fbpx

Coluna Vitor Vogas

Justiça proíbe Pablo Muribeca de entrar em espaços de UPAs na Serra

Acolhendo em parte recurso da Prefeitura, desembargador substituto impôs a proibição ao deputado, que recorrerá. Entenda a briga jurídica e política

Publicado

em

Pablo Muribeca e Sérgio Vidigal

Acolhendo parcialmente recurso da Prefeitura da Serra, o desembargador substituto Anselmo Laranja proibiu o deputado estadual Pablo Muribeca (Republicanos) de entrar em setores de unidades de saúde do município e abordar pacientes e funcionários sem autorização. Se o fizer, terá de pagar multa de R$ 50 mil por episódio.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Na decisão, expedida na última sexta-feira (15), o magistrado determinou a Muribeca que, “no exercício do seu mandato, abstenha-se de adentrar setores e áreas de fluxo e permanência controlados das unidades de saúde municipais de Serra, tais como consultórios, salas espera de consultas, salas em geral e/ou congêneres, bem como abordar, sem autorização, pacientes e funcionários em violação à intimidade e privacidade, [sob] pena de incidir multa cominatória que fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por evento”.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

Juiz de Direito, Laranja está substituindo o desembargador Annibal de Rezende Lima no Tribunal de Justiça do Estado (TJES). A partir da análise dos autos, ele entendeu “haver excesso nos atos de fiscalização exercidos pelo agravado [Muribeca] enquanto representante da Comissão de Saúde e Saneamento da Assembleia Legislativa do Espírito Santo”.

Para o magistrado, a atuação do deputado junto às unidades de saúde da Serra, na forma como é realizada, tem gerado “contexto grave de violações que justificam a adoção da tutela que, pela contenção, garantirá a harmonia do funcionamento das instituições”.

Desde os tempos de vereador da Serra, de 2021 e 2022, e neste ano como deputado estadual, Muribeca costuma realizar “ações fiscalizatórias” em unidades de saúde da cidade, seu reduto político, a fim de denunciar a superlotação e as condições de atendimento. Tudo é documentado por ele fartamente em vídeos publicados por ele e sua equipe em suas redes sociais. O deputado é pré-candidato a prefeito da Serra e opositor do prefeito Sérgio Vidigal (PDT) – que pode concorrer à reeleição.

No entendimento de Laranja, acolhendo a argumentação da Prefeitura da Serra, Muribeca está incorrendo em desvio de finalidade e extrapolando os limites constitucionais da atuação parlamentar no exercício da atividade fiscalizatória.

Em sua decisão, o desembargador substituto levou em conta Boletins de Ocorrência registrados em virtude dessas “batidas” do deputado nas unidades de saúde, além de uma nota de repúdio da Medicals Serviços Médicos Especializados Ltda., prestadora de serviços na Unida de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Castelândia, e outra divulgada pelo Sindicato dos Médicos do Estado do Espírito Santo devido à exposição indevida de uma médica plantonista, “tudo a compor um quadro de desrespeito e de atitudes açodadas e midiáticas que não se compatibilizaram com o nobre dever de fiscalizar”.

Entretanto, Laranja não atendeu inteiramente à tutela pleiteada pela Prefeitura da Serra porque o pedido era para que o deputado ficasse impedido de entrar nas unidades de saúde (não somente nos espaços internos de fluxo controlado, como decidiu o magistrado). “Quanto à extensão da tutela inibitória, por outro lado, penso que a ordem para que o Agravado se abstenha de adentrar unidades de saúde do Município de Serra não se compatibiliza com as noções de Estado Democrático e liberdade ambulatorial”, ponderou o autor da decisão.

Em nota enviada à coluna, o próprio Muribeca afirmou que vai recorrer da decisão e que a Procuradoria Geral da Assembleia Legislativa fará o mesmo. O órgão jurídico da Assembleia pediu para ser itido na ação como assistente dos advogados de Muribeca, “a fim de promover a defesa das prerrogativas [do deputado] no exercício do seu mandado eletivo”.

Os advogados de Muribeca devem interpor embargos de declaração, para que Anselmo Laranja reavalie a própria decisão.

A nota completa do deputado

É uma pena que o Prefeito Sérgio Vidigal, diante de tantas prioridades para a cidade, insista em procurar a Justiça para que eu desista de minha defesa em prol das pessoas menos favorecidas, que carecem de um atendimento de saúde digno.

Confio plenamente na Justiça e, por isso, iremos recorrer da liminar, reafirmando meu compromisso inabalável de lutar por melhorias na saúde da população da Serra, à qual dedico meu amor e comprometimento.

A Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo vai recorrer da decisão, respaldando minha posição como Deputado Estadual. A Comissão de Saúde, por sua vez, aprovou uma resolução que garante minha prerrogativa de fiscalizar. Destinei boa parte dos meus recursos para a saúde e sei que estamos no caminho certo.

Mantenho minha confiança perante o Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que continuaremos sendo a voz e o motor de uma política pautada pelo diálogo e ação. Nosso objetivo é assegurar um atendimento na saúde mais humanizado e qualificado.

ENTENDA O CASO

A ação civil pública do município da Serra contra Pablo na Justiça Estadual

Em ação civil pública apresentada à Justiça Estadual de 1º grau, a Prefeitura da Serra formulou o “pedido de tutela provisória de urgência” citado acima.

Segundo a Prefeitura da Serra, Muribeca “tem se valido indevidamente” das prerrogativas do cargo de deputado estadual que ou a exercer neste ano, “em flagrante abuso de poder, para invadir, literalmente, os estabelecimentos de saúde do Município da Serra, forçando sua entrada em locais s, destinados à circulação exclusiva de servidores [como, inclusive, consultórios médicos], coagindo e desrespeitando servidores públicos, incitando populares que ali se encontram a se insurgirem contra as equipes médicas, causando tumultos, gritaria, transtornos na regularidade do atendimento e, por conseguinte, o atraso e até mesmo a paralisação dos serviços essenciais de urgência e emergência, além de expor sem qualquer autorização a imagem e, por conseguinte, a intimidade de pessoas, no nítido intuito de se autopromover politicamente, a pretexto de exercer o poder de fiscalização parlamentar”.

De acordo com a Prefeitura da Serra, essa seria a repetição do modus operandi adotado por Muribeca, como vereador, de 2021 a 2022.

Para o município da Serra, a medida requerida contra Pablo “visa assegura o pleno e regular funcionamento dos estabelecimentos de saúde do Município da Serra e, assim, proteger direito fundamental relevante e de interesse de toda a coletividade do referido ente político municipal”.

Isso porque “as incursões do agravado nos estabelecimentos de saúde do Município da Serra, cada vez mais recorrentes, têm causado gravíssimos danos concretos ao direito fundamental à saúde de seus habitantes”.

A decisão inicial da juíza Telmelita

A primeira decisão no processo não foi favorável ao pleito da Prefeitura da Serra. A juíza Telmelita Guimarães Alves, da 1ª Câmara Cível da Serra, não atendeu ao pedido de antecipação de tutela requerido pelo município, por considerar “ausente a probabilidade do direito invocado”.

Ela argumentou que, em exame preliminar, “não se encontra evidenciada a existência de lesão ou mesmo ameaça de lesão ao direito coletivo à saúde, sobretudo para efeitos de justificar a tutela pretendida. Pelo contrário, ao que se observa o demandado vem atuando no Município de Serra mediante demanda dos próprios munícipes que se veem horas a fio à espera de atendimento médico adequado e eficiente, circunstância que pode ser observada a partir dos diversos vídeos existentes nas próprias redes sociais do requerido, os quais, apesar de conter certa espetacularização, não diminuem e nem afastam as deficiências expostas e aparentemente factuais, porquanto evidente o inconformismo daqueles que ali aguardam a devida assistência”.

Por isso, na avaliação da juíza, “não se pode impedir o demandado, mormente na condição de cidadão, e naqueles locais em que o o ao público é permitido, de efetuar o registro de possíveis omissões do Poder Publico na prestação dos serviços assistência à saúde”.

Ela ponderou, ainda, que a própria Guarda Municipal da Serra pode impedir o o do deputado a áreas restritas das referidas unidades saúde:

“Quanto às áreas de o , não vejo necessidade na tutela pretendida, já que o Município de Serra dispõe de meios eficazes e inerentes ao seu poder de polícia para evitar/impedir os indevidos, a exemplo da sua guarda municipal, que tem por finalidade a proteção do patrimônio público”.

O recurso da Prefeitura da Serra

No recurso apresentado ao TJES, a Prefeitura da Serra argumentou que a decisão de 1º grau “acaba ‘legitimando’, mais uma vez, as ações truculentas do agravado junto aos estabelecimentos de saúde da Serra, as quais já foram censuradas por esse Excelentíssimo TJES”.

O município alegou que Muribeca não atua na Serra mediante demanda dos próprios munícipes, como mencionou a autora da decisão de 1º grau, “mas sim por conta própria, voluntariamente [sem qualquer denúncia], para se autopromover politicamente”.

Segundo os autores do recurso, “a pretexto de exercer a fiscalização parlamentar, [Muribeca] tem forçado a sua entrada em locais s dos estabelecimentos de saúde do Município da Serra”. Citaram alguns exemplos concretos:

Em 27 de fevereiro e 22 de agosto deste ano, Muribeca “ingressou na UPA de Castelândia, lá permanecendo por várias horas acompanhado de assessores e seguranças, tendo promovido a filmagem de pacientes e funcionários sem autorização, além de ter bloqueado a entrada, causado tumulto e coagido a equipe”. Para a Prefeitura, essa postura de coação e intimidação “estimula a agressividade dos pacientes com a equipe e é considerada humilhante pelos profissionais de saúde que se sentem comprometidos no que tange à sua identidade, à dignidade e, acima de tudo, à saúde mental dentro do trabalho’”.

Ainda segundo a Prefeitura, em 16 de novembro de 2021, ainda como vereador, Muribeca “ingressou na UPA de Carapina, ocasião em que invadiu consultórios”. Em 9 de fevereiro deste ano, “ingressou na UPA de Castelândia, acompanhado de policiais militares, em atitude hostil e constrangedora, causando prejuízo ao atendimento público”.

Os fatos ensejaram a lavratura de boletins de ocorrência, além de notas de repúdio da empresa Medicals Serviços Médicos Especializados Ltda. e do Sindicato dos Médicos do Estado do Espírito Santo (Simes), que “também repudiou veementemente ‘os atos praticados pelo Deputado Pablo Muribeca, em flagrante abuso de poder’, após receber ‘várias denúncias efetivadas por diversos profissionais médicos, a respeito de fatos ocorridos no Hospital Materno Infantil da Serra’”.

A defesa de Pablo Muribeca

Declarando que o deputado é politicamente perseguido pelo prefeito Sérgio Vidigal, a defesa do deputado, representada pelos advogados Rafael Teixeira de Freitas e Ricardo Benetti Fernandes Moca alega que o pedido formulado pela Prefeitura da Serra é próprio de regimes totalitários.

“O pedido formulado, comum em regimes totalitários, distorce os fatos pretendendo obter, judicialmente, repressão política e oestação pública para ofuscar o agravado e esconder os gravíssimos problemas de gestão que resultam em prejuízo ao direito fundamental à saúde dos cidadãos”.

Segundo os advogados, desde os tempos de vereança, Muribeca sempre dedicou seus mandatos a esse tipo de fiscalização visando melhor o atendimento e a vida das pessoas. Mas, ao “abrir a caixa de Pandora da saúde pública na Serra”, atraiu para si “a fúria” de Sérgio Vidigal:

“Desde que ou a ser parlamentar, democraticamente eleito, o agravante dedicou seus mandatos (primeiro, como vereador e, agora, enquanto deputado) à incessante busca pela melhoria nas condições de vida das pessoas, com forte atuação representativa na fiscalização da gestão pública da saúde. Ao abrir a caixa de pandora da péssima gestão na saúde do Município de Serra, atraiu para si a atenção e a fúria do gestor, que se utiliza da máquina pública para tentar tolher a atuação do agravado, justamente causada pelas diversas irregularidades constatadas e divulgadas”.

A defesa de Muribeca enfatiza que ele tem autorização da Comissão de Saúde da Assembleia para exercer suas ações fiscalizatórias como representante do referido colegiado, “especialmente na condição de vice-presidente”. Sustenta, ainda, que o deputado “jamais a ‘áreas restritas’ sem autorização. Não ‘invade’ estabelecimentos de saúde e não coage nem desrespeita servidores”.

A decisão do relator no TJES

O desembargador substituto Anselmo Laranja rejeita o argumento da defesa quanto a um pedido de tutela como esse só caber em regimes ditatoriais:

“Contrariamente ao afirmado pelo Agravado – e isso fique claro –, a atuação do Poder Judiciário na eventual contenção de excessos é própria dos regimes democráticos e não dos ditatoriais, nos quais a atuação do parlamentar seria submetida, possivelmente, à sindicância das armas, da violência da opressão e da ignóbil censura; no Estado Democrático de Direito, por sua vez, as decisões exaradas pelo Poder Judiciário devem ser absolutamente compatíveis com a Constituição da República, com a defesa da democracia, dos princípios fundamentais e do livre atuar dos Poderes estabelecidos […].”

Para Laranja, os atos levados a efeito por Muribeca não se adéquam “aos limites constitucionalmente estabelecidos para o exercício da atividade fiscalizatória pelo parlamentar”, previstos nos artigos 2º e 37 da Constituição da República e no artigo 70 da Constituição Estadual. “O controle externo exercido por força do poder fiscalizatório de que é dotado o Poder Legislativo, quando exercido nas linhas da Constituição, não viola a separação dos Poderes”, anotou. Mas esse não seria o caso.

Na visão de Laranja, Muribeca, na verdade, tem agido por conta própria, e não institucionalmente na qualidade de representante da Comissão de Saúde da Assembleia. “Tem prevalecido o entendimento segundo o qual a fiscalização do Poder Legislativo sobre os órgãos do Executivo é atribuição do órgão (no caso, da Assembleia Legislativa) e não dos seus membros individualmente considerados.”

Além de citar jurisprudência do STF nesse sentido, o autor da decisão evocou decisão do próprio TJES, relatada pelo desembargador Annibal de Rezende Lima, justamente em julgamento de ação relativa à atuação de Muribeca nos tempos de vereador:

Segundo Laranja, a Primeira Câmara Cível do TJES “já havia sedimentado, quando do exame da atuação do ora Agravado na qualidade de Vereador da Câmara Municipal de Serra, que, ‘quando age individualmente na intenção de fiscalizar atos, operações ou serviços públicos, o Vereador não corporifica o próprio órgão legislativo, que é quem de fato detém a função típica de fiscalizar nos termos delineados pela Constituição Federal; age, portanto, na condição de cidadão, devendo se socorrer dos meios legalmente instituídos para a realização do seu intento’. A premissa para a atuação do parlamentar eleito para o cargo eletivo de Deputado Estadual é a mesma”.

O desembargador substituto reconhece que, de fato, a Comissão de Saúde da Assembleia aprovou, em 29 de agosto deste ano, requerimento para que Muribeca “exerça seu papel constitucional e fiscalize as denúncias recebidas contra as unidades de saúde no âmbito de todo o Estado”, nomeando-o para que “atue em representação constitucional fiscalizatória da Comissão para averiguação de tais denúncias”.

Para Laranja, porém, tal autorização “não outorga ao Agravado prerrogativas outras além daquelas que já lhe são asseguradas ao bom exercício do seu mandato eletivo, tampouco lhe confere autorização para adotar técnicas midiáticas que desbordam da atuação republicana e que, finalisticamente, devem atender ao bem público”.

“Não bastasse isso”, completa, “a deliberação ampla proferida pela Comissão de Saúde e Saneamento integrada pelo Deputado Estadual Pablo Muribeca, para que este atuasse em representação daquela Comissão para ‘averiguação de denúncias’ não individualizadas, não serve como respaldo – a meu sentir – para subsidiar a alegação de que o seu atuar fiscalizatório encontra-se amparado, respaldado e autorizado pelo órgão legislativo estadual”.

O magistrado chama a atenção para o fato de que Muribeca concentra “a sua atuação midiática” em unidades de saúde do próprio reduto: “enquanto Deputado Estadual, embora a mencionada deliberação da Comissão de Saúde e Saneamento se refira a todo o Estado do Espírito Santo, [o deputado] concentra a sua atuação midiática apenas quanto às unidades de saúde do Município de Serra, seu reduto político”.