Coluna Vitor Vogas
O dilema de Casagrande: ser ou não ser… aliado do PT
Se fechar aliança com o PT, governador corta pela raiz candidatura de Contarato, mas condições dos petistas também podem lhe trazer grandes problemas

Casagrande e Contarato. Foto-montagem
O governador Renato Casagrande (PSB) recebeu na noite de ontem (12), na Residência Oficial da Praia da Costa, uma comitiva do PT para conversar pessoalmente sobre uma possível aliança na eleição estadual. Em nome do partido de Lula, participaram, por exemplo, Jackeline Rocha, João Coser e Iriny Lopes. Pouco antes do início, o presidente estadual do PSB, Alberto Gavini, disse que a reunião não seria definitiva, mas que representava uma “aproximação” e uma tentativa de “alinhamento” com o PT no Espírito Santo, estimulado pelo alinhamento nacional das duas legendas de esquerda.
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Parafraseando Hamlet, o dilema atual de Casagrande, que começamos a expor aqui ontem, pode ser condensado assim: “Ser ou não ser… aliado do PT na minha busca pela reeleição?” O governador precisa avaliar se quer mesmo contar com o PT em sua coligação e sopesar os prós e contras desse potencial parceiro, principalmente tendo em vista as duas condições citadas por petistas para apoiá-lo.
Se fechar com o PT, Casagrande corta pela raiz um problema que pode ser muito incômodo para ele: a pré-candidatura de Fabiano Contarato (PT). Se mantido no páreo, o senador tem potencial para roubar-lhe muitos votos preciosos entre os eleitores de centro-esquerda. Mas uma aliança formal com o PT significará a retirada da candidatura de Contarato em favor de Casagrande.
Para isso, contudo, petistas ouvidos pela coluna falam em duas contrapartidas esperadas do governador: apoio explícito e formal à candidatura de Lula à Presidência, além de lugar destacado para o PT na chapa majoritária de Casagrande (candidato a vice ou a senador).
Ambas são problemáticas para ele.
Em primeiro lugar, o “fator Lula” é uma faca de dois gumes. Se por um lado o ex-presidente lidera as pesquisas de intenção de voto, por outro sua rejeição é alta. Assim como Bolsonaro, desperta amor de uns na mesma medida em que inspira a repulsa de outros.
Se manifestar apoio total e incondicional a Lula e posar ao lado do ex-presidente na campanha, Casagrande pode atrair ou consolidar muitos votos no eleitorado de esquerda e simpático ao ex-presidente, mas também pode perder os votos de muitos eleitores de direita e refratários ao petista.
Além disso, um posicionamento abertamente pró-Lula pode gerar problemas domésticos para Casagrande, contrariando alguns dos aliados prioritários que já fazem parte da sua coalização político-eleitoral.
Alguns deles têm candidato próprio à Presidência, como o PDT de Vidigal, com Ciro Gomes. O PP de Marcus Vicente apoia a reeleição de Bolsonaro. O Podemos de Gilson Daniel tinha Moro e deve seguir com um candidato da terceira via. Já o PV e PCdoB, que têm até secretários de Estado, vão de Lula na federação com o PT.
À frente de uma coligação tão multifacetada, com tantas ideologias (ou nenhuma), o pragmático Casagrande encara o desafio de manter o equilíbrio entre essas múltiplas forças políticas. Por enquanto, equilibra-se na corda bamba, em uma coluna de centro e de relativa neutralidade na eleição presidencial: obviamente não apoia Bolsonaro, mas até o momento não expressou preferência por nenhum dos adversários do presidente.
É um dos efeitos colaterais de governar sob o paradigma da busca de uma quase unidade política que tem predominado no Espírito Santo desde os primeiros governos de Paulo Hartung e que é mantida por Casagrande desde o seu primeiro governo.
Ele governa à frente de uma coalização tão abrangente e composta por forças políticas tão diversas entre si que o resultado só poderia ser uma confusa mistura ideológica. A soma das partes forma um todo que não aponta para nenhum “lado” específico, mas para vários ao mesmo tempo. Em outras palavras, é difícil discernir hoje quem é que o governo Casagrande representa no contexto da disputa política nacional.
Além disso, para reproduzir essa coalização nas eleições, convertendo-a em uma coligação, Casagrande precisa manter a harmonia entre os inúmeros sócios que dela fazem parte. Para manter essa harmonia, não pode desagradar a ninguém nem expressar preferência por um deles em detrimento dos demais… muito menos trazer um sócio novo, como seria o PT, que chegaria com “privilégios” mesmo entrando depois dos que já estão com ele desde 2014 – como o PP, por exemplo.
“Aquilo que a gente está construindo em termos de projeto não está limitado ao campo da esquerda. É um projeto mais amplo”, disse o próprio Casagrande, em entrevista à coluna publicada aqui em 14 de março. “O que tem caracterizado a nossa ação no Espírito Santo, não só minha como de uma cultura política capixaba, mas especialmente nas duas vezes em que fui eleito governador [2010 e 2018] e mesmo na vez em que não fui eleito governador [2014], são alianças amplas. O que tem me caracterizado são alianças amplas. Isso é bom porque mostra capacidade de diálogo, mais apoio na Assembleia, mais apoio na sociedade.”
Um pouco de história: o divórcio de Casagrande com o PT
É verdade que, no pleito estadual de 2010, o PSB absorveu o PT na também ampla coligação de Casagrande, e o então petista Givaldo Vieira (agora no PSB, após agem pelo PCdoB) foi o seu vice-governador. Mas o momento era outro, no país e no Espírito Santo.
A aliança entre PT e PSB era até natural, pois nacionalmente os dois vinham caminhando juntos ao longo do governo Lula. E àquela altura Casagrande ainda era muito mais alinhado com o PT. O país não estava ideologicamente cindido como hoje, o antipetismo estava “em níveis controláveis” e ter o PT na aliança e como parceiro de chapa não trouxe nenhum prejuízo eleitoral para Casagrande – quadro muito diferente do atual.
O ponto de inflexão se deu de 2013 para 2014, no fim do primeiro governo Dilma. Saindo da base do governo petista, o PSB decidiu lançar candidatura própria à Presidência, com o então líder maior do partido, Eduardo Campos. Morto em agosto de 2014 em acidente aéreo, Campos seria substituído na cabeça da chapa por Marina Silva (então no PSB), trucidada pela campanha de Dilma à reeleição.
Desde então, a relação entre PSB e PT nunca mais seria a mesma. O PSB se fragmentou, e setores do partido fizeram uma inflexão ao centro. Parte da sua bancada votou a favor do impeachment de Dilma em 2016 e da reforma trabalhista do governo Temer em 2017 (incluindo o casagrandista Paulo Foletto).
Um dos líderes nacionais do PSB, Casagrande foi um dos socialistas que, de fato, assumiu uma posição mais moderada, de centro, afastando-se de Lula e do PT. Em 2014, quando ele perdeu a reeleição para Hartung, o PT não fez parte de sua aliança e lançou chapa puro-sangue, liderada pelo então deputado Roberto Carlos.
Em 2018, na campanha de retorno de Casagrande ao Palácio Anchieta, o PT novamente concorreu sozinho, em chapa encabeçada por Jackeline Rocha. No atual governo Casagrande, o PT não está oficialmente no governo. Nas eleições municipais de 2020, o governador até liberou as bases do PSB e secretários estaduais para apoiarem Coser e Célia Tavares no segundo turno, respectivamente em Vitória e Cariacica, mas pessoalmente manteve-se silente.
Para completar – e este seria ponto para outra análise –, seu governo em alguns aspectos dificilmente pode ser considerado um típico governo de esquerda. A rigor, sua política econômica e fiscal está muito mais próxima de um liberalismo criticado por setores da esquerda.
Dentro do PSB, porém, o cacique-mor no país chama-se Carlos Siqueira e, ideologicamente, está mais à esquerda que Casagrande e muito mais perfilado com o PT. Para a Presidência em 2022, prevaleceu a vontade de Siqueira de voltar a apoiar Lula.
Não era a tese defendida por Casagrande, nem o caminho ideal para ele.
A preferência pessoal de Casagrande
Pessoalmente, embora não verbalizada, a preferência de Casagrande sempre foi pela consolidação de um candidato da “terceira via”, que rompesse com a polarização entre Lula e Bolsonaro. Bom lembrar que, em 2018, ele foi um dos grandes entusiastas da filiação ao PSB de Joaquim Barbosa e da ideia de o lançar à Presidência – mas o ex-ministro do STF acabou desistindo. No 1º turno, Casagrande ficou com Ciro Gomes (PDT). No segundo, já eleito governador, não declarou voto em Haddad (PT). Daí a resistência do governador em adotar um posicionamento pró-Lula.
Na já citada entrevista a esta coluna, publicada em 14 de março, Casagrande tornou a enfatizar que gostaria de fugir, na eleição estadual, da polarização entre Lula e Bolsonaro que domina o debate político nacional:
“Não precisamos fazer, aqui no Espírito Santo, essa definição de choque e de enfrentamento de direita e de esquerda, porque a composição que eu estou ajudando a articular em torno do nosso projeto é uma aliança que vai ter partidos de centro, de centro-direita, de direita… Essa é a característica do Estado do Espírito Santo. Eu espero que a gente fuja dessa pobreza da polarização nacional. Até porque a gente pode ter, no nosso projeto aqui, partidos como o PDT, o PSDB, o Podemos e o Avante, que têm candidato a presidente da República.”
Por outro lado, há um fator que pode ampliar as esperanças dos petistas capixabas: desde que chegou ao PSB, após breve agem pelo PCdoB nos anos 1980, Casagrande se caracteriza como um socialista dos mais disciplinados. E não custa lembrar que ele é nada menos que secretário-geral do PSB nacional (o nº 2 na hierarquia interna). É, portanto, parte ativa da decisão de cúpula em favor de Lula – mesmo que tenha sido voto vencido.
Assim, até por uma questão de coerência e de disciplina partidária, Casagrande poderá acompanhar a resolução do seu partido. Resta saber o grau de efusividade e de publicidade com que ele fará isso: entregará seu apoio a Lula só à urna ou dividirá palanque e chapa com os petistas?
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