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Coluna Vitor Vogas

Pazolini e Casagrande declaram guerra político-eleitoral

Se até então já havia uma crescente tensão nas relações políticas entre prefeito e governador, as gravíssimas acusações do primeiro e a reação do segundo no último sábado (14) estabelecem o “ponto sem retorno”. E o jogo vai ser bruto…

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Lorenzo Pazolini e Renato Casagrande. Fotos: Tati Beling e Hélio Filho

Um bombástico discurso proferido por Lorenzo Pazolini (Republicanos) e a reação dura e imediata do governo de Renato Casagrande (PSB) elevaram para outro patamar, no último sábado (14), a tensão política latente, que já não era pequena, entre prefeito, governador e respectivos grupos políticos, a três meses do início oficial da campanha eleitoral. A a de pressão explodiu e, para muitos observadores da cena política local, a partir de agora voarão estilhaços para todo lado – aliás, já estão voando.

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Em apertada síntese, Pazolini insinuou, sem citar nomes, a prática de ilicitudes no altíssimo escalão do Palácio Anchieta. Em discurso proferido na manhã de sábado, durante solenidade em uma escola de Jardim Camburi, declarou ter recebido, de um sujeito indeterminado (“falaram o seguinte”), em reunião ocorrida na sede do governo do Estado, uma proposta explícita de direcionamento de processo licitatório para determinada empresa, como condição para a realização de obras na cidade de Vitória – numa palavra, corrupção. E afirmou poder provar as acusações, ou “confidências”, como ele mesmo disse, feitas “não como prefeito, mas como cidadão”.

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Ainda na tarde de sábado, em nome do governo Casagrande, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) entrou com representação junto ao Ministério Público Estadual (MPES), a fim de que a procuradora-geral de Justiça, Luciana de Andrade, exija que o prefeito preste os devidos esclarecimentos, dando nome aos bois e apresentando as provas que alega ter. Do contrário, adianta o governo, a PGE processará Pazolini criminalmente por “ofensa à honra provocada por imputações inverídicas”. Ação pesada; reação, idem.

Em meio às muitas suspeitas e incertezas lançadas pela surpreendente fala do prefeito de Vitória, destacam-se algumas convicções.

A primeira delas é que os episódios ocorridos nesse sábado correspondem a uma declaração mútua de guerra político-eleitoral – consumando um conflito iminente e inevitável. Tal como nos turbulentos anos que antecederam a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, os grupos de Pazolini e Casagrande, nos últimos meses, viviam um período de “Paz Armada”, de escalada da tensão beligerante: as duas potências políticas vinham acumulando arsenal de campanha para usarem uma contra a outra “em caso de necessidade”, em um conflito aberto que mais cedo ou mais tarde explodiria.

Bem, agora explodiu de vez, e os dois lados parecem ter começado a mostrar as suas armas. Nesse sentido, este 14 de maio de 2022 pode ter equivalido, no contexto da disputa política local, ao que foi aquele 28 de junho de 1914, data do assassinato do herdeiro do império austro-húngaro Francisco Ferdinando e marco inaugural da Primeira Grande Guerra.

O jogo vai ser bruto.

A segunda certeza é que, se até então as relações políticas entre Pazolini e Casagrande já vinham de mal a pior, agora é possível afirmar que os dois lados aram do “ponto sem volta”, isto é, já não há a mais remota possibilidade de conciliação política, que dirá eleitoral. A ponte (ou possível ponte) acabou de ser dinamitada.

Em recente entrevista a este espaço, o presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso, correligionário de Pazolini e hoje principal aliado político do prefeito – presente, inclusive, ao discurso explosivo na escola –, declarou-se enfaticamente candidato de oposição a Casagrande na disputa ao governo do Estado. Indagado se ainda enxergava alguma chance de composição com o governador ou se a relação havia se tornado irreconciliável, Erick afirmou que, “em termos eleitorais”, não há mais nenhuma possibilidade.

Com os eventos do último sábado, podemos expandir a declaração de Erick e afirmar que, também em termos políticos, a mútua animosidade tornou-se um caminho sem volta: seguidos dos respectivos aliados, Pazolini e Casagrande não são mais apenas adversários, mas inimigos políticos, em um conflito entre prefeito e governador que, dependendo dos próximos capítulos, pode fazer com que aquele vivido entre Luciano Rezende e Paulo Hartung de 2015 a 2018 pareça até uma desavença juvenil.

Ora, depois do movimento de Pazolini (a ação) e da resposta-relâmpago de Casagrande (a reação), que clima ainda haverá para diálogo entre as partes? Acaso tomarão chá no Palácio Anchieta (suposto palco da proposta indecorosa que o prefeito alega ter recebido)? Dialogarão, sim, na Justiça, por intermédio de seus procuradores.

Tudo é possível

Em linguagem popular, Pazolini matou a cobra no sábado e disse que pode mostrar a arma com que a matou. Após fazer publicamente acusações de tão grave teor, é mesmo obrigado a fazê-lo. Se ficar o dito pelo desmentido, suas palavras soarão como um blefe de rara leviandade e o feitiço poderá se voltar contra o feiticeiro, em prejuízo da própria imagem política.

É fundamental que o prefeito de fato apresente agora as provas do que afirma, sob o risco de expressar uma inconsequência que não combina com o perfil e a trajetória de um homem público como ele.

Pazolini sempre calculou muito bem cada o de sua rápida ascensão política. Antes de ser prefeito, é delegado e conhecedor do Direito, além de ter sido técnico do Tribunal de Contas do Estado. Sabe bem a importância de embasar acusações com evidências consistentes, mais ainda quando feitas de maneira pública. Tem consciência, igualmente, de que o ônus da prova é de quem acusa.

É muito difícil crer que ele faria um movimento de tamanho impacto sem guardar, efetivamente, alguma carta muito forte na manga. Não daria um salto como esse sem estar muito bem calçado. A frieza política que ele já exibia como deputado e a segurança que manifestou no sábado levam a crer que algum trunfo incriminador ele deve mesmo ter, contra algum integrante do primeiro círculo de aliados do governador.

Pazolini, enfim, não é louco. Mas tudo é possível numa guerra.

Por outro lado, é também muito difícil acreditar que o governador em pessoa ou algum secretário de Estado teria sido incauto a esse ponto, conforme relata Pazolini. E aqui nem se trata de pôr a mão no fogo pela lisura de quem quer que seja, nem de pressupor que o acusado é inocente até que se prove o contrário.

É um raciocínio prático mesmo, buscando-se colocar no lugar de alguém que queira eventualmente agir à margem da lei: custa crer que um agente público predisposto a corromper e a corromper-se faria uma proposta tão indecente, de maneira tão direta e ostensiva, logo a um adversário político – e o que é mais: em plena sede do governo –, entregando assim a própria cabeça numa bandeja de prata a um notório oponente da istração Casagrande.

Seria, antes de tudo, ingenuidade demais ou excesso de estupidez, num universo que não é para amadores… Quem quer andar fora da linha não costuma deixar rastros tão gritantes. Mas “o poder corrompe”, e alguns, quando imbuídos de poder, perdem a noção do perigo e dos limites, am a sentir-se totalmente invulneráveis e abandonam as precauções mais primárias. De novo: tudo é possível.

Possíveis consequências para ambos

Se Pazolini estiver faltando com a verdade e/ou não conseguir provar suas gravíssimas acusações, arrisco-me a dizer que será caso mesmo de algum tipo de retratação.

Mas, se a verdade estiver com o prefeito e ele conseguir provar o que afirma, também me arrisco a afirmar que será caso de I na Assembleia, investigação cabível pelo MPES e outros órgãos de persecução penal, além, é claro, de punição correspondente e exemplar aos envolvidos, proporcional à gravidade do delito… A sociedade não pode tolerar a existência de corrupção no andar mais alto do Palácio Anchieta.

E, naturalmente, do ponto de vista político-eleitoral, a acusação do prefeito, se provada – sobretudo se atingir pessoalmente um aliado político de Casagrande que tem ou tinha assento no governo –, causará estrago certo à sua istração, minando um dos maiores pilares de seu discurso oficial, ao lado da gestão da pandemia e da saúde fiscal e financeira do Espírito Santo: a “nota A em transparência”.

No curto prazo, isso tem potencial para abalar a estabilidade e os índices de aprovação de seu mandato logo na reta final da istração. Consequentemente, pode até colocar em risco sua reeleição em uma campanha na qual larga como favorito.

Sua Excelência, a Verdade

De todo modo, o mais importante nesta história é que se jogue luz o mais rápido possível sobre as suspeitas lançadas no ar, em nome da transparência e do interesse público dos capixabas. A sociedade merece saber a verdade, que é sempre o melhor caminho; neste caso, a verdade completa.

Estratégias e disputas à parte, o dito pelo não dito não interessa ao cidadão neste caso.

Uma terceira hipótese

Existe ainda a possibilidade de ter havido, sim, algo concreto, mas de a bomba acabar se provando um estalinho. A conferir…

“Antes de 2003”

Nos cerca de dois minutos e meio do discurso de Pazolini em que ele “confidenciou” ter recebido a proposta de licitação com cartas marcadas de um agente do governo Casagrande, um trecho ou quase despercebido (inclusive, ficou de fora da transcrição feita pela PGE na representação protocolada no MPES). Mas é, para mim, o mais impactante de todos.

A certa altura o prefeito afirma: “Esta é a cidade e o Estado que nós não queremos. Retornar a antes de 2003 o Espírito Santo não quer e não merece”.

Quem conhece minimamente a história política deste Estado sabe bem o que tínhamos nos anos imediatamente anteriores a 2003: o crime organizado infiltrado no governo estadual e na Assembleia Legislativa (Era Gratz), com ramificações no Judiciário e em outras instituições; corrupção alastrada nos Poderes e corrosão institucional.

O ápice da crise foi o assassinato, em abril de 2002, do advogado Marcelo Denadai, que elaborava, vejam só, um dossiê denunciando esquemas de fraudes em licitações no Espírito Santo, inclusive em Vitória.

Os crimes e desmandos chegaram a tal ponto que, ainda em 2002, a OAB-ES pediu intervenção federal ao governo FHC, acatada pelo então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, mas desaconselhada pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, e não acolhida por FHC – o que levou Reale Júnior a entregar o cargo.

Por fim o governo federal enviou ao Espírito Santo uma missão especial de combate ao crime organizado, formada por policiais federais, policiais rodoviários federais, delegados e procuradores federais.

2003 foi um ano marcado por quatro fatos políticos: o início da Era Paulo Hartung no governo, o começo do fim da Era Gratz (com a primeira de suas várias prisões), a virada de página na Assembleia (com a anulação da eleição de Geovani Silva e a ascensão de Cláudio Vereza à presidência) e, acima de tudo, o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, combatente do crime organizado, em março daquele ano.

Ou seja, senhoras e senhores: ao que tudo indica, o prefeito de Vitória sugeriu que existe (ou já existiu) alguma face do crime organizado infiltrada no Palácio Anchieta e instalada, literalmente, dentro do governo Casagrande… o que, se confirmado, é ainda mais grave.

Ação orquestrada

Em evidente sinal de que a ação foi orquestrada, aliados de Pazolini (na prefeitura, na Câmara, na Assembleia, em toda parte) compartilharam em massa, no sábado, o vídeo com as suas acusações. O objetivo de viralizar o material foi cumprido: o vídeo logo se espalhou como fogo em rastro de pólvora. A estratégia foi claríssima: lançar a granada pela manhã – em um cenário inesperado e inusitado – e fazer a explosão ser ouvida nos quatro cantos do Estado.

Prefeito x Cidadão

Creio caber uma pequena observação quando Pazolini afirma que fez sua “confidência” como cidadão e não como prefeito. O prefeito não deixa de ser cidadão; o cidadão não deixa de ser prefeito. Difícil separar assim o cidadão em seu foro privado do homem público investido de mandato – ainda mais quando se trata de acusações tão sérias e realizadas de maneira pública, durante solenidade oficial da prefeitura e pronunciamento feito por ele na condição de prefeito da cidade.

O recado de Erick Musso

Coincidência ou não, o movimento de Pazolini, assistido da primeira fila por Erick Musso no evento na escolinha, foi levado a cabo um dia após uma cartada pesada do próprio presidente da Assembleia, mirando apoiadores de Casagrande: a demissão de todos os comissionados indicados por Alexandre Xambinho (PSC) para cargos ligados à Mesa Diretora, em retaliação ao deputado que, na véspera, recebera Casagrande em seu evento de “prestação de contas” na Serra.

Na Assembleia, a grande maioria dos 30 deputados é ao mesmo tempo integrante da base de Casagrande e aliada interna de Erick (caso de Xambinho e tantos outros). Até este período de tensão pré-eleitoral, Erick sempre tinha levado isso “numa boa”, distribuindo prodigamente cargos da Mesa a deputados que apoiaram sua reeleição, mesmo que fossem também apoiadores de Casagrande.

Mas agora que o presidente do Legislativo se estabelece como candidato de oposição a Casagrande, seu recado aos pares não poderia ter sido mais translúcido: os deputados terão que escolher um lado. E demonstrações de “deslealdade” ou jogo duplo serão punidas com expurgos.

Enivaldo: “Vai ter troco”

Por fim, a propósito de estilhaços, uma das primeiras reações políticas à fala de Pazolini dentre os aliados de Casagrande veio do irascível Enivaldo dos Anjos (sem partido). Lá da distante Barra de São Francisco, o prefeito declarou que “vai ter troco”. Questionado por mim se “agora é guerra”, ele respondeu na bucha: “Se eles se comportarem assim, vamos atacar também”.

Os dois têm história

O choque dos agora prefeitos é especialmente curioso por colocar de novo em colisão dois políticos que, como deputados, bateram muito de frente na Assembleia entre 2019 e 2020. Enivaldo era líder do governo Casagrande e Pazolini, deputado de oposição (não declarada). Como tal, o hoje alcaide da Capital votava contra matérias caras ao Palácio Anchieta e era assíduo usuário da tribuna, de onde disparava críticas à istração estadual (respeitosas e tecnicamente embasadas, é bom que se diga).

E que história!

No mais quente dos quiproquós entre os dois, Enivaldo chegou a dizer que colocaria o dedo na ferida de Pazolini e apertaria para ver até onde ele ava. Citando o Barão de Itararé, Pazolini respondeu que Enivaldo era como o tambor: “Faz muito barulho, mas é vazio por dentro”. Foi um dos momentos mais marcantes da atual legislatura – aliás, carente dos dois bons oradores e contendores verbais.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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