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Coluna Vitor Vogas

Sangraram pelo fogo amigo: Meneguelli, Ricas, Ramalho, Contarato, Colnago…

A eleição no Espírito Santo ainda nem começou oficialmente, mas já é marcada por uma série de histórias de traições e de candidatos barrados pelo próprio partido. Aqui resgatamos e relatamos as principais reviravoltas

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Da esquerda para a direita: Sérgio Meneguelli, Fabiano Contarato, Coronel Ramalho e Eugênio Ricas

Até abril de 2010, Ricardo Ferraço, então no PMDB, era pule dez para ser o candidato à sucessão de Paulo Hartung, com o apoio do seu correligionário e então governador. Como vice-governador, Ricardo ara os anos anteriores se preparando para isso, coordenando um programa de investimentos estaduais que lhe deu muita visibilidade.

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Porém naquele mês – que entrou para a história capixaba como o “abril sangrento” –, por motivos jamais plenamente revelados pelos envolvidos, Hartung chamou a imprensa para anunciar que o candidato dele mesmo e de seu grupo seria o então senador Renato Casagrande (PSB). A Ricardo restou resignar-se a disputar uma das duas vagas de senador em jogo naquele ano.

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No início de maio, discursando para empresários, Ricardo desabafou: “Sangrei pelo fogo amigo”. Ele e Casagrande se elegeram e, alguns anos depois, ambos romperiam com Hartung.

ados 12 anos e guardadas as devidas proporções, muita gente também já “sangrou pelo fogo amigo” no Espírito Santo nestes meses preparatórios para as eleições 2022. O período oficial de campanha nem começou (começa na próxima terça, 16), mas este processo eleitoral já é marcado, em nosso estado, por uma série de traições, rasteiras, quedas e reviravoltas para fã de novela algum botar defeito.

Eugênio Ricas, César Colnago, Sérgio Meneguelli, Coronel Ramalho, Fabiano Contrato… Todos eles engrossam o “bloco dos excluídos”, preteridos pelos próprios aliados. Todos tiveram as candidaturas originais barradas (ou dificultadas) pelos dirigentes do próprio partido.

A título de registro histórico (e também folhetinesco), a coluna de hoje resgata a trama de cada um dos cinco personagens, começando por aquele que ao menos “pressentiu o golpe” e pulou do barco a tempo de se salvar:

 

1) Eugênio Ricas: o delegado que levou uma bala de raspão

O superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo esteve a um o de jogar tudo para o alto (carreira, estabilidade, a chefia da instituição no Estado) para mergulhar na vida política, como candidato a governador. Para isso, não lhe faltou inspiração: seu maior incentivador foi ninguém menos que o ex-governador Paulo Hartung (sem partido), com quem discutiu pessoalmente o assunto, no início do ano.

Porém, Ricas acabou desistindo da guinada antes que fosse tarde demais, ao perceber que seus principiais aliados nutriam paralelamente outros planos e que não teria assegurada a legenda para ser realmente candidato.

Para viabilizar a candidatura, Ricas precisaria se desligar do cargo de ordenador de despesas da Polícia Federal e se filiar a um partido até 2 de abril. O escolhido seria o PSD, que estava em vias de se converter no principal reduto de aliados históricos de Hartung no Espírito Santo.

O delegado chegou a dar entrevistas, inclusive ao EStúdio 360, itindo a intenção de concorrer ao governo. Porém, ainda em meados de março, foi informado por José Carlos da Fonseca Junior, um emissário de Hartung, que o PSD também filiaria o então prefeito de Linhares Guerino Zanon – tão pré-candidato a governador quanto ele. Os dois teriam que disputar internamente a legenda.

Ricas respondeu que não: assim não topava. E, em vez de abandonar carreira e cargo, correndo o risco de lá na frente nem sequer conseguir ser candidato, preferiu não trocar o certo pelo duvidoso. Ficou onde estava e segue sendo o superintendente.

 

2) César Colnago: o mais novo filiado ao clube dos ex-hartunguistas

O ex-vice-governador César Colnago é outra vítima do fogo amigo do PSD. Entrou neste processo eleitoral querendo ser candidato a governador. No meio do percurso, adaptou os planos, e ou a dizer-se pré-candidato ao Senado. No fim das contas não será candidato a nada, após uma conturbada agem de apenas quatro meses pelo partido, marcada por alguns vexatórios desmentidos públicos e desentendimentos com alguns de seus aliados históricos.

No fim de março, bem perto do limite do prazo para filiação de pré-candidatos, Colnago anunciou que estava se filiando ao PSD, após ter militado por cerca de 30 anos no PSDB. Àquela altura, Ricas já desistira da filiação e da candidatura, mas Guerino estava em vias de trocar o MDB pelo PSD.

Colnago chegou dizendo que disputaria internamente a legenda com Guerino para ser candidato a governador e que o representante da sigla seria escolhido entre os dois, por consenso ou por meio de prévias. Dias depois, o então presidente estadual do PSD, Fonseca Junior, afirmou a esta coluna que o pré-candidato do partido ao Palácio Anchieta era um só: Guerino.

Pouco depois, ainda em abril, Colnago assumiu a presidência estadual do PSD. Em maio, o ex-vice-governador foi com o próprio Fonseca Junior ao encontro do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, em São Paulo. Voltou de lá dizendo à imprensa capixaba que não seria mais candidato a governador, que apoiaria Guerino ao governo e que, com o aval de Kassab, buscaria viabilizar uma outra candidatura majoritária: ao Senado. Ninguém o desmentiu, ao menos não de imediato.

Dias depois, em entrevista a esta coluna, o próprio Guerino Zanon afirmou que Colnago na verdade seria candidato a deputado federal. Na mesma entrevista, o ex-prefeito de Linhares anunciou uma troca de comando no partido: por decisão interna, Colnago havia sido destituído da presidência estadual, dando lugar a Neivaldo Bragato.

Desde o início do processo, Colnago vinha afirmando, enfaticamente, que não pretendia e não seria candidato a deputado federal ou estadual e que só topava disputar uma candidatura majoritária. No PSD, jamais encontrou espaço para isso.

No fim de julho, Colnago pediu desfiliação do PSD. Reaproximou-se de Ricardo Ferraço (PSDB), com quem já travou disputas internas no PSDB entre 2017 e 2018.

Tudo indica que subirá no palanque de Casagrande e Ricardo – reforçando, ao lado deste último, o time de “dissidentes do hartunguismo”, ou melhor, de políticos capixabas que, preteridos ou desprestigiados no polo dos hartunguistas, acabaram se deslocando para o polo antagônico, liderado pelo atual governador.

 

3) Sérgio Meneguelli: “O pecado mora ao lado”

A mais dramática (e nebulosa) de todas as sagas listadas aqui, com requintes de traição e desespero – e certa dose de autossabotagem.

Convertido em popstar ainda como prefeito de Colatina (2017-2020) por vídeos “gente como a gente” em que aparece indo trabalhar de bicicleta e jardinando canteiros da cidade, Sérgio Meneguelli entrou no Republicanos em março de 2020, a convite do presidente estadual da sigla, Roberto Carneiro, e do presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso.

Parêntese: trata-se do antigo PRB, partido de Marcello Crivella, de Edir Macedo etc., profundamente ligado à neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus.

Em que pesem as radicais diferenças de perfil e posições políticas (ninguém parecia lá muito preocupado com isso), Serginho, até o início de junho, era tratado pelo partido como pré-candidato a senador. Nessa condição, chegou a tirar e postar foto ao lado do presidente nacional da legenda, o pastor e deputado federal Marcos Pereira.

Eis que, no dia 12 de junho, publicamos aqui uma entrevista concedida pelo ex-prefeito que deu o que falar, especialmente dentro do próprio partido. Assumindo opiniões frontalmente contrárias às do ultraconservador Republicanos, ele declarou não ter nada de conservador, posicionou-se contra a existência de bancadas temáticas no Congresso (incluindo a evangélica), criticou a istração de Crivella no Rio e daí para mais…

Dias depois, inquirido pela coluna sobre a repercussão da entrevista, o próprio Pereira afirmou que não enxergava mais viabilidade na candidatura de Meneguelli ao Senado, que o ex-prefeito havia faltado com respeito aos líderes do Republicanos e que tudo estava sendo “reavaliado”.

Após ar um mês inteiro no limbo, a sorte de Serginho parecia ter virado a seu favor: no dia 12 de julho, em reunião com Erick, Roberto Carneiro e Amaro Neto, Pereira resolveu dar nova chance ao ex-prefeito: “Todos merecem um voto de confiança”, justificou à coluna.

O que Serginho nem suspeitava é que, pouco tempo depois, ele aria também a ser alvo do fogo amigo doméstico. Houve forte especulação de que Magno Malta (PL), concorrente direto de Serginho na corrida ao Senado, teria movido seus pauzinhos em Brasília, com Pereira e até com Bolsonaro, para levar o Republicanos a remover a candidatura do oponente – rumor sempre negado por Magno.

Já com a candidatura ao Senado por um fio, Serginho chegou a fazer live em tom de desespero, acusando “forças ocultas e estranhas” de estarem querendo matar o seu sonho. Mas logo também ficou comprovado que os líderes locais do Republicanos também não fizeram lá aqueeeeeele esforço para salvar sua candidatura.

No dia 28 de julho, ninguém menos que o próprio Erick Musso, até então postulante ao governo estadual, informou à imprensa que Serginho seria candidato a deputado estadual – segundo ele, “por decisão da direção nacional” – e… apresentou-se como novo candidato a senador pelo Republicanos… no lugar até então ocupado pelo ex-prefeito de Colatina.

Quem foi o grande mentor da rasteira política é fato controverso. Mas o grande beneficiário da mudança é fato irrefutável, trocando uma candidatura condenada ao Palácio Anchieta por uma mais competitiva ao Senado.

 

Coronel Ramalho é o novo secretário de Segurança do ES. Foto: Divulgação / PM

4) Coronel Ramalho: caveira levou facada

De todos os integrantes desta lista, o ex-secretário estadual de Segurança Pública é o único que, no fim da novela, aceitou o plano B que lhe fora oferecido desde o início pela direção do partido. Mas o desfecho do “(D)Ramalhão” ficou longe do que ele gostaria.

No fim do ano ado, Casagrande e alguns de seus conselheiros começaram a discutir a possibilidade de Ramalho pleitear algum mandato neste ano. O partido que se abriu para ele desde o início foi o Podemos, controlado no Espírito Santo pelo ex-secretário estadual de Governo e de Planejamento Gilson Daniel, também aliado de Casagrande.

Desde que foi picado pela mosca azul, Ramalho botou na cabeça que só participaria da eleição se fosse para disputar o Senado. E assim se manteve, resoluto.

No fim de março, ele filiou-se oficialmente ao Podemos e desligou-se da Sesp. Em 2 de abril, após a chapa de federais do Podemos sofrer uma baixa sensível (o médico Gustavo Peixoto, que migrou para o União Brasil), Ramalho foi consultado por Casagrande e Gilson Daniel. Ambos lhe perguntaram se ele toparia “descer” para federal e ouviram dele uma negativa.

No mesmo dia, Ramalho foi intensamente assediado por Felipe Rigoni, do União Brasil – então um adversário eleitoral de Casagrande –, que lhe prometia legenda para disputar o Senado. Ramalho acabou decidindo ficar no Podemos, segundo ele, por lealdade a seu grupo político e mediante garantias de Gilson Daniel de que seria mesmo candidato a senador pelo partido – versão nunca desmentida por nenhum dos envolvidos.

Em junho, Gilson chegou a fazer post no Instagram com foto ao lado de Ramalho, chamando-o de “nosso candidato a senador”. No início de julho, conforme já ficava nítido que a candidata ao Senado de Casagrande e de sua coligação seria Rose de Freitas (MDB), Ramalho declarou à coluna: “É Senado ou nada”.

No fim do mês, o próprio Casagrande chegou a arrazoar com Ramalho que a candidatura dele ao Senado traria muitas dificuldades práticas ao Podemos. A maior delas: o isolamento político do partido e de todos os seus candidatos a deputado estadual a federal (incluindo, no último caso, o próprio Gilson Daniel). Isso porque, com todo o resto da coligação apoiando Rose, o Podemos teria que lançar Ramalho de modo independente (ou “avulso”), sendo obrigado a desligar-se da coligação governista.

O imbróglio se arrastou além da convenção do Podemos até que, no último dia 3, Gilson deu o veredicto pessoalmente a Ramalho: nada de candidatura ao Senado. Se quisesse, poderia concorrer deputado.

O coronel estrilou publicamente, disse que retiraram-lhe um sonho, postou que “o sistema é f***, parceiro”… Mas, no fim das contas, aceitou a alternativa apresentada e fará o que disse que não faria. Dividindo com Gilson a chapa de federais do Podemos, vai para o pleito com a faca nos dentes para obter mais votos que ele e derrotar nas urnas seu padrinho/algoz.

 

Senador Fabiano Contarato. Foto: Divulgação/Senado

5) Contarato: o “irreversível” reverteu-se

Após ter se elegido em 2018 pela Rede de Sustentabilidade, o senador Fabiano Contarato filiou-se ao PT em fevereiro deste ano. No mesmo mês, o PT-ES lançou sua pré-candidatura ao Palácio Anchieta. Desde o princípio, dado o forte flerte nacional do PT com o PSB de Casagrande, o senador itia que, se fosse essa a decisão da cúpula nacional do PT mais à frente, cumpriria a determinação e recuaria da candidatura em favor de uma aliança.

Assim acabou sendo feito, mas haja história até lá… Por um momento, a candidatura Contarato chegou a dar sinais de que talvez até pudesse vingar.

Em abril, como Casagrande hesitasse em abraçar Lula para a Presidência, o PT local endureceu. Em entrevistas, inclusive a nós, a presidente estadual, Jackeline Rocha, fez muitas críticas à istração do socialista. No mês seguinte, falando à coluna, o próprio Contarato mostrou-se animado e afirmou que, para ele, sua candidatura era “irreversível”.

Mas a coisa logo se reverteria.

Entre maio e 11 de junho, o PT-ES cancelou plenárias de mobilização e o evento de lançamento da “campanha de Contarato”, que, na prática, jamais saiu do ponto-morto. A direção estadual do PCdoB divulgou resolução defendendo apoio à reeleição de Casagrande, acompanhando a posição do PV. Os dois partidos formam com o PT a Federação Brasil da Esperança.

No início de julho, em Encontro de Tática Eleitoral do PT-ES, os delegados até chegaram a aprovar a manutenção da candidatura Contarato – muito mais para dar uma resposta à militância. Mas, dias depois, fechou-se o apoio do PSB à candidatura de Fernando Haddad ao governo de São Paulo. Colega de partido de Casagrande, Márcio França recuou em favor do petista, e o PSB pediu compensações em outros estados.

No dia 5 de julho, em reunião virtual com Casagrande, Contarato e dirigentes locais das duas siglas, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, clamou por uma aliança no Espírito Santo, priorizando a eleição de Lula.

Em paralelo, o próprio Casagrande fez sua parte. No dia 13 de junho, já declarara voto em LulaEm 11 de julho, ao lançar-se à reeleição, afirmou que fará campanha à Presidência para Lula (e somente para ele).

No dia 13 de julho, o Diretório Estadual do PT reuniu-se para referendar a aliança local com o PSB e o apoio a Casagrande. Dois dias depois, a decisão foi confirmada por Jackeline Rocha, em nota também assinada por Gleisi Hoffmann.

Acatando a decisão, Contarato retirou-se de cena. Teve de se conformar com um afago de Lula, num vídeo em que o ex-presidente explicou o apoio ao “companheiro Casagrande”.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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