fbpx

Dinheiro

Bilionários brasileiros tentam criar ‘cultura da doação’ no país

Elite brasileira sai do anonimato e vem a público falar sobre o objetivo de ampliar o movimento filantrópico

Publicado

em

Gestos de solidaridade saem até dos mais ricos. Foto: Freepik

A elite econômica brasileira saiu da toca na pandemia. A maior parte respeitou o isolamento físico, é claro, mas muitas das famílias mais ricas do país vieram a público anunciar que tinham doado milhões de reais individualmente, como pessoas físicas. Foi um número inédito de bilionários que assumiu ter tirado do próprio bolso grandes quantias para o combate ao coronavírus e seus efeitos, mesmo com as empresas que controlam tendo feito o mesmo movimento.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

A doação mais recente foi feita pelas famílias Trajano e Garcia, controladoras do Magazine Luiza. Na quinta-feira (06), elas anunciaram mais um cheque de R$ 20 milhões, que se somará aos R$ 10 milhões já doados anteriormente. O valor é superior, inclusive, aos R$ 20 milhões que a própria empresa já havia colocado na causa.

“As demandas continuam gritantes e não acabaram”, diz Carlos Renato Donzelli, diretor da holding e membro do conselho de istração do Magalu, que coordena as doações. “Não dava simplesmente para parar: precisamos continuar ajudando.”

A doação por parte dos muito ricos não é exatamente uma novidade. “É algo que sempre existiu e, por isso, não pode ser classificado como tendência”, diz Fábio Mariano Borges, professor da ESPM. “No campo das artes plásticas, por exemplo, sempre tivemos grandes mecenas que construíram alguns dos museus e dos acervos mais importantes do país.” A novidade é que, na pandemia, alguns dos principais empresários do país colocaram seus rostos e s na benemerência.

> Bilionários ficam imunes à crise econômica na pandemia, diz relatório

O movimento não é por acaso. “Houve um amadurecimento das lideranças econômicas”, afirma Rodrigo Pipponzi, vice-presidente do Instituto A, entidade de investimento social de sua família, que é dona da RaiaDrogasil. “Assumir a doação e fazer isso de maneira natural é um o importante para entender e desenvolver a cidadania e a recorrência, que não podem ser apenas iniciativas paliativas em emergências.”

Para Pipponzi, o fato de muitos grandes doadores não quererem aparecer está ligado ao incômodo com a desigualdade social. “Doar volumes muito grandes significa ter muito dinheiro e isso evidencia ainda mais o abismo social do País”, diz ele.

O que começa a mudar é um mea culpa e a conscientização de que a cultura da doação – e de cidadania pelo envolvimento em projetos nos quais se acredita – só acontecerá a partir de exemplos concretos. “Toda elite é culpada da situação que amos hoje, seja ela econômica, política, intelectual”, diz Rubens Menin, fundador da MRV Construtora e do banco Inter. “A elite é um reflexo da sociedade com mais poder de fogo e cabe a ela essa missão, prioritariamente. Não adianta achar que a culpa é dos outros.”

> Padrão de vida do brasileiro deve ter queda recorde

Ele não é o único a pensar assim. “A elite tem de assumir o papel de contribuir e conscientizar”, afirma Elie Horn, dono da Cyrela. “É nossa obrigação moral, social, de igualdade e justiça. Por que tenho dinheiro e o outro não tem? Sou o tesoureiro de Deus para distribuir esse dinheiro e se não dou, estou fazendo pouco caso da minha posição e da minha missão.”

Segundo alguns entrevistados, a nova geração vem tendo papel importante para fazer os mais velhos mostrarem a cara. Para os mais novos, os valores mais significativos vão além da acumulação. Também ajudou o fato de o coronavírus ter atingido a todos – e sensibilizado quem costuma ser protegido pela riqueza. “Como o coronavírus afetou e fragilizou mesmo quem tem muito dinheiro, a solidariedade foi maior”, diz Beatriz Bracher, do Instituto Galo da Manhã, que concentrou as doações das famílias Botelho Bracher na pandemia. “O mundo é muito ameaçador e, quando se enxerga que muita gente está sob essa ameaça o tempo todo, é natural o aumento das doações.”

Descoberta de causas

Mais importante do que doar o dinheiro, dizem, é descobrir as causas que se quer apoiar e acompanhar a transformação promovida pelo dinheiro bem aplicado. “O prazer não está em doar, mas em ver realizado”, diz ela.

É o que eles esperam refletir em toda a sociedade. Durante as entrevistas, muitos dos bilionários falaram sobre o pequeno envolvimento dos brasileiros nos problemas da comunidade. Para alguns, é uma consequência do Estado paternalista, que dá sem exigir nada em troca. Para Menin, por exemplo, é uma mistura que vem dos tempos da colonização e da formação religiosa da população. Muitos citam os EUA, com seus eventos de arrecadação de fundos e seus líderes que empregam seu tempo e imagem às causas, como modelo.

> Empresas doam R$ 100 mi para produção de vacina

Apesar de dizerem também que seria bom ter incentivos fiscais como acontece naquele país, todos afirmam que a falta de uma legislação mais favorável não pode servir de desculpa para negar a doação. “O Brasil não tem incentivo e nem é preciso ter”, diz Menin. Hoje, a menos que a entidade beneficiária tenha imunidade tributária, qualquer doação acima de R$ 60 mil recolhe Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Nem é preciso dizer que, na urgência da pandemia, boa parte das doações foi para o Estado, em vez da causa apoiada. O marco legal também é considerado confuso e inseguro.

O desejo de todos é que o movimento permaneça após o fim da pandemia. “Não é preciso acreditar em Papai Noel, mas esse movimento deixará bons reflexos na cultura de doação”, diz Pipponzi. “As organizações da sociedade civil saem fortalecidas, as pessoas aprenderam que não é tão difícil doar e a transparência cresceu.” Para Paula Fabiani, diretora presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), ficou claro que cabe a cada brasileiro construir seu caminho como cidadão. “A sociedade civil respondeu rapidamente com soluções em um ato de cidadania e participação social”, diz ela. “Parte disso vai ficar.”

Estadão Conteúdo