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Coluna Vitor Vogas

Mesa Diretora: os possíveis erros na estratégia do governo Casagrande

Palácio tem grandes chances de emplacar Marcelo, mas pode ganhar perdendo: com a base dividida, custo político para derrotar Vandinho tende a ser bem maior. Discurso de unidade da base na Assembleia e da “independência dos Poderes” cai por terra na volta de apresentação do mandato e Casagrande se expõe de uma forma inaudita. Leia a nossa análise completa 

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Na próxima quarta-feira (1º), como já apontado aqui, o deputado Marcelo Santos (Podemos) tem grandes chances de ser eleito presidente da Assembleia Legislativa contra Vandinho Leite (PSDB), como candidato do Palácio Anchieta e com as bênçãos públicas do governador Renato Casagrande (PSB). Mas para alguns, de qualquer maneira, o governo Casagrande sai desse processo perdendo, enfraquecido na articulação política e com a base fraturada em algum grau (o tamanho da rachadura só se poderá medir após o pleito, mas alguma sequela ficará).

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O simples fato de chegarmos a dois dias da eleição da Mesa Diretora com a possibilidade de haver uma insólita disputa entre dois deputados importantes de sua base expõe, no mínimo, falhas na articulação do governo. E é a prova maior do insucesso em transpor para a prática o discurso de “unificação da base”.

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Em pleno início de novo mandato, com o capital político revigorado após ter sido reeleito, Casagrande tinha tudo para mostrar força nos bastidores, capacidade de articulação e unidade política na nova Assembleia. Em vez disso, o que se viu foi uma articulação confusa que culminou com o próprio governador se vendo obrigado a entrar em cena para tomar as rédeas do processo, expondo-se publicamente para assumir um lado e externar seu “encaminhamento de voto” à base.

Dizendo-o claramente, o governador meteu o pé na porta, de uma maneira que não condiz com seu perfil de equilíbrio e discrição em matérias afetas a outros Poderes e que representa, no mínimo, interferência inadequada e nem um pouco republicana na decisão interna corporis de outra instituição, pondo por terra o discurso da separação e da independência entre os Poderes. O soft power e a autoridade discreta, que se sente sem precisar se revelar, deu lugar ao uso da mão pesada. 

Em circunstâncias normais, se tudo estivesse dentro do script do governo, e não prestes a fugir do seu controle, Casagrande jamais teria vindo a público se expor dessa maneira, sujeitando-se à pecha de “autoritário”, “truculento”, “desrespeitoso”… (os dois últimos adjetivos foram usados por Vandinho em entrevista a este espaço). 

Teria arbitrado, sim, o processo, e buscado influenciar a decisão dos deputados, mas mantendo-se a uma distância asséptica e sem dar a cara a tapa – como ele mesmo sempre fez e como em regra sempre fizeram seus antecessores. Todo governador procura influenciar a eleição da Mesa. Raros o fazem de forma tão ostensiva – e insisto: não é do feitio de Casagrande. 

Chutar a porta dessa maneira com certeza não estava nos seus planos quando as articulações começaram e, se a menos de 10 dias da eleição, ele sentiu a necessidade de o fazer, foi porque algo no meio do caminho deu muito errado: sob as barbas de Casagrande, o processo de sucessão de Erick Musso estava tomando uma direção totalmente imprevista e indesejada pelo Palácio Anchieta. 

A tendência mais forte, obviamente, é que o governo – com o tamanho de sua base e com todos os trunfos e benesses que tem a oferecer nas negociações – consiga mesmo emplacar Marcelo, o que de todo modo será uma vitória. Mas a que custo? 

Para muitos, em alguma medida, será o clássico “ganhar perdendo”, pois a base sairá do jogo trincada e a oposição, abrigada na chapa de Vandinho, de qualquer forma sairá fortalecida.

Para o próprio Vandinho, vale o contrário: preterido e de certo modo humilhado, não tem mais nada a perder a esta altura mantendo-se no páreo, pois, perdendo ou ganhando, sairá fortalecido. E mais: valorizou imensamente o seu e nas negociações com o Palácio. 

Vandinho e seus principais aliados não cedem: insistem que registrarão a própria chapa contra a de Marcelo na quarta-feira. Mas, se isso não ar de um grande blefe, se ele estiver esticando a corda até o limite só para elevar o valor da fatura por eventual retirada, bem, jogo jogado, o custo político para eleger Marcelo será bem maior para o Palácio e este terá que fazer concessões bem maiores a Vandinho e seus articuladores. 

E o que foi que deu errado? Onde o governo realmente errou? 

“Se o governador não entra como entrou, Vandinho teria vencido. É fato”, atesta um deputado governista. “Daí o ineditismo de ele ter colocado a cara na reta e declarado apoio a Marcelo como declarou.”

Com efeito, até segunda-feira ada (23), o deputado do PSDB já havia reunido em torno de si pelo menos 20 apoiadores, incluindo muitos colegas da base aliada. 

Na segunda-feira, a pedido de Casagrande, o chefe da Casa Civil, Davi Diniz, ou a fazer contato com os deputados da base orientando voto em Marcelo. No dia seguinte, o próprio governador confirmou à coluna seu apoio a Marcelo e sua orientação de voto à base. 

A partir da reviravolta, duas perguntas aram a ser feitas em todos os círculos políticos: por que Casagrande deixou Vandinho ir tão longe? E, se era para barrá-lo, por que não o fez antes?

Alguns participantes do processo, incluindo deputados simpáticos a Casagrande, apontam erro de timing, de cálculo político e de interpretação do cenário que veio se desenhando ao longo de janeiro.

Para ser mais específico, o erro capital de leitura do governo foi o de ter acreditado por tempo demais em algo difícil de se crer em qualquer tempo: que seria possível eleger Tyago Hoffmann (PSB) presidente da Assembleia. 

Se assim quisesse, desde o início de janeiro, o governo poderia ter manobrado o seu pesado navio na direção de Marcelo Santos. Não o fez. Inicialmente, deixou Marcelo ficar quase isolado no processo. 

No fim de dezembro, por iniciativa de Vandinho, Tyago e Hudson Leal (aliado do primeiro), foi formado um blocão que chegou a 24 dos 30 deputados – a princípio, voltado somente para a distribuição das vagas nas comissões temáticas. Mas todos sabiam que desse blocão sairia uma chapa para a Mesa Diretora. 

Tanto Vandinho quanto Tyago eram aspirantes à presidência, ou seja, concorrentes internos à mesma vaga no blocão, sendo Tyago muito mais próximo do Palácio Anchieta. Enquanto isso, Marcelo e outros cinco deputados mais ligados a ele foram deixados de fora. 

Para todos os efeitos, esse movimento do blocão, incluindo o isolamento de Marcelo, estava sendo chancelado pelo governo Casagrande e foi assim interpretado pelos próprios deputados governistas. Afinal, ninguém menos que Tyago Hoffmann – considerado a “cara” do governo Casagrande – estava entre os cabeças do blocão, além do líder do governo na Assembleia, Dary Pagung (PSB).

“Nada contra o Marcelo, mas, quando o Tyago entrou, eu pensei ‘ora, isso é um movimento amplo, com a chancela do governo’. Quando o deputado olha para o Tyago, enxerga o governo Casagrande. Ele tem na testa um carimbo onde se lê ‘Palácio Anchieta’”, afirma um parlamentar da base. 

Acontece que Vandinho foi mais rápido e mais esperto que Tyago, que o governo, que todo mundo… O tucano foi articulando a sua chapa à presidência por dentro do blocão e, quando o governo se deu conta, ele já tinha maioria consolidada para se eleger presidente, incluindo o apoio não só de deputados da base como também (e esse detalhe gelou espinhas no Palácio) de todos os deputados da oposição. 

“Vandinho, inteligentemente, soube usar Tyago e o seu ‘carimbo do Palácio Anchieta’. Com a presença de Tyago no grupo, Vandinho conseguiu atrair vários governistas para o blocão, enquanto articulava a chapa dele pelas costas de Tyago”, avalia o mesmo deputado governista.

Tyago, então, ao se dar conta da “bola nas costas”, afastou-se de maneira ostensiva das conversas do blocão, guinada que levou muitos colegas da base, até então totalmente propensos a votar em Vandinho, a parar para tentar compreender o que estava acontecendo. Talvez as coisas não fossem como se supunha até então.

Afinal, se o crivo do Palácio ao candidato oriundo do blocão (Vandinho) estaria representado pela presença de Tyago Hoffmann nas cabeças do blocão, essa chancela foi suspensa simbolicamente com a retirada dele. 

Por essa ótica, Tyago teve grande responsabilidade no fato de Casagrande ter deixado Vandinho ir tão longe. O governador foi deixando o movimento de Vandinho e Tyago avançar, em detrimento de Marcelo, talvez convencido de que Tyago pudesse vencer a disputa interna com Vandinho e se viabilizar por dentro do blocão. 

Marcelo, a boia de salvação

Mas Tyago nunca esteve nem perto de ter os votos necessários para isso. Até que, superado internamente por Vandinho, saiu de maneira brusca das discussões do blocão e foi se articular com Marcelo, boia de salvação do governo e do próprio Tyago.

O navio do governo começou então a se virar lentamente na direção de Marcelo. Mas a manobra poderia não ter se completado a tempo, pois a essa altura, acreditando que o apoio a Vandinho estava “liberado” pelo Palácio, muitos deputados da base já tinham firmado compromisso com o tucano e de repente se viram tomados pela dúvida: “Vandinho ou Marcelo? Quem é que a gente deve apoiar?”

Justamente a fim de sanar qualquer dúvida e ar a alguns deputados (votos decisivos em uma disputa apertada) a segurança necessária para retirar o apoio a Vandinho, foi que Casagrande viu-se premido pela necessidade de vir a público e dar declarações inequívocas: “Marcelo é o meu candidato”. 

Antes que fosse tarde, o governador pegou o leme e o girou com força na direção de Marcelo… Mas o navio ainda pode raspar no iceberg, com avarias que só poderão ser mensuradas no decorrer do mandato.