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Coluna Vitor Vogas

Casagrande sobre o MPES: “Posso não escolher o primeiro da lista”

Análise de bastidores: o que pode levar o governador a não optar pelo candidato mais votado, como isso influenciou a definição de candidaturas e pode influenciar ainda mais a sequência da eleição interna para procurador-geral de Justiça

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Governador Renato Casagrande com a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade. Foto: MPES

O governador Renato Casagrande (MPES) afirmou de maneira categórica: ao receber a lista tríplice a ser formada na eleição interna do Ministério Público Estadual (MPES) para o cargo de procurador-geral de Justiça, não necessariamente escolherá o candidato mais votado. Pode perfeitamente escolher o segundo ou o terceiro da lista para suceder a atual procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade.

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“A lei me permite escolher um dos três. Vou seguir o que a lei me permite. Não necessariamente o primeiro. Vou ver a lista. Não tenho obrigação de escolher o primeiro. Então vou ver a lista e vou analisar na hora certa.”

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Ao se escorar na “lei”, Casagrande se refere à lei maior do Estado, a Constituição Estadual, que sumariamente estabelece o processo de escolha. Funciona assim:

O mandato do procurador-geral de Justiça dura um biênio, podendo ser renovado uma vez. A cada dois anos, portanto, ocorre eleição para o cargo, dividida em duas etapas. Num primeiro momento, qualquer promotor ou procurador de Justiça pode se inscrever para concorrer ao cargo, em votação realizada pelos colegas. A deste ano está marcada para o dia 22 de março. Cada membro do MPES pode dar até três votos. Os três candidatos mais votados nessa eleição interna am então a compor uma lista tríplice, encaminhada para o governador.

O artigo 118 da Constituição Estadual, o único a versar sobre o tema, diz apenas: “O Ministério Público tem por chefe o Procurador-Geral de Justiça, nomeado pelo Governador dentre integrantes da carreira, em exercício, com mais de trinta e cinco anos de idade, em lista tríplice formada pelos membros da instituição, para mandato de dois anos, permitida uma recondução”.

Portanto, a “lei” de fato faculta ao chefe do Poder Executivo optar por qualquer um dos três nomes da lista. Ele não é obrigado a escolher o primeiro colocado na votação preliminar realizada entre os membros do MPES.

É possível, é legal, mas é bem raro. Embora ele tenha esse direito, eventual escolha do segundo ou do terceiro colocado representaria a quebra de uma tradição, como prova a recente história política do Espírito Santo.

O próprio Casagrande, em seus dois governos anteriores, nas quatro oportunidades que teve de fazê-lo, sempre escolheu o mais votado da lista encaminhada a ele pelo MPES. Foi assim com Eder Pontes em 2012 e 2014 e com Luciana Andrade em 2020 e 2022 – ressalvado o fato de que, no último caso, Luciana foi candidata única.

No interregno entre os dois primeiros governos de Casagrande, de 2015 a 2018, houve o último de Paulo Hartung. Este também prestigiou o mais votado da lista que o MPES lhe fez chegar: Elda Spedo em 2016 e Eder Pontes em 2018. Assim, pelo menos desde 2012, marco inaugural da “Era Eder Pontes” no MPES, a regra não escrita tem sido esta: privilegiar o mais votado, sem exceção.

Mas a “regra não escrita”, avisa Renato Casagrande, pode ser reescrita agora.

Por quê?

Bem, aqui estamos entrando no campo das conjecturas, baseadas em uma visão compartilhada por muitos observadores que acompanham de perto e por dentro esse processo eleitoral no MPES.

Em primeiro lugar, existe uma percepção geral de que, para Casagrande e seu grupo político, seria conveniente manter o status quo no MPES. Vale dizer: manter no comando da instituição o grupo político de Luciana Andrade, cujo padrinho político é o hoje desembargador Eder Pontes, apadrinhado, ao seu tempo, pelo hoje também desembargador Fernando Zardini; manter, portanto, o grupo que tem em Eder Pontes a sua principal referência, mas que se estendeu pelas gestões de Luciana Andrade no MPES (2020-2024) e que remonta às anteriores, de Zardini (2008-2012).

É o grupo da “Era Eder”, iniciada em 2012, no primeiro governo Casagrande.

Há, no meio político capixaba e também no seio do MPES, uma percepção difusa de que, ao longo dos anos, o governo Casagrande e o grupo liderado por ele estabeleceram um excelente relacionamento não apenas institucional, mas político mesmo, com o grupo que deteve o poder no MPES durante todo esse tempo.

Para dizê-lo de um modo bem suave, existiria um “alinhamento” entre as partes; para dizê-lo com menos sutileza, repetindo uma expressão ouvida pela coluna nesta apuração, existiria uma “acomodação de interesses”.

Esse excelente relacionamento mantido durante a gestão de Luciana remontaria aos anos de Eder Pontes como PGJ ou até antes, aos anos de Zardini, cuja gestão no MPES, de 2008 a 2012, iniciou-se no meio do segundo governo Paulo Hartung (2007-2010) e entrou pelo primeiro de Casagrande (2011-2014).

Vejam bem: essa percepção é muito importante porque é tida por premissa elementar de qualquer estratégia desenvolvida por todas as forças envolvidas na atual disputa no MPES.

Ora, como a palavra final cabe a Casagrande e a ninguém mais, de nada adianta um candidato ou candidata de oposição receber um caminhão de votos dos pares se não conseguir convencer o governador a nomeá-lo/a para a Procuradoria-Geral de Justiça. Inversamente, de nada serve um candidato da situação apoiado por Eder ou por Luciana gozar da simpatia ou até de velada preferência no governo Casagrande se não conseguir ingressar na lista tríplice, morrendo na primeira fase do processo.

Concorrendo por essas três vagas, existem seis candidatos na disputa: os promotores Francisco Berdeal, Danilo Raposo, Maria Clara Mendonça Perim e Pedro Ivo de Sousa, além dos procuradores Marcello Queiroz e Josemar Moreira.

Nos bastidores, como já detalhado aqui, houve um racha na situação, entre Luciana Andrade e seu padrinho, Eder Pontes. A atual PGJ e seu antecessor no cargo não chegaram a um acordo quanto ao representante do grupo na sucessão da primeira. Luciana preferiu apoiar Francisco Berdeal. Esse é o seu candidato. Eder preferiu bancar a candidatura de Danilo Raposo.

Em outra ponta – beneficiados por essa cisão no lado da situação –, podem-se divisar dois postulantes muito claramente identificados como candidatos de oposição: os promotores de Justiça Maria Clara e Pedro Ivo. Eles preferem definir a si mesmos como candidatos “independentes” – é parte do jogo –, mas estão com os dois pés bem fincados no polo oposto ao de Luciana e de Eder, embora não pertençam ao mesmo grupo internamente. Na verdade, representam diferentes correntes de oposição interna.

E aí temos os outros dois candidatos que correm por fora nessa disputa: exatamente os dois procuradores, Josemar Moreira e Marcello Queiroz. Se não chegaram a ser surpresa – seus nomes já eram ventilados como possíveis candidatos –, foram os últimos dois postulantes a entrarem no jogo. E, para muita gente no MPES, contaram e contam nos bastidores com o incentivo do grupo de Eder Pontes. Por quê? Porque esse grupo teria concluído pela necessidade de lançar mais opções para se ver representado na lista tríplice.

Por que a mudança de estratégia?

Existe, no seio do MPES, uma percepção de que as candidaturas de oposição de Pedro Ivo e Maria Clara vingaram. Ambos estariam bem consolidados na disputa e seria uma grande surpresa a eventual ausência de um dos dois na lista tríplice – independentemente da posição. Conta a favor deles não só a fragmentação do grupo de Eder e Luciana, mas o fato de terem começado a campanha entre os pares muito antes e, ainda, certa “fadiga política” do grupo no poder há mais de uma década, convertido em anseio por mudança por parte de uma parcela dos membros cujo tamanho será informado pelas urnas.

Quem não simpatiza com a ideia de preservação do status quo no órgão e deseja algum tipo de mudança tende a votar em um, no outro, ou, muito provavelmente, nos dois – já que Pedro Ivo e Maria Clara são os únicos dois candidatos reconhecidos como genuinamente de oposição. Assim, são grandes as chances de que eleitores de Pedro Ivo deem o segundo voto para Maria Clara mesmo não simpatizando tanto com ela, e vice-versa – só para dificultarem as chances de um representante da situação ficar bem posicionado na lista.

Ideologicamente – e é claro que questões ideológicas também acabam influindo nessa eleição interna corporis, em uma conjuntura política nacional de extrema polarização que acaba por influir até em eleição de síndico –, Pedro Ivo é mais associado ao campo da direita; Maria Clara; à centro-esquerda (assim como o é Casagrande).

Mas, de novo, querendo acima de tudo derrotar o grupo da situação, promotores e procuradores de Justiça que simpatizam mais com a direita e preferem votar em Pedro Ivo também podem reservar o segundo voto para Maria Clara, incomodados com o aparente alinhamento da gestão de Luciana com o governo do PSB. Ainda que, no foro íntimo, a promotora seja mais alinhada à centro-esquerda de Casagrande, é difícil imaginar uma gestão Maria Clara atrelada politicamente ao governo do socialista, por seu reconhecido perfil linha dura e aparentemente imune a pressões políticas externas.

De igual modo, eleitores simpatizantes da esquerda que tendem a votar em Maria Clara também podem dar o segundo voto para Pedro Ivo como um “voto útil”, buscando, acima de tudo, dificultar as chances de vitória seja de Berdeal (Luciana) seja de Raposo (Eder).

Ora, se estiver correto o prognóstico de que Maria Clara e Pedro Ivo entram com favoritismo na disputa pelos votos dos colegas, restaria a terceira vaga, a ser disputada pelos outros quatro.

O candidato único de Luciana é Francisco Berdeal. É nele que ela vai apostar tudo, para que seu favorito belisque pelo menos a terceira vaga. Se o fizer, ainda que chegue em terceiro lugar, ele ará a resplandecer como uma bela opção de escolha aos olhos do governador. Para alguns, independentemente da votação e da posição na lista, pode ar a ser encarado até como o favorito de um governador que, tornemos ao início desta análise, já avisou: pode escolher qualquer um dos três finalistas. Será “jogo zerado” para ele.

Enquanto isso, para não ficar refém da decolagem da candidatura de Raposo, o grupo de Eder e Zardini, avaliam analistas internos, pode ter reorientado sua estratégia: em vez de apostar tudo o que tem em um número só, julgou melhor dividir suas fichas em três números da roleta, para em tese aumentar suas chances de fazer ao menos um deles chegar à lista tríplice.

Daí a avaliação de que, nos bastidores, Eder e Zardini podem ter incentivado o lançamento de Josemar Moreira e Marcello Queiroz – o que ambos os candidatos negaram a esta coluna. Em primeiro lugar, a presença deles no páreo pode tirar votos de Francisco Berdeal. Em segundo lugar, se um deles chegar à lista tríplice, ainda que e como o terceiro mais votado, surgirá automaticamente para Casagrande como a alternativa (talvez não a ideal para ele, mas a única) aos nomes de Maria Clara e Pedro Ivo.

Se essa hipótese se concretizar e Casagrande optar pelo “candidato improvável”, o grupo de Eder e Zardini terá sido o seu patrono e o autor da solução política oferecida de bandeja ao governador, podendo reivindicar sua autoria nos bastidores do poder. Como mentores da candidatura vitoriosa de Josemar ou Queiroz, os dois agora desembargadores poderão seguir influindo a distância nos rumos do MPES.

Nesse cenário, o que resta a Maria Clara e Pedro Ivo são duas coisas:

Primeiro, lutar muito para de fato conseguirem um caminhão de votos dos colegas, assim de certo modo “constrangendo” Casagrande a optar por um dos dois. Convenhamos: se um ou outro vencer de lavada, ficará mais “feio” para Casagrande não escolher o candidato mais votado – ainda que a Constituição o autorize a assim proceder. Será opor-se demais, e de maneira acintosa, à vontade dos membros do MPES.

Em segundo lugar, movimentar-se muito nos bastidores e intensificar o lobby em causa própria junto ao governador e seus muitos aliados nas mais diversas instâncias do poder, visando dirimir possíveis resistências que o dono da caneta e da palavra final possa ter em relação aos nomes deles.

O que dizem Queiroz e Josemar

“Quem me dera…” Assim o procurador Marcello Queiroz respondeu ao nosso questionamento sobre ter ou não Zardini e Eder como incentivadores. “Esses apoios são muito importantes. Gostaria de poder contar com o apoio deles e de outros ex-procuradores-gerais de Justiça”, afirmou, citando também o atual desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama (2004-2006) e a procuradora de Justiça Catarina Cecin Gazele (2006-2008).

Já Josemar Moreira respondeu o seguinte, por nota:

“Tenho um histórico de 32 anos no Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Sempre deixei transparecer a todos o amor que tenho pelo honroso Parquet capixaba. Minha campanha foi incentivada exclusivamente por membros da minha instituição na realização de um sonho!”