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Coluna Vitor Vogas

Os novos poderes dados a Marcelo Santos na Assembleia

Em meio à repercussão do tíquete para deputados, projeto do presidente ou com outro jabutizinho que alarga ainda mais seu poder sobre o plenário

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Marcelo Santos preside sessão da Assembleia. Crédito: Lucas S. Costa/Ales

Durante os seis anos em que Erick Musso (Republicanos) esteve à frente da Assembleia Legislativa, muito se falou dos superpoderes acumulados pelo então presidente da Casa. Mas os três primeiros meses da presidência de Marcelo Santos (Podemos) indicam que o sucessor de Erick pode se equiparar a ele nesse quesito ou até superá-lo. Pouco a pouco, resolução após resolução, Marcelo está concentrando na presidência poderes que nem Erick reunia. O mais recente exemplo disso quase ou despercebido.

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Marcelo agora pode, a seu exclusivo critério, mudar o formato e a finalidade de qualquer sessão ordinária, decidindo previamente se determinada sessão será ou não presencial e se será ou não deliberativa. Sessões deliberativas são aquelas em que os parlamentares discutem e votam os projetos.

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A Assembleia realiza três sessões ordinárias semanais. Às segundas e terças, a partir das 15h, de modo presencial, e às quartas, a partir das 9h, no modelo híbrido (neste caso, os deputados que não quiserem ir ao plenário têm a opção de participar remotamente, em uma sala virtual). A princípio, as três sessões são sempre deliberativas: sempre têm uma pauta de votação.

Agora, excepcionalmente e se assim quiser, o presidente pode determinar, por exemplo, que uma sessão em determinada segunda-feira ocorra de forma híbrida ou que uma sessão em determinada terça-feira simplesmente não tenha pauta de votação.

A mudança no artigo 102 do Regimento Interno foi mais uma alteração embutida no projeto de resolução apresentado pelo próprio Marcelo Santos e aprovado em plenário, por unanimidade, no último dia 19, e cuja primeira finalidade era criar a Comissão de Proteção e do Bem-Estar Animal, separando-a da Comissão do Meio Ambiente.

Nesse mesmo projeto, durante a votação em regime de urgência no plenário, o deputado Tyago Hoffmann (PSB), presidente da Comissão de Finanças, apresentou a emenda oral que, na prática, estendeu aos próprios deputados o direito de receber auxílio-alimentação no mesmo valor pago aos servidores da Assembleia (pouco mais de R$ 1,8 mil por mês), por meio de requerimento à direção da Casa.

Em meio a toda a repercussão gerada por esse grande jabuti, a ampliação das prerrogativas do presidente não ganhou a devida atenção, conforme agora recebe da coluna. Não a chamarei de outro “grande jabuti” porque, para ser justo e sincero, esse artigo já estava lá no texto original do Projeto de Resolução nº 11/2023 de Marcelo, tal como ele o protocolou.

Mas não deixa de ser um jabutizinho, uma tartaruguinha, quiçá um cágado, pois convenhamos: o autor conseguiu encaixar um artigo que amplia seus poderes em um projeto que, em primeira análise, visava criar a Comissão do Bem-Estar Animal.

A priori, prerrogativas do presidente da Mesa Diretora não têm nada a ver com desmembramento de comissões, mas tudo foi incluído no mesmo projeto e assim foi aprovado – diga-se de agem, sem a menor discussão em plenário sobre o alargamento das competências do presidente.

A pegadinha

Além disso, a redação do projeto contém uma pegadinha. Há um desencontro entre o que se afirma na justificativa e a real amplitude da mudança introduzida por Marcelo.

A justificativa do projeto e sua própria ementa explicitavam que o presidente só aria a ter o poder de mudar o formato e a finalidade das sessões de quarta-feira (o que já não seria pouco).

Dizia a ementa do projeto: “Dispõe a criação da Comissão Permanente de Proteção e Bem-Estar dos Animais, alteração nas atribuições da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente e atribuição do Presidente referente às sessões da Assembleia Legislativa realizadas às quartas-feiras”.

Na justificativa, lia-se: “Este projeto também redefine as atribuições da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente e delega ao Presidente da Assembleia a atribuição de decidir sobre o formato das sessões realizadas nas quartas-feiras e se estas terão ou não deliberações”.

Porém, intencionalmente ou não, a redação do novo parágrafo dado ao artigo 102 do Regimento Interno é bastante ambígua. Se lida com rigor, permite a interpretação de que o presidente poderá mexer em quaisquer sessões ordinárias (segunda, terça ou quarta).

Neste segundo caso, a discricionariedade do presidente sobre as sessões plenárias é ainda mais ampla do que se dava a ver a olho nu. Eis o novo parágrafo:

“Art. 102 (…)

(…)

§ 2º As sessões ordinárias serão realizadas no formato presencial, com exceção das realizadas nas quartas-feiras que serão híbridas, no último caso possibilitando a presença física ou virtual dos parlamentares, a critério de cada um, sendo permitido ao Presidente da ALES a alteração do formato das sessões, de acordo com o necessário, cabendo-lhe ainda decidir se serão ou não deliberativas, aplicando-se o disposto neste parágrafo, no que couber, às sessões extraordinárias.” (grifo meu)

E então? Só vale para as sessões de quarta-feira ou para todas?

Para tirar a teima, perguntei à assessoria de comunicação da Assembleia qual das duas é a interpretação correta. A assessoria me confirmou que é a segunda: diferentemente do que se lê na ementa e na justificativa do projeto, a mudança vale para todas as sessões, de segunda a quarta-feira, e o presidente poderá mudar formato e/ou finalidade “em casos excepcionais”.

O esvaziamento dos vice-presidentes

Não é a primeira vez que Marcelo Santos se vale de um projeto de resolução de sua autoria que trata de tema diverso para embutir no Regimento Interno um dispositivo que alarga os próprios poderes. Foi assim, por exemplo, no primeiro projeto de resolução apresentado por ele após assumir a presidência: o PR 1/2023, aprovado em 14 de fevereiro, dando origem à Resolução nº 8.620/2023.

O projeto, a princípio, visava redividir e reorganizar as comissões permanentes da Assembleia. No entanto, logo no primeiro artigo da proposição, Marcelo modificou o artigo 24 do Regimento Interno, limitando sensivelmente a autonomia de seus eventuais substitutos na presidência das sessões (nesta ordem, de acordo com o Regimento, os vice-presidentes, os secretários da Mesa ou o deputado mais idoso).

Assim, por exemplo, o 1º vice-presidente (Hudson Leal), o 2º vice-presidente (Danilo Bahiense) ou quem quer esteja presidindo determinada sessão não pode mais convocar sessões extraordinárias, tampouco decidir sobre eventual questão de ordem apresentada por algum deputado em plenário.

O presidente em exercício também não pode mais decidir os casos omissos após consultar o plenário, tampouco determinar se a publicação de informações ou documentos será de inteiro teor, em resumo ou apenas mediante referência na ata. Desde fevereiro, somente o próprio presidente (Marcelo) tem poder para isso.

Marcelo ainda poderá anular qualquer ato tomado por eventual substituto na presidência que extrapole “as atribuições pertinentes à direção da sessão” – aquelas delimitadas pela nova redação do artigo 24 do Regimento, dada pela Resolução nº 8.620/2023, do próprio Marcelo, aprovada em 14 de fevereiro.

Por outro lado, vejam só, o presidente, por delegação expressa, poderá autorizar aos seus sucessores imediatos atribuições não previstas na resolução. Ou seja, seus substitutos ocasionais até poderão exercer um pouco mais de poder, se (e apenas se) Marcelo o permitir expressamente.

Ao mesmo tempo em que é uma maneira de aumentar os próprios poderes, isso é uma forma de Marcelo esvaziar os poderes dos vice-presidentes. Cumpre lembrar aqui que, no acordo de composição da Mesa Diretora firmado em 31 de janeiro, tanto Hudson Leal (Republicanos) quanto Danilo Bahiense (PL) vieram da chapa adversária, liderada por Vandinho Leite (PSDB), a qual acabou se desmantelando.

O dono da caneta

Por último, mas não menos importante, Marcelo não fez nem menção, após eleito presidente, de mexer no principal resquício dos “superpoderes presidenciais” legados pela gestão Erick Musso: a autonomia total do presidente para nomear ou exonerar quem ele quiser nos mais de 300 cargos de livre provimento vinculados à Mesa Diretora, sem precisar de e concordância de nenhum outro membro da Mesa.

Ao contrário, tão logo confirmado na presidência, Marcelo declarou em entrevistas que não via por que mexer nisso e que portanto não o faria.

De fato, não o fez. Segue dono absoluto da caneta para nomear e exonerar na Casa.