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Coluna Vitor Vogas

Análise: a maior das ironias nesta eleição no Espírito Santo

Em 2014, Casagrande perdeu a reeleição, entre outros fatores, por causa da narrativa de que se descuidou das contas públicas. Agora a crítica se inverteu, e ele “apanha” de adversários por “excesso de responsabilidade fiscal”

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Candidatos a governador do ES

O ano era 2014. Em uma eleição com um 2º turno antecipado – muito parecida com a que temos agora para a Presidência –, Paulo Hartung e Renato Casagrande se enfrentaram nas urnas, na disputa pelo governo estadual. Com pouco mais de 50% dos votos válidos, contra pouco menos de 40% do então governador, Hartung elegeu-se no 1º turno. Era o fim de uma bem-sucedida campanha para desbancar Casagrande, fundamentada em uma estratégia: fixar no socialista o rótulo da irresponsabilidade fiscal, do pouco zelo pelas contas públicas estaduais.

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Diligentemente, Hartung e seus colaboradores atribuíram essa pecha a Casagrande, em uma campanha que na realidade começou antes mesmo de Hartung se apresentar como pré-candidato a governador, com a divulgação de um estudo, assinado pelos economistas Ana Paula Vescovi e Haroldo Corrêa Rocha e pelo engenheiro Rodrigo Medeiros, mostrando que as finanças públicas estaduais haviam iniciado uma trajetória preocupante em alguns aspectos.

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Como o tempo tratou de mostrar, o quadro estava longe de ser o apocalíptico que se pintou, mas de fato havia problemas na gestão de Casagrande. O Espírito Santo já ostentava a famosa nota A do Tesouro Nacional. Mas o gasto com pessoal, embora dentro dos limites legais, vinha crescendo em relação à receita corrente do Estado.

Também estava crescendo a dependência dos royalties de petróleo e do dinheiro proveniente de empréstimos para o Estado conseguir realizar investimentos, à medida que diminuía a nossa capacidade de investir com recursos próprios. O Estado estava se financiando graças a operações de crédito e não à própria arrecadação tributária, situação insustentável no longo prazo.

Em 2013, o governo tinha a meta fiscal de fazer superavit. Fechou com deficit de R$ 316 milhões.

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Casagrande deixou para o seu sucessor, no exercício de 2015, um orçamento superestimado. A previsão da equipe do socialista era de uma receita total de R$ 17,3 bilhões naquele ano. A primeira medida de Hartung ao reassumir o governo foi mandar uma nova peça orçamentária para a Assembleia, rebaixando essa estimativa de receita para R$ 16 bilhões (o que se confirmou no fim do ano).

Por fim, havia alguns fios desencapados que de fato expunham um governo relativamente bagunçado do ponto de vista financeiro. A I dos Empenhos, aberta na Assembleia em 2015, revelou que, na Secretaria da Saúde, o governo chegou a gastar dinheiro que não tinha para gastar, ou seja, gastos foram realizados sem que houvesse recursos empenhados (reservados) para a execução desses pagamentos.

Por que é que estou fazendo questão de recordar toda essa história que deu muito o que falar na época?

Primeiro, porque deu certo. O discurso “pegou”. É claro que não foi só por isso que Casagrande perdeu para Hartung na campanha do “abrace o Paulo”, mas a pecha da “irresponsabilidade fiscal” certamente contribuiu.

Segundo, porque o tempo ou e, oito anos depois, vejam vocês o que é a política: naquilo que para este colunista vem a ser a ironia maior desta eleição, Casagrande – aquele mesmo governador outrora tão criticado pelo “pouco zelo com as finanças do Estado” – agora é criticado por adversários eleitorais justamente pelo que pode ser considerado um “excesso de zelo com o equilíbrio fiscal do Estado”.

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Afinal, qual é a principal acusação feita em uníssono a Casagrande por Manato, Guerino,  Audifax e Aridelmo? A de que o governo teria se preocupado demais em “guardar dinheiro”, em manter a nota A, em fazer superavit fiscal, e de que hoje teria uma poupança de no mínimo R$ 3 bilhões livres em caixa (o número varia conforme o candidato) em vez de ter gastado esse dinheiro público adequadamente para dar respostas aos enormes problemas sociais que demandam soluções urgentes do poder público, como o recrudescimento da miséria e da fome.

Ora, ora… o governador que há oito anos, ao tentar pela primeira vez se reeleger, levou no lombo, a ferro e fogo, a marca da irresponsabilidade fiscal, agora apanha de todos os lados, em sua segunda tentativa de reeleição, por supostamente demonstrar um “excesso de prudência fiscal” que o levaria aos píncaros da “irresponsabilidade social” (Audifax e Guerino o têm tachado como “desumano”).

Em outras palavras, ele está sendo condenado exatamente pela razão oposta, diametralmente oposta, pela qual foi tão criticado por Hartung e hartunguistas oito anos atrás. Como diria o próprio Paulo Hartung, citando o verso de Caetano Veloso em “Sampa”, é “o avesso do avesso do avesso do avesso”…

Teria Casagrande errado a mão na dosagem, ado do ponto em sua “reprogramação político-istrativa”? Teria se tornado um governador ainda mais “fiscalista” do que o “fiscalista” Paulo Hartung? Teria sido tão dura para ele a lição do revés nas urnas em 2014 que o “cuidado com as contas” virou uma obsessão, perseguida a todo custo, acima do bem-estar da população?

Não me parece que seja esse o caso.

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É certo que, desde o bombardeio hartunguista sofrido em 2014, o equilíbrio fiscal foi incorporado à agenda de governo de Casagrande e ao seu estilo de fazer gestão como uma questão de honra no atual mandato. Não que em seu primeiro governo isso fosse totalmente ignorado, mas certamente não estava no rol de prioridades. Até 2014, não se ouvia Casagrande falar no tema. No atual governo, sim.

A manutenção da “nota A do Tesouro Nacional” (de fato mantida ano após ano) virou um estandarte da gestão, sempre orgulhosamente hasteado por ele em discursos e entrevistas, como um patrimônio do Espírito Santo.

Hoje, além da nota A (que dá ao Estado garantias da União na contratação de empréstimos), o Espírito Santo tem solvência e liquidez, uma dívida pública totalmente sob controle, capacidade de investimentos com recursos próprios, folha de pagamento em dia, gastos com pessoal em um percentual bem razoável em relação à receita, tem arrecadado mais do que gastado nos últimos anos… e tem também uma poupança, que pode ser entendida como uma ampla reserva financeira para fazer frente a contingências.

O problema todo é a poupança?

Parece-me uma crítica exagerada. Até porque, em 2014, o que se dizia era o contrário.

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Loteamento dos cargos para aliados políticos? Crítica acertadíssima! A equipe deveria ser mais qualificada? Também acho que isso seja necessário. Suspeitas de focos de corrupção no governo? Crítica mais que pertinente! É preciso fiscalizar, investigar e punir se houver culpa formada. E escolher melhor os secretários e demais ordenadores de despesas.

Políticas públicas precisam melhorar? Correto, assino embaixo!

Mas vou citar aqui o que costumava dizer, em seu governo, o próprio Paulo Hartung: não existe responsabilidade social sem responsabilidade fiscal. Uma não exclui a outra. Ao contrário, uma depende da outra e pressupõe a outra. A responsabilidade fiscal é o que possibilita a social.

Não creio que o grande problema deste Estado seja poupar dinheiro, não.

E creio que esta – fica aqui o registro –, independentemente do resultado das urnas, é a ironia das ironias das ironias desta eleição estadual.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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