Coluna Vitor Vogas
Casagrande barra isenção de taxa de água e esgoto para igrejas
Projeto de lei de Vandinho foi aprovado pela Assembleia para estimular “a expansão das religiões”, mas governador vetou a iniciativa. Saiba por quê

Assembleia aprovou isenção de cobrança de tarifas de água e esgoto para templos religiosos. Foto: Pixabay
No que depender do governador Renato Casagrande (PSB), igrejas no Espírito Santo terão de continuar pagando normalmente suas taxas de água e esgoto, como qualquer outro imóvel. O governador vetou totalmente projeto de lei apresentado pelo deputado estadual Vandinho Leite (PSDB) e aprovado pela Assembleia Legislativa no dia 2 de maio, que, singelamente, isentava do pagamento da taxa “os templos religiosos de qualquer natureza no âmbito do Estado do Espírito Santo”.
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O projeto foi um dos primeiros apresentados por Vandinho no atual mandato, no dia 2 de fevereiro – primeiro dia após a eleição da Mesa Diretora –, e um dos primeiros protocolados por qualquer deputado estadual na atual legislatura.
Na justificativa do projeto, o autor, membro da bancada evangélica, destaca a importância das religiões e de se estimular “a permanência e expansão de religiões no país”, mediante a imunidade tributária:
“As religiões podem ser consideradas como de interesse social e de função muito importante para a vida de grande parte dos brasileiros. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 92% da população do país segue alguma religião. Além disso, são organizações sem fins lucrativos, não comercializam produtos ou vendem serviços, portanto a imunidade de tributações estimula a permanência e expansão de religiões no país.”
O deputado argumenta que, se fossem tributadas, algumas entidades religiosas sofreriam “grandes dificuldades financeiras” e correriam o risco de extinção. Para Vandinho, “como instrumento de transformação e interesse social”, “as religiões e seus templos de todos os gêneros devem ter incentivos de forma a proliferar o sentimento de religiosidade”.
Por sua vez, Casagrande vetou o projeto sem entrar no mérito da importância das religiões e do papel social ou espiritual cumprido por elas, mas atendo-se a questões técnicas e de ordem legal. |Na avaliação do governador, a proposição é inconstitucional.
Com as formalidades e cordialidades de sempre em mensagens de veto como essa – “justo propósito da iniciativa”, “nobres intenções do legislador”, “aplausível mérito da proposta” –, o parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), seguido por Casagrande, assinala dois problemas legais no projeto de Vandinho, ambos ligados a vícios de iniciativa: interferência indevida em contratos de concessão (no caso, os do serviço de água e esgoto), que é assunto privativo do Poder Executivo; e invasão da competência reservada aos municípios para legislar sobre esse tipo de serviço público.
No primeiro caso, os procuradores ressaltam:
“Leis de iniciativa do Poder Legislativo, que alterem regras destinadas a serviço público concedido, (no caso, esgotamento sanitário), importam em interferência indevida na gestão do contrato istrativo de concessão, matéria reservada ao Poder Executivo”.
Segundo os autores do parecer, se concretizada a isenção tributária para templos pretendida por Vandinho, a renúncia “poderá exercer influência substancial sobre o equilíbrio econômico-financeiro inerente aos contratos de concessão celebrados entre o Poder Público concedente e as empresas concessionárias, além de violar os princípios da isonomia, separação dos Poderes e reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo em matéria orçamentária”.
Em julgamento realizado pela Primeira Turma em 2018, o STF firmou o entendimento de que “compete ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que interfiram na gestão de contratos de concessão de serviços públicos”.
Competência municipal
Seguindo com o parecer, nos termos da Constituição Federal (art. 30, V), cabe aos municípios regular as matérias de interesse local e, textualmente, “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, quer tem caráter essencial”.
Além disso, em conformidade com a Lei nº 11.445, de 2007, que determina as diretrizes nacionais para o saneamento básico, compete aos municípios e ao Distrito Federal a titularidade dos serviços públicos nessa área.
Ainda conforme o parecer, “ao instituir a isenção de taxa de esgotamento sanitário para templos religiosos, o autógrafo de lei estaria usurpando a competência municipal para legislar questões relacionadas ao saneamento básico, assunto de interesse local”.
Em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, em agosto de 2022, o ministro Alexandre de Moraes assim se posicionou sobre esse tipo de iniciativa: “É inconstitucional, por invadir competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local, […] lei estadual que concede, por período determinado, isenção das tarifas de água e esgoto e de energia elétrica aos consumidores residenciais, industriais e comerciais”.
Agora, caberá ao plenário apreciar o veto de Casagrande e decidir se o mantém ou se o derruba. Se o veto for mantido em plenário, o projeto é arquivado. Se for rejeitado, o projeto vira lei, a ser promulgada pela Mesa Diretora da Assembleia.
O pacote de Vandinho
Evangélico, Vandinho Leite tem chamado a atenção na Assembleia por priorizar a propositura de projetos de lei relacionados à pauta de costumes e endereçados aos eleitores cristãos mais conservadores (além de muitos outros relacionados aos direitos do consumidor). Abaixo, listo alguns exemplos de projetos protocolados pelo deputado da Serra desde fevereiro:
. O que estabelece o sexo biológico como único critério para definir o gênero dos atletas em competições organizadas pelas entidades de istração do desporto no Estado do Espírito Santo;
. O que declara de utilidade pública a Associação dos Pastores Evangélicos da Serra;
. O que declara o evento “Jesus Vida Verão” patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Espírito Santo;
. O que proíbe a entrada em banheiros de uso exclusivo para o sexo masculino e feminino por transgêneros, em estabelecimentos públicos e privados no âmbito do Estado do Espírito Santo.
