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Coluna Vitor Vogas

A força de Bolsonaro no ES e o maior problema eleitoral de Casagrande

Todo o esforço da campanha do governador é para conseguir desvincular o voto em Bolsonaro do voto em Manato. A tarefa pode ser mais difícil que a de quebrar um átomo

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Na manhã de sexta-feira (21), o governador Renato Casagrande (PSB) viveu seu maior dissabor e o momento mais embaraçoso para ele desde o início da corrida eleitoral. Durante visita à Ceasa, ouviu vaias e gritos contrários por parte de alguns trabalhadores, comprovados por vídeos que a campanha de Carlos Manato (PL) tratou de viralizar.

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Casagrande alegou (a meu ver, com exagero) que foi agredido por apoiadores do adversário. O que mais chamou a atenção, porém, foi o teor das manifestações: de modo esparso, até ouviram-se alguns gritos de “Manato”. Mas o que quase todos gritaram mesmo, para hostilizar Casagrande, foi “Bolsonaro”.

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A situação acima ilustra perfeitamente o que se tornou este 2º turno da eleição para o governo estadual: um grande teste relativo à capacidade de transferência de votos de Bolsonaro para Manato. Por vezes, a sensação é que o verdadeiro adversário eleitoral de Casagrande não é o ex-deputado federal, e sim o atual presidente, representado no pleito por Manato.

A força eleitoral de Bolsonaro, no Brasil e no Espírito Santo, é absolutamente inegável. No Estado, ele ganhou o 1º turno com 52% dos votos válidos e, sem dúvida, cumpriu papel decisivo para dar aquele impulso final que levou Manato ao 2º turno.

Ciente disso, a campanha a governador do candidato do PL foi radicalmente “bolsonarizada” e ganhou viés bem mais ideológico nesta segunda etapa do processo. Tudo nela, do material gráfico aos bordões, ando pelas frases de efeito, jingles e discurso sobre “tirar a esquerda do poder” e “acabar com a mamata”, é casado com a campanha de Bolsonaro.

Enquanto isso, sem um gancho nacional, todo o esforço de Casagrande se dá no sentido contrário: sua campanha está lutando de todas as formas para desatrelar a disputa estadual da nacional, ou melhor, para convencer o eleitor capixaba a desvincular as duas coisas (e, principalmente, os dois votos).

O desafio pode ser mais difícil que o de quebrar um átomo – muito embora, nesse caso, a campanha do governador esteja “advertindo” que não quebrar o átomo é o que pode “explodir” de verdade o Espírito Santo nos próximos anos, num eventual governo Manato.

Além dessa luta vital contra o voto por atrelamento automático, a campanha de Casagrande neste 2º turno se baseia num tripé:

1) liderar uma intensa mobilização política e social, formando uma coalizão suprapartidária e reunindo apoiadores de norte a sul do Estado entre representantes da classe política e da sociedade civil organizada;

2) apresentar um novo pacote de anúncios quase diários, alguns deles bem relevantes, como o da construção de uma rodovia estadual paralela à BR 262 e o da redução da alíquota de ICMS sobre o gás de cozinha, para veículos e para a indústria (o que levou Manato a questionar, com pertinência: por que só agora?);

3) desconstruir com força Manato, na comparação de perfis, como já analisamos aqui.

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O susto tomado por Casagrande no 1º turno parece ter feito a sua campanha acordar para a vida – se tarde demais, só o próximo domingo (30) o dirá.

Mais que “acordar para a vida”, Casagrande e seus colaboradores parecem ter despertado do “sono no Olimpo”. Parafraseio um desses colaboradores a quem questionei sobre a “moleza” que deram para os adversários, Manato em especial, durante todo o 1º turno.

A fonte me respondeu que, no 1º turno, o governador fez uma “campanha olímpica”, em referência ao Olimpo (lugar, na mitologia grega, habitado por Zeus e outros deuses, bem acima das cabeças dos mortais): como estava muito acima dos demais segundo as pesquisas, ele não tinha por que descer para o embate com nenhum mortal.

No dia 2, contudo, em vez de dar a esperada “volta olímpica” (a volta triunfal após a vitória), Casagrande precisou virar a chave e inaugurou uma campanha troiana: como o exército de Troia na “Ilíada”, ele e os seus seguidores agora se veem em meio ao cerco dos gregos e estão fazendo de tudo, usando todas as armas de guerra, para impedir a “invasão inimiga” ao Palácio Anchieta.

A rapidez com que o governador entrou no 2º turno investindo contra Manato (já nas primeiras entrevistas após o resultado, tirou da manga a carta Le Cocq e começou a associar o adversário ao crime organizado) denota que sua campanha, na verdade, sempre teve um grande arsenal estocado no paiol do Palácio para usar “só em caso de necessidade” contra o adversário, poupado em todo o 1º turno.

Desde a hora 1 do 2º, Casagrande abriu a caixa de munição – e, pelo que apurei, nem usou tudo ainda. A questão que se levanta é: se tinham todo esse arsenal, por que não o usaram antes, pelo menos em parte?

Pode ter sido por salto alto, por excesso de autoconfiança (o famoso “já ganhou”)… mas agora parece claro que o cálculo foi equivocado. Reservadamente, todas as fontes da campanha que a coluna questionou sobre o tema corroboram que, em torno de Casagrande, estavam todos convencidos da vitória no 1º turno. Era o que indicavam as pesquisas internas. Na véspera, a Ipec/Rede Gazeta também dava 59% dos votos válidos para o governador, ante 25% para Manato.

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É bem verdade que as amostragens das pesquisas podem estar distorcidas, produzindo resultados idem, mas até auxiliares de Casagrande reconhecem ter sido outro o motivo principal do crescimento de Manato e do grande hiato verificado entre os levantamentos e o resultado real das urnas: muitos eleitores de Bolsonaro de fato só definiram o candidato ou até mudaram o voto, em benefício de Manato, na véspera do 1º turno.

O opositor, portanto, foi mais uma vez empurrado pela onda Bolsonaro das últimas horas, assim como já fora em 2018, quando bateu na trave. Percebam que isso pode se repetir na véspera do 2º turno, do próximo sábado para domingo, o que nos remete de volta ao ponto-chave desta análise: a força eleitoral de Bolsonaro, visivelmente subestimada pela campanha de Casagrande no 1º turno.

E é um grande erro subestimar Bolsonaro – como foi um erro, por extensão, subestimar o potencial de crescimento de Manato.

Um capitão que pode valer por um exército

Se puséssemos numa balança os dois times, os dois grupos de respectivos apoiadores, para que lado a balança penderia hoje?

A olho nu, diria que Casagrande é quem tem o palanque mais “pesado” no Espírito Santo, tanto em termos quantitativos como de peso político mesmo, ou seja, de importância política. No saldo geral, além da máquina nas mãos, o governador parece não só ter mais apoiadores como apoiadores de maior expressividade, no meio político capixaba e na sociedade civil organizada. Isso, especificamente, dentro do contexto estadual.

Do lado do governador, há muito mais partidos, mais prefeitos, vice-prefeitos e ex-prefeitos, mais vereadores, mais deputados federais atuais e eleitos, os três atuais senadores, mais sindicatos, mais líderes comunitários e mais entidades da sociedade civil, além de algumas igrejas e líderes religiosos.

Do lado de Manato, há, é claro, três candidatos a governador que ficaram no 1º turno (Aridelmo, Audifax e Guerino Zanon), o presidente da Assembleia, Erick Musso, o senador eleito Magno Malta, entre outros políticos, além de associações de militares, igrejas e outras entidades.

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Mas Manato possui um cabo eleitoral que talvez valha, sozinho, por todos esses de Casagrande: Jair Messias Bolsonaro.

Ou seja, se Casagrande tem um volume maior de apoios que vêm de baixo para cima (dos municípios), Manato tem um grande apoio que vem de cima para baixo (de Brasília) e que pode lhe ser o suficiente. É essa, ao mesmo tempo, a grande aposta de Manato e o grande risco para Casagrande. Por isso, também a eleição no Espírito Santo virou um teste de força para Bolsonaro.

A bolsonarização da campanha de Manato

Tudo começa pelas cores das respectivas campanhas. Enquanto os marqueteiros de Casagrande, para o 2º turno, capricharam nas da bandeira do Espírito Santo – em mais um detalhe revelador da estratégia de “desnacionalizar” a disputa local –, os de Manato esbanjaram no verde e no amarelo. Nos materiais gráficos, um sorridente Manato surge ao lado de Bolsonaro, vestindo a mesma camisa branca de meia manga usada pelo presidente no próprio material (só faltou a Bic no bolso).

Algumas frases da campanha do opositor de Casagrande dão ênfase à disputa ideológica, em evidentes reapropriações de chavões de Bolsonaro: “endireitar o Espírito Santo”, “acabar com a mamata deles”, “derrotar a esquerda e o PT” são alguns exemplos.

Sem economizar na repetição do 22, a campanha apresenta Manato como o “o governador do Bolsonaro”.

E há uma série de momentos que objetivam um duplo efeito: colar Manato em Bolsonaro, a um só tempo, pela pauta ideológica e pela identidade dos seus números de urna.

A apresentadora Karla Malta, filha de Magno Malta, afirma que Manato vai acabar com “o verdadeiro cabide de empregos da esquerda”. “Com Bolsonaro, a mamata acabou. Aqui com Manato, isso também vai acabar”, completa o locutor. “Com Bolsonaro lá e Manato aqui, o nosso Estado terá um futuro brilhante”, profetiza Audifax Barcelos, ao lado do candidato.

Isso para não falar no “alívio cômico” dos programas eleitorais do candidato: pessoas repetindo o trava-língua “Manato vai acabar com a mamata”. E até o mesmo funk da campanha do presidente é executado, apenas trocando-se o nome de Bolsonaro pelo de Manato.

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A sinuca de bico de Casagrande e o exemplo da vacinação

A situação muito delicada em que ficou Casagrande neste 2º turno foi exemplificada durante o debate da Rede Vitória, na última quarta-feira (19). Manato deixou algumas bolas quicando na frente de Casagrande para ele chutar, mas o governador não o fez porque isso implicaria criticar ações ou omissões de Bolsonaro – e isso ele não fará de jeito nenhum. Vou dar só um exemplo:

Uma jornalista questionou Manato sobre a baixíssima adesão dos pais à campanha de vacinação infantil contra a polio e perguntou ao candidato se, para ele, isso se deve a pouca informação ou a questões ideológicas. Manato marcou a opção A. Na réplica, sem citar Bolsonaro, Casagrande fez uma ressalva contida:

“Tem um debate na sociedade. É real. A gente não pode esconder isso.”

Fica dito aqui o que nenhum dos dois falou:

Só um alienígena que tenha acabado de pousar no planeta pode não reconhecer a relação direta e evidente, de causa e consequência perversa, entre o negacionismo do presidente da República em relação às vacinas contra a Covid-19 e a desconfiança que parte da população agora estende a imunizantes contra outras doenças terríveis.

Vacinas como o Zé Gotinha, de eficácia mais que comprovada e incorporadas há décadas ao calendário de vacinação e à cultura do povo brasileiro, agora também são colocadas sob suspeição pelos pais.

Quando questionados sobre o comportamento infantil que Bolsonaro manteve sobre o tema das vacinas contra Covid-19, seus defensores incondicionais, Manato inclusive, limitam-se a dizer que “ele comprou as vacinas, e quem quis tomar a vacina tomou”.

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Primeiro porque o governo Bolsonaro começou a adquirir vacinas com atraso considerável e literalmente fatal para milhares de brasileiros. Ou seja: nem todos que quiseram se vacinar realmente tiveram essa chance.

Segundo porque o Brasil só começou a aplicar vacinas (com atraso) em janeiro de 2021 graças à Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantã em parceria com um laboratório chinês, a mesma de que o presidente debochou (chamando-a de “vachina” e “vacina do Doria”) e sabotou de maneira sistemática (chegou a comemorar no Twitter um atraso nos estudos para produzir o imunizante e desautorizou publicamente o general Pazuello quando o então ministro da Saúde fez menção de comprar doses da vacina).

Terceiro porque, desde o início da pandemia, em vez de priorizar e se concentrar na vacinação em massa, Bolsonaro se comportou como garoto-propaganda de um medicamento comprovadamente ineficaz, a cloroquina, defendendo (como defende até hoje) a tese do “tratamento precoce”, enquanto era aconselhado por maus médicos a apostar na desumana “imunidade de rebanho”.

Quarto porque não basta “comprar a vacina” e “fiz minha parte, está acabado, fim de papo”. Comprar vacinas era o mínimo. Como maior líder da nação, cabia ao presidente dar o exemplo e não só se imunizar pessoalmente como estimular os cidadãos governados por ele a também irem se vacinar em massa.

Bolsonaro, ao contrário, jamais fez um gesto nem deu uma só palavra de incentivo à vacinação. Seu governo não fez nem sequer uma campanha publicitária decente de conscientização, no tempo certo, quando era mais urgente.

Ao continuamente desacreditar a eficácia das vacinas, o presidente só desencorajou a população. Como se fosse pouco, ainda decretou sigilo de Estado no seu cartão de vacinação. Com sua atitude negacionista, a exemplo do que fez com relação às medidas de isolamento social, ele na prática sabotou o programa de vacinação do seu próprio governo.

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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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