Coluna Vitor Vogas
Epidemia: Câmara de Vila Velha também quer ter mais vereadores
Envolto em mistério, projeto com esse objetivo já foi protocolado, e aumento é apoiado pelo presidente da Casa. Saiba qual é a opinião de Arnaldinho

Câmara de Vila Velha. Ao centro da mesa, Arnaldinho Borgo e Bruno Lorenzutti. Crédito: CMVV
A Esquadrilha da Fumaça rasgou o céu de Vila Velha sobre a Praia de Itaparica, na terça-feira ada (23), durante as festividades do aniversário da cidade. A fumaça deixada pelos aviões foi soprada por uma massa de ar, deslocou-se e concentrou-se na Prainha. Ali, na Câmara de Vila Velha, tramita um nebuloso projeto, envolto em uma cortina de fumaça e que, se aprovado, aumentará o número de vereadores da cidade já na eleição do ano que vem.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Hoje, Vila Velha tem 17 vereadores. Pela Constituição Federal (art. 29), poderia ter até 25. Para o número ser alterado, os vereadores precisam aprovar, em dois turnos, uma emenda à Lei Orgânica Municipal. E o primeiro o para isso já foi dado.
A Proposta de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 1/2023 foi oficialmente protocolada no dia 9 de maio e consta na página oficial da Câmara. É fácil localizá-la no sistema de consulta de processos legislativos. Tem o número do protocolo e o do processo. Mas não tem quase nada além disso. O arquivo só vem com a capa do projeto, e a ementa limita-se a dizer: “Dá nova redação ao artigo 7º da Lei Orgânica Municipal”.
O artigo em questão é o que trata justamente da quantidade de vereadores no município. A atual redação é a seguinte:
“Art. 7º – O número de Vereadores será proporcional à população do Município, sendo fixado pela Câmara Municipal antes de cada legislatura, observados os limites constitucionais.”
Daí conclui-se, por dedução, que os vereadores estão abrindo o caminho para fixar um novo número de vagas no plenário a partir da próxima legislatura (2025-2028), a exemplo do que fizeram, de dezembro ado para cá, as Câmaras vizinhas em Vitória, em Viana e na Serra – se bem que esta última voltou atrás.
Para aumentar a nebulosidade em torno do projeto, seus autores são indeterminados. No campo “autoria”, no lugar dos nomes discriminados, consta apenas “diversos vereadores”. Mais vago impossível. Para uma proposta como essa ser protocolada, precisa da de um terço do plenário (seis vereadores).
Conversando com “diversos vereadores” de Vila Velha, senti uma profunda resistência em tocarem no assunto, mesmo sob anonimato, mas ouvi a confirmação de que esse debate está mesmo sendo travado entre eles nos bastidores da Câmara. E existe, sim, um desejo de boa parte dos parlamentares em ampliar as cadeiras no plenário.
A grande indefinição é: aumentar para quantos? Dezenove, 21, 23 ou 25? Hoje, a preferência é por 21, com a criação de quatro vagas (um meio termo entre o número atual e o limite permitido). Esse ponto é o que explica a vagueza da proposta já protocolada, a ser complementada posteriormente.
Quem está conduzindo o debate é o próprio presidente da Casa, o vereador Bruno Lorenzutti (Podemos), grande aliado do prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos) na política local. Em conversa com a coluna, Bruno trocou a opacidade por um diálogo transparente, ajudando a dissipar a fumaça. Para começo de conversa, confirmou que a discussão está em curso. Segundo ele, a ideia de ampliação das vagas conta hoje com o apoio da maioria dos pares.
“Como presidente, tenho que ter um papel democrático e tentar entender o sentimento da Casa. Tem um grupo dentro da Câmara que defende que tem que ter esse aumento. Esse grupo está na sua maioria nessa defesa, só que ainda não chegou a um denominador: é 19, 21, 23 ou 25? Então o ime está no quantitativo. Mas também tem outros colegas que defendem a manutenção em 17. Então a questão ainda não está pacificada. Ainda não há consenso. E eu, como presidente da Casa, tenho que trabalhar sempre na busca da unidade.”
O próprio presidente se diz favorável à ampliação:
“Vejo lados positivos nessa questão. Primeiro que melhora a representatividade. Vila Velha já teve 21 vereadores na década de 1990, e tínhamos 300 e poucos mil habitantes. Hoje estamos com 530 mil habitantes. Estou buscando a unidade, mas não vejo isso de forma ruim para o município. Hoje vejo mais benefícios do que retrocessos.”
O presidente rebate o argumento de que mais vereadores representarão aumento de gastos públicos para os contribuintes vilavelhenses. Isso porque, contra-argumenta, o orçamento destinado à Câmara pela Prefeitura de Vila Velha não será ampliado. Neste ano, o montante reado à Casa é de R$ 40 milhões e beira o limite legal de 4,5% da receita municipal. A Casa terá de trabalhar com esse mesmo percentual. Mas precisará reorganizar a distribuição das despesas internas.
“Não tem impacto financeiro. Se você tiver mais vereadores, você tem uma estrutura maior. Mas você não muda o duodécimo, que continua sendo o mesmo. Então o que terá que ser feito é um reajuste organizacional, ou seja, uma melhor organização”, defende o presidente.
Como determina a própria Lei Orgânica, para uma emenda como essa ser aprovada, precisa dos votos favoráveis de dois terços dos vereadores (12 dos 17), em dois turnos, realizados com intervalo de pelo menos dez dias.
O presidente é taxativo: só vai pautar o projeto se houver certeza de aprovação, com a garantia de pelo menos 12 votos favoráveis. “Sim, só nessa situação. Não faz sentido pautar uma proposta que já nasce morta.”
Arnaldinho Borgo: quanto mais, melhor
O presidente da Câmara não soube especificar a posição do prefeito Arnaldinho sobre o aumento do número de vereadores:
“O prefeito não tem externado, pelo menos para mim, posição nem favorável nem contrária, até porque isso é questão interna corporis do Legislativo. Somos parceiros, harmônicos, mas temos a nossa independência.”
Mas o próprio Arnaldinho, em resposta à coluna, externou a sua opinião. Para o prefeito, problema algum, muito pelo contrário:
“Não vejo problema. Acho que, quanto maior a representatividade, melhor. A Câmara de Vereadores é independente. Não tem interferência do prefeito nessa questão de aumento ou diminuição do número de vereadores. Acho que eles são muito maduros e muito experientes para tomarem uma decisão assertiva.”
Como se trata de Proposta de Emenda à Lei Orgânica, após aprovação em dois turnos no plenário, ela será promulgada pela Mesa Diretora, sem depender de sanção do prefeito. Em todo caso, o “aval político de Arnaldinho”, por assim dizer, já está aí.
Como explicar as lacunas?
Mas, afinal, por que tamanho mistério em torno do conteúdo do projeto? E por que, causando tanto estranhamento, a proposta foi protocolada assim, pela metade e repleta de lacunas? Bruno Lorenzutti responde:
“Como no momento em que foi protocolado ainda não tínhamos a pacificação da proposta, nós demos entrada no rito legislativo, que é a questão da proposição da alteração do artigo, para posteriormente a Comissão Revisora vir com a proposta que terá unidade, com o número a ser fixado e o inteiro teor. Nesse caso específico, não há a informação ainda porque não se pacificou.”
Mas um projeto pode ser protocolado antes mesmo de ter sido redigido?
“Na verdade”, responde o presidente, “o que há ali não é a proposição do projeto em si, vamos dizer assim. Ali existe o início do rito legislativo dizendo da necessidade de fazer a fixação.”
Então tá. Mas não deixa de ser muito inusitado.
E esfumaçado.
