. Inclusive a equipe que coordenou essa 2ª fase é exatamente a mesma que iniciou a investigação ainda em 2020 e a mesma que deflagrou a primeira fase em junho de 2021.
Além disso, antes de qualquer operação como a de hoje, temos a manifestação favorável do Ministério Público e a autorização do Poder Judiciário para atuar. No caso de hoje, essas decisões judiciais foram emitidas pela 2ª Vara Criminal Federal de Vitória/ES, dois dias atrás, na última terça-feira (15).
Dessa forma, além de ser um discurso absolutamente inverídico, uma vez que as provas são irrefutáveis, ofende instituições formadas por profissionais sérios e competentes.
Além disso, a história mostra que esse é o discurso adotado por aqueles que, sem qualquer elemento para contrapor os fatos investigados, decidem atacar aqueles que investigam.
Por parte da Polícia Federal fica assegurado que seguiremos firme no nosso propósito de combate à corrupção sem nos abalar por alegações infundadas.
Seguiremos trabalhando com a mesma eficiência que levou nossa instituição à mais respeitada pela sociedade brasileira.
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