Coluna Vitor Vogas
Superlotado, sistema prisional capixaba vira bomba-relógio eleitoral
Governo Casagrande freou o crescimento da população carcerária, mas presídios operam muito acima da sua capacidade. Próximo governador terá de zerar um déficit que hoje é de 9 mil vagas
Seja quem for o próximo governador eleito no Espírito Santo, terá uma bomba-relógio para desarmar nos próximos quatro anos: a da superlotação do sistema prisional capixaba. O alerta foi feito pelo candidato do PSD ao governo, Guerino Zanon, diante de uma plateia de empresários, durante sabatina realizada na última segunda-feira (29). “Tem um estopim aí que a sociedade precisa ser alertada e cobrar dos governos”, advertiu o ex-prefeito de Linhares. E Renato Casagrande sabe disso.
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Segundo Guerino, em 2011 (ano em que Casagrande assumiu seu primeiro governo), o sistema carcerário estadual tinha cerca de 10 mil detentos para um total de 11 mil vagas. Operava, portanto, dentro do seu limite. Agora, segundo o ex-prefeito, existem cerca de 23 mil presos para um total de 13 mil vagas.
No mesmo evento de campanha, Casagrande foi sabatinado por empresários logo após Guerino e, depois da sabatina, foi indagado por jornalistas sobre a afirmação do adversário. O governador só fez uma correção, relativa aos primeiros números informados por Guerino. Segundo Casagrande, quando ele assumiu o governo em 2011, os presídios capixabas já operavam acima da sua capacidade.
Porém, no mais importante – o dado atual e a conclusão –, Casagrande reconheceu que o oponente está certo. “O dado dele, a segunda parte está certa e a primeira está errada: em 2011, já tinha mais presos do que vagas.”
Guerino deu seus números, Casagrande deu os seus. Para tirar a teima, pedimos os dados oficiais à Secretaria de Estado da Justiça – que istra o nosso sistema prisional. Ei-los:
Quando Casagrande assumiu o governo, no início de 2011, o Espírito Santo tinha 9.841 vagas para 11.381 presos.
Entre 2011 e 2018, a massa carcerária cresceu a uma média de mais 1,5 mil pessoas privadas de liberdade por ano. Assim, em oito anos, o número de detentos dobrou. No início de 2019, quando Casagrande reassumiu o governo, o sistema carcerário estadual contabilizava 13.763 vagas para 22.386 presidiários.
Hoje, ados quase quatro anos do atual governo, os números se mantêm estáveis: 13.963 vagas para um total de 22.834 detentos. A capacidade de ocupação cresceu 1,4%. A massa carcerária aumentou 2%.
Assim, seja qual for a fonte da informação, a conclusão é uma só e, fato, é preocupante: hoje, existe um déficit de 9 mil vagas no sistema estadual, isto é, temos cerca de 9 mil presidiários além do que o sistema a. Arredondando as contas, para cada duas vagas existentes, temos três cidadãos vivendo atrás das grades: três presos num espaço projetado para comportar apenas dois
Obviamente, estamos diante de um sistema superlotado, operando muito além do seu limite.
Daí a bomba-relógio, que pode explodir a qualquer momento – na forma de rebeliões, violência entre presos etc. –, voltando-se contra a sociedade. Isso para não falar da flagrante violação dos direitos humanos dos detentos. Matematicamente, não tem como dar certo.
E, se a matemática não fecha, a política também não funciona e a filosofia que rege os presídios fica totalmente prejudicada antes mesmo de poder ser implementada. Nessas condições, qualquer proposta ou ideal de ressocialização dos presos já nasce condenada ao fracasso. E, em vez de devolver à sociedade cidadãos regenerados, aptos a se reintegrar ao convívio social e a se reinserir no mercado de trabalho, o sistema reatualiza o clichê da “escola do crime”, produzindo em série criminosos ainda mais perigosos.
Como resolver o problema? A resposta do governo Casagrande
Em primeiro lugar, para um problema matemático, é preciso uma solução matemática. A lógica da relação Detentos X Vagas é similar à que rege, por exemplo, a relação Pacientes X Leitos Hospitalares. Basicamente, você tem duas pontas e precisa trabalhar em uma delas ou nas duas ao mesmo tempo. Para fazer o número de presos caber dentro do número de vagas, ou o governo reduz o número de presos, ou aumenta o número de vagas, ou faz as duas coisas paralelamente.
“Reduzir o número de presos” não resolve por si o problema, mas é uma alternativa para mantê-lo minimamente sob controle. Foi, basicamente, o que fez o governo Casagrande ao longo dos últimos quatro anos. Foi nessa ponta que ele se concentrou.
Casagrande elegeu-se em 2018 com essa bomba-relógio já armada e números muito parecidos com os atuais. Nos anos anteriores, a população carcerária estadual vinha crescendo, como visto, a uma média de 1,5 mil presos por ano – em um ritmo, portanto, completamente fora de controle. Era uma situação insustentável, que tinha tudo para dar errado, se o governo não fizesse nada para, pelo menos, frear essa expansão da massa carcerária. Foi o que Casagrande fez, então.
Já na transição, adotou o discurso de que era preciso urgentemente “qualificar” as prisões e escalou para a Secretaria de Justiça Luiz Carlos Cruz, um delegado federal fluminense que chegou com o mesmo discurso. Não seria o caso de se prender ainda mais, mas de se “prender melhor” – ou seja, prender e manter presos aqueles que realmente precisam ser mantidos isolados da sociedade: os criminosos mais perigosos.
Ao mesmo tempo, apostou na aplicação de penas alternativas, como o uso de tornozeleiras eletrônicas, aos que tenham praticado crimes de menor potencial ofensivo (os de menor periculosidade). Isso de fato foi feito, em parceria com o Poder Judiciário, por meio do programa de audiência de custódia – uma política muito criticada por políticos mais à direita, incluindo aliados de Casagrande, que defendem um endurecimento da legislação penal.
E foi assim que, se o governo atual não chegou nem perto de desarmar a bomba, pelo menos logrou adiar a sua explosão. Praticamente não abriu novas vagas, mas pelo menos freou a expansão do problema. “Conseguimos controlar a ocupação do sistema. O que Guerino falou hoje eu falei lá em 2018, depois da eleição. É real. O que ele não falou é que nós tomamos as providências para impedir o crescimento da população carcerária”, respondeu Casagrande.
Isso não basta
O problema é que a ação concentrada nessa ponta tem alcance por demais limitado, a começar pelo óbvio: não é ao Poder Executivo, mas ao Judiciário, que compete decidir quem vai preso e quem não vai. E, por mais que a Justiça Estadual implemente a adoção de penas alternativas, criminosos terão que continuar sendo mandados para a prisão enquanto continuarem delinquindo. Enquanto houver problemas de segurança pública e pessoas praticando crimes, os presídios continuarão sendo abastecidos. Então “prender melhor” ajuda a resolver o problema, mas é uma solução parcial.
Paralelamente, é preciso criar vagas.
E, nesse aspecto, o governo Casagrande fez bem pouco.
Em conversa com jornalistas, o governador afirmou que, se reeleito, vai criar de 2 mil a 3 mil vagas nos próximos quatro anos. Como ele mesmo ite, ainda não será o suficiente para zerar o déficit atual. Se ele fizer mesmo isso, vai reduzir um pouco a lacuna, ou, como disse, “vai aliviar o sistema” – mas isso se (e apenas se) a população carcerária continuar estabilizada. Se esta voltar crescer nos próximos anos, será um trabalho como o daquele cavalo que persegue a cenoura colocada num anzol diante de seus olhos pelo cavaleiro: nunca vai alcançá-la.
Vagas abertas pelo atual governo
Em 2018, segundo a assessoria da Sejus, o Estado contava com 35 unidades prisionais. Agora, tem 36.
A atual gestão entregou três novos presídios: a Apac de Cachoeiro de Itapemirim, com 40 vagas para apenados do regime fechado, em março de 2020; a Penitenciária Semiaberta de São Mateus, com 120 vagas, em dezembro de 2021; e a Penitenciária de Vila Velha 6, no Complexo de Xuri, que ainda será entregue, em dezembro deste ano, com aproximadamente 1 mil vagas (um investimento de R$ 57 milhões). Até dezembro deste ano, o sistema prisional capixaba terá 14.963 vagas.
O plano de governo de Casagrande apresentado à Justiça Eleitoral não estabelece uma meta de criação de vagas entre 2023 e 2026 e nem sequer faz menção a novas unidades prisionais.
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