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Coluna Vitor Vogas

A nova Secretaria à espera da vice-governadora

Escalando Jacqueline para essa pasta a ser criada, Casagrande dá uma tacada tripla: resolve o problema do seu governo, o dele mesmo e o da vice-governadora, além de abrir espaço para outros aliados na equipe

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Jacqueline Moraes e Casagrande, na quarta e última transmissão de cargo no governo, em novembro de 2022. Foto: Secom

O governador Renato Casagrande (PSB) está praticamente decidido a criar, em seu próximo governo (logo ali na esquina), uma Secretaria Extraordinária da Mulher, ou de Políticas para as Mulheres. O nome da pasta ainda não está definido. O da sua ocupante, sim. Se o governador de fato tirar o projeto do papel – como está inclinado a fazer –, a cadeira de secretária já está à espera da atual vice-governadora, Jacqueline Moraes (PSB). Não há outra possibilidade.

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Trata-se de um típico caso de encaixe perfeito (ou de “feitos um para o outro”): Jacqueline tem o perfil ideal para a nova pasta; esta é considerada sob medida para ela. O perfil de atuação da vice-governadora tem tudo a ver com a proposta que o governador quer imprimir à nova estrutura e que justifica a sua criação: reunir, sob um mesmo guarda-chuva, todos os programas intersetoriais direcionados às mulheres existentes no governo estadual e, assim, fortalecê-los.

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Não é nada muito diferente do que Jacqueline fez ao longo do atual governo, mas sem o status de secretária. Como vice-governadora, a primeira mulher eleita para o cargo na história do Espírito Santo foi empoderada por Casagrande para coordenar uma série de ações com esse enfoque, ligadas à luta contra a discriminação de gênero, ao empreendedorismo feminino, à participação das mulheres na política, ao combate à violência doméstica e ao feminicídio, aos cuidados na primeira infância etc.

São políticas transversais, que am por várias secretarias de Estado. A ideia é manter essa transversalidade, mas agora sob um comando central, em uma secretaria 100% focada nessas políticas e que servirá como referência no tema, a exemplo do Ministério das Mulheres a ser provavelmente recriado pelo governo Lula (PT).

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Tacada múltipla

Criar a “Semulher” (a sigla é minha, provisória e sem patente) é como matar três bolas com uma só tacada. De uma vez, resolve um problema para o governo (a necessidade de turbinar as políticas voltadas para o público feminino), um problema para Jacqueline (seu futuro político), mas, acima de tudo, um problema para o governo em relação a Jacqueline: o que fazer com a vice-governadora?

Sem de modo algum negar-lhe os méritos, podemos dizer que Jacqueline Moraes é, em grande medida, uma criação política do PSB e do próprio Casagrande. Dona de uma bela história de superação, após os anos de labuta como camelô, a moradora de Cariacica tornou-se vereadora da cidade, de 2013 a 2016. Para cuidar dos filhos, não tentou a reeleição.

Em 2018, preparava sua nova empreitada eleitoral: candidatar-se a deputada federal, pelo PSB de Casagrande. No início de agosto, veio a surpresa: a poucos minutos do fim do prazo para registro da chapa – e relativamente no improviso, ante a impossibilidade de ter Lenise Loureiro (Cidadania) –, Casagrande convidou Jacqueline para ser sua companheira. Ninguém, nem ela mesma, acreditou.

Os dois venceram e, como dito, no atual governo, Jacqueline assumiu a coordenação de alguns programas, além de ter substituído Casagrande no cargo quatro vezes, sempre durante ausências curtas, por motivo de viagem oficial – a última foi durante a COP 27, em novembro.

Neste ano, porém, o empreendimento eleitoral de Jacqueline não deu certo. Botando na rua o plano inicial de quatro anos atrás, ela enfim concorreu à Câmara dos Deputados. Era uma grande incógnita. Antes do pleito, uma fonte do PSB itia que nem eles mesmos tinham a exata medida do potencial eleitoral da vice-governadora: “Pode ter de 10 mil a 100 mil votos”.

Nessa escala de 1 a 10, chegou a 3, isto é, beirou os 30 mil votos, marca insuficiente para conseguir um lugar na Câmara, numa eleição que de resto foi muito desfavorável ao PSB no Legislativo. No Brasil inteiro, o partido só elegeu 14 federais, fazendo apenas a 9ª maior bancada na próxima Câmara. No Estado, na bacia das almas, Paulo Foletto conseguiu se reeleger. E foi só.

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No dia 1º de janeiro, Jacqueline “ará a faixa de vice-governador(a)” para Ricardo Ferraço (PSDB) – diga-se de agem, uma mudança radical no perfil do ocupante do cargo, em todos os aspectos: gênero, raça, idade, origem, religião… tudo. Com isso, após tanto “investimento político” por parte de Casagrande, do PSB e do atual governo, Jacqueline ficará sem mandato pelo menos pelos próximos dois anos.

E então o que fazer com tudo isso? Após ganhar tanta visibilidade, Jacqueline seria colocada de volta no banco de reservas? Ou será melhor para o time e o treinador que ela siga em campo, mesmo que em posição de menor destaque? Transformar a vice em secretária é também uma forma de a manter no jogo político-eleitoral.

Por isso, aquele “feitos um para o outro” mencionado no início também ganha aqui um significado literal.

A pasta não será criada somente para acomodar Jacqueline… mas também será criada para isso.

Retribuição

Além disso, nestes quatro anos de governo, Jacqueline se provou para Casagrande uma aliada leal e incondicional, daqueles que compram suas brigas e barulhos.

Teria sido ela – especificamente, um discurso feito por ela na quadra de esportes de uma escola no Centro de Vitória – o estopim da crise que detonou de vez a relação entre Lorenzo Pazolini (Republicanos) e Casagrande. No dia seguinte, em outra escola – essa em Jardim Camburi –, o prefeito fez a acusação contra o governador recém-arquivada pela Procuradoria-Geral da República.

Nesse caso, manter Jacqueline no jogo, exercendo um papel de relevância, também não deixa de ser uma forma de prestigiá-la e de retribuir toda essa lealdade.

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Abrir espaço para os demais

Há, ainda, um fator prático. Na composição do próximo governo, existem a cota do PSB e as cotas dos principais partidos aliados. Casagrande tem muito pinto a quem dar milho neste momento.

Abrindo uma nova pasta para encaixar uma companheira de partido, o governador preenche parte da cota do PSB sem fechar nenhuma casinha. Mantém todas as atuais secretarias como opções para acomodar os indicados por outras siglas. Ou seja, essa saída para Jacqueline lhe dá uma folga, abre espaço para ele negociar.

Exemplo concreto: se a vice-governadora não for para a “Semulher”, para onde irá? Por seu perfil, a única lâmpada que se acende para ela é a Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades). Esta, porém, é cobiçada por muitos aliados: está no radar do PT e do PDT (com Sueli Vidigal), por exemplo.

Se Casagrande coloca Jacqueline lá, resolve a situação da vice-governadora, mas fica ainda mais apertado na relação com essas forças aliadas também do campo progressista.

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Representatividade

Por último, mas não menos importante, parece-me evidente que a escalação de uma mulher negra no primeiro escalão do próximo governo também atende a um objetivo importante que um governo progressista não pode perder de vista (e que na certa também está no radar de Casagrande, como esteve quando ele a escolheu como vice-governadora em 2018): ampliar a diversidade e a representatividade de minorias sociais nos cargos de comando.

Cumpre sempre lembrar o conceito “minorias” não como grupos sociais em menor quantidade, numericamente inferiores, mas sub-representados. O conceito não é matemático, mas sociológico.

Ainda hoje, no Brasil inteiro, há uma desproporção entre a participação das mulheres na população total e a presença delas (especialmente as negras) nos espaços de poder em geral. No Brasil, existem mais mulheres negras que homens brancos, por exemplo. No secretariado do atual governo Casagrande, não há nenhuma mulher negra.

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Alguns exemplos de atuação

No primeiro ano do atual governo (2019), Jacqueline lançou o programa Agenda Mulher Empreendedora.

Também ajudou a lançar o Observatório de Políticas Públicas para as Mulheres (Instituto Jones), o Pacto Estadual pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e o Plano Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres, em diálogo com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedimes), com o Ministério Púbico Estadual (MPES) e com a Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH), onde, desde 2016, funciona a Subsecretaria de Estado de Políticas para as Mulheres, criada um ano antes.

Tanto a SEDH como o MPES também são comandados atualmente por mulheres: respectivamente, a advogada Nara Borgo (também do PSB) e a procuradora-geral de Justiça Luciana de Andrade.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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