Coluna Vitor Vogas
“Vitória da democracia”: os ecos do discurso de posse de Lula no de Casagrande
Coluna aponta as muitas semelhanças nos recados ados pelo presidente e pelo governador nos discursos inaugurais de seus novos governos neste domingo (1º)

Casagrande e Lula nos respectivos discursos de posse (01/01/2022). Fotos: Hélio Filho/Secom e Jefferson Rudy/Agência Senado
Os discursos obviamente tiveram redatores diferentes. Mas não poucos foram os pontos de contato entre os primeiros pronunciamentos do governador Renato Casagrande (PSB) e do presidente Lula (PT) após a dos respectivos termos de posse, neste domingo (1º).
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Enquanto Casagrande ocupava a tribuna da Assembleia Legislativa, em Vitória, por volta das 15 horas, Lula se preparava para iniciar sua fala no Congresso Nacional, em Brasília. E, apesar da distância física, foi grande a proximidade em algumas agens capitais: os dois celebraram a democracia, exaltaram as instituições democráticas e, sem jamais citar pelo nome o agora ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), criticaram-no pela maneira como testou ao limite a resistência de tais instituições.
Em seu discurso na Assembleia, o governador reconduzido ao cargo mencionou, de maneira implícita, o projeto autoritário que Bolsonaro esforçou-se em fazer avançar no país, barrado exatamente pela resistência de instituições como o Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Para Casagrande, nos últimos quatro anos, as instituições brasileiras sobreviveram ao seu maior teste desde a redemocratização do país, nos anos 1980.
“As instituições brasileiras aram pelo seu maior teste e sobreviveram. E aqui incluo as instituições capixabas. Ficaram de pé. E o dia de hoje é um exemplo claro da importância dessas instituições e da solidez dessas instituições, porque nós, governadores e governadoras, estamos tomando posse no dia de hoje e o presidente Lula está tomando posse no dia de hoje. Apesar de todo o debate que se estabeleceu fora do ambiente constitucional, as instituições prevaleceram. Isso precisa ser aplaudido por todos nós, porque é uma demonstração clara de que nosso país avança no fortalecimento institucional”, disse Casagrande, da tribuna do plenário, sob aplausos das autoridades presentes, incluindo representantes dos outros Poderes e instituições estaduais, da Marinha e do Exército Brasileiro.
Segundo o governador, testadas como nunca na Nova República (leia-se: por Bolsonaro), as instituições democráticas “não arredaram o pé um segundo”.
“Algumas pessoas avaliavam: ‘Será que vai acontecer isso?’, ‘Será que vamos ter estabilidade?’ E eu sempre afirmei: ‘Olha, teremos, sim, estresse, mas teremos a consolidação e a validação do processo eleitoral. E as instituições do Brasil não arredaram o pé um segundo, independente das posições políticas do Congresso Nacional. A todo instante o Congresso e as demais instituições foram firmes nessa condução.”
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Um detalhe digno de nota é que Casagrande fez parte dessa fala olhando diretamente para o tenente-coronel Rodrigo Penalva de Oliveira, o comandante do 38º Batalhão de Infantaria (em frente ao qual apoiadores fanáticos de Bolsonaro estão acampados, pedindo um golpe militar, desde que o TSE declarou a vitória de Lula no dia 30 de outubro). Com semblante seríssimo e olhar fixo em Casagrande, o comandante bateu palmas.
No ato seguinte da posse, após “re-receber” a faixa no Palácio Anchieta, num Salão São Thiago abarrotado de gente, o governador fez o segundo discurso do dia. E voltou a tocar no assunto, elogiando as instituições brasileiras por terem resistido às pressões (“envergaram, mas não quebraram”); implicitamente, enalteceu-as por terem impedido o recrudescimento do autoritarismo no país. Ele mais uma vez nem ou perto do nome de Bolsonaro, mas foi um pouco mais direto, chegando a citar o golpe de 1964.
“Depois da redemocratização, as instituições brasileiras nunca tinham sido envergadas como foram envergadas neste processo. As instituições capitularam em 64. Agora, as instituições envergaram, mas não quebraram. Para nós, isso tem uma importância muito grande. Tensionar as instituições, a gente sabe que acontece todos os dias. E o maior teste foi agora. Mas as instituições resistiram. Prova da resistência das instituições é a minha posse e a posse de cada governador. Prova da resistência é a posse do presidente Lula hoje”, declarou o governador, sob aplausos.
“O dia de hoje não é apenas o dia da posse dos governadores, dos vice-governadores e do presidente da República. O dia de hoje é o dia da democracia brasileira. Nós estamos hoje aqui dando um sinal claro de como deve ser uma democracia. Podem, sim, as instituições ser tensionadas. Mas devem, sim, sempre resistir, em defesa de posições republicanas que possam dar segurança ao povo brasileiro. Isso é lá no Brasil. Isso é aqui no Estado”, completou Casagrande.
O governador criticou a “polarização doentia” que se apoderou do debate político brasileiro e do último processo eleitoral, contaminando as disputas estaduais.
“Todos nós aqui tivemos que ter muita paciência, muita sabedoria, muito trabalho para a gente sobreviver a essa polarização. Essa polarização se tornou doentia e exigiu de nós um esforço gigantesco para manter de forma equilibrada as nossas ações no Governo do Estado e na relação com a sociedade.”
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Num gesto visando à distensão política, Casagrande afirmou que será o governador de todos os capixabas e que a eleição já está superada:
“Já participei de muitas eleições. Essa foi a mais pesada, mas a vitória foi gostosa. Quero dividir essa vitória com todos vocês. Mas quero dizer que a eleição acabou. Eu sou o governador de todo mundo. Votou em mim ou não votou em mim, eu sou o governador de todo mundo. Vamos trabalhar e vamos unir o povo capixaba em torno dos interesses do nosso estado. Eu não quero ficar agarrado em processo eleitoral.”
Em mais uma sinalização de paz, numa das últimas frases do discurso lido por ele, Casagrande “decretou” o início de um novo momento, pelo menos na política capixaba: “Termina aqui o tempo das disputas ideológicas. Começa agora o tempo do diálogo, da tolerância, do entendimento em torno de objetivos comuns”, sacramentou, com boa vontade, boa intenção, mas exagerado otimismo.
Os recados de Lula
Enquanto isso, no Congresso, Lula acabara de fazer um discurso duríssimo dando ênfase à herança deixada pelo governo Bolsonaro. Como Casagrande, o novo presidente não citou Bolsonaro; mas, ao contrário do governador, foi totalmente explícito nas críticas – até por se tratar do seu antecessor no mesmo cargo e seu adversário eleitoral direto no último pleito.
Lula fez uma defesa enfática da democracia. Afirmou ter sido ela, a democracia, “a grande vitoriosa nesta eleição”, e preconizou “democracia para sempre”. Também defendeu com veemência as instituições de Estado que, segundo ele, foram usadas nos últimos anos para a perseguição de finalidades pessoais e ideológicas e para a implantação de um projeto de poder antidemocrático – frustrado justamente graças à resistência de outras instituições. Lula afirmou que o Poder Judiciário foi “corajoso”, em especial o TSE, para fazer prevalecer o resultado das eleições e o primado da vontade popular.
O petista referiu-se a uma “abjeta campanha de mentira e ódio” no processo eleitoral. Afirmou que os eleitores foram “constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial” e que, assim como as instituições de Estado, recursos públicos foram desvirtuados para atender a um projeto autoritário de poder. Usando termos como “fascismo” e “barbárie”, ainda garantiu que quem tiver cometido crimes pagará por eles nos termos da lei.
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Abaixo elencamos os cinco trechos-chave do primeiro discurso de Lula em seu terceiro governo:
“A grande vitoriosa”
“Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu, as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado brasileiro.”
“Mentiras em escala industrial”
“Nunca os recursos do Estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto de poder. Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos. Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial.”
A coragem do TSE
“Apesar de tudo, a decisão das urnas prevaleceu, graças a um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia na captação e apuração dos votos. Foi fundamental a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre a violência de seus detratores.”
“O nome disso é barbárie”
“A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com pleno direito de expressão, manifestação e organização. A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização. O nome disso é barbárie.”
Fascismo x “Democracia para sempre”
“O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio, responderemos com amor. À mentira, com a verdade. Ao terror e à violência, responderemos com a lei e suas mais duras consequências. Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais! Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre!”
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