Coluna Vitor Vogas
União forçada com o Psol abala a candidatura de Audifax ao governo
Federação aprovada pelos comandos nacionais da Rede e do Psol empurra candidatura do ex-prefeito para o campo da “esquerda socialista” e complica seus planos eleitorais. Presidente do Psol-ES aponta “intensos ruídos” entre eles

Audifax Barcelos. Foto: Facebook
Legenda não era um problema para Audifax Barcelos na eleição ao governo do Estado. Enquanto Guerino Zanon precisou trocar o MDB pelo PSD e Felipe Rigoni tomou de Ricardo Ferraço o controle estadual do União Brasil para manterem vivas suas pré-candidaturas, Audifax tem há muitos anos domínio pleno sobre o próprio partido no Espírito Santo: a Rede Sustentabilidade.
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O ex-prefeito da Serra entrou nessa corrida em uma “raia ruim”, mas livre de obstáculos. Levando em conta só a Rede, partido que ele mesmo comanda no Estado, a candidatura de Audifax ao governo era certa e segura. Levando em conta só a Rede.
Mas a iminente federação da Rede com o Psol pode obstaculizar o caminho do ex-prefeito. Até que ponto esse casamento forçado pode ser vantajoso para ele? Até que ponto pode atrapalhar seus planos? Eis as questões que procuramos responder abaixo.
O controle total sobre a Rede
A necessidade de controlar o próprio partido político foi uma lição que Audifax precisou aprender cedo, e de maneira traumática: em 2008, quando a legenda do PDT lhe foi negada pela Executiva Estadual, controlada por Sérgio Vidigal, ele ficou tecnicamente impedido de disputar uma reeleição considerada mais que certa.
Então Audifax compreendeu que, na política tal como ela é e como vigora neste país, se quiser subir na vida pública, você precisa ter controle absoluto sobre o próprio partido na sua paróquia eleitoral, a despeito de qualquer questão ideológica.
Na Rede, Audifax encontrou isso. Sem nenhuma outra estrela na companhia, é ele o cacique regional (tecnicamente, é o porta-voz estadual da Rede, ao lado de Laís Garcia). Chance zero de o partido controlado pelo ex-prefeito no Estado recusar a legenda para ele mesmo. E, se depender da direção nacional da Rede, a candidatura também tem sinal “verde” (Marina Silva deu like). Foi inclusive referendada em congresso nacional da Rede realizado em março de 2021.
Hoje a Rede é um partido minúsculo, mas para Audifax pode ser vantajoso figurar como um peixe grande em um aquário pequeno. Até pela escassez de quadros competitivos nos estados, a tendência é que a direção nacional da sigla priorize a candidatura de Audifax ao governo do Espírito Santo, o que na prática significa a injeção de mais recursos públicos na campanha: apoio não só político como financeiro.
Além de Audifax no Espírito Santo, a Rede só pretende lançar candidato ao governo do Amapá (Lucas Abrahão). É bem verdade que o partido não tem muito dinheiro para financiamento público de campanha. Mas o pouco que tem não precisará ser repartido entre muitos. Ponto para Audifax – que, aliás, espera mesmo um bom investimento da direção nacional da Rede em sua corrida ao Palácio Anchieta.
Os problemas que vêm com a federação
Se a direção nacional da Rede deu o seu sinal verde para Audifax, o sinal amarelo foi aceso com a iminente formalização da federação com o Psol. Devendo ser firmada em escala nacional e obrigatoriamente replicada em todos os estados, essa aliança em inédito formato consiste em um fato novo que pode tanto ajudar Audifax a colocar de pé sua candidatura como bagunçar todo o seu planejamento.
Audifax tem dito, inclusive à coluna, que é favorável à união com o Psol. De saída, isso resolve, ainda que modestamente, um fator que o próprio ex-prefeito considera crucial para sua campanha: tempo de TV.
Por não ter superado a cláusula de barreira, a Rede não tem direito a nem sequer um segundo de propaganda eleitoral gratuita. O Psol possui alguns segundos. Graças à federação, Audifax pelo menos aparecerá na TV e no rádio, em cadeia estadual, durante o período eleitoral. Ele mesmo julga isso essencial para conseguir divulgar seu nome aos eleitores para além da Serra, especialmente no interior.
Por outro lado, a partir da formalização da federação, Audifax ará a ser não só o pré-candidato ao governo da Rede, mas também o do Psol. Ou não ará.
É que, dentro do Psol no Espírito Santo, existem fortíssimas resistências ao lançamento da candidatura do ex-prefeito.
Representantes do partido de esquerda não se veem representados por ele nem o veem como um agente político identificado com suas bandeiras – fortemente ligadas a direitos das minorias, questões identitárias e valorização do funcionalismo público.
União instável
Segundo o presidente estadual do Psol, Toni Cabano, existem no momento “ruídos intensos” entre Audifax e o partido.
“O Audifax se declara como uma pessoa conservadora. Não temos nada contra o conservadorismo, mas temos pautas que o conservadorismo não aceita: a manutenção das cotas para negros nas universidades, a defesa dos direitos humanos, a valorização dos servidores públicos… Como prefeito, ele teve problemas com o funcionalismo. Defendemos a taxação das grandes fortunas, a extinção de incentivos fiscais… São esses pontos em que vamos ter divergências. Na questão da sustentabilidade, com certeza teremos pontos em comum. Mas tem detalhes em que nós, talvez… não, ‘talvez’ não, com certeza teremos ruídos”, antevê o dirigente, integrante da tendência Ação Popular Socialista (APS).
De acordo com Cabano, o Psol e Audifax precisam ter uma conversa urgente e franca. Os dois têm um encontro marcado para esta quinta-feira (14).
“O Audifax se declara candidato, mas pela Rede. Ele não se declara candidato pela federação. Não vamos criticá-lo por se lançar como candidato da Rede. Mas, no que se refere à candidatura pela federação, ele precisa se sentar e conversar conosco. Existem, sim, muitos ruídos entre Psol e Rede no Espírito Santo. São posicionamentos que divergem. Por isso a necessidade de diálogo. Temos que ouvir Audifax e fazer uma conversa franca com ele. Não podemos empurrar isso para a frente. A candidatura da federação vai depender muito desse diálogo com ele.”
Outro complicador para Audifax
Supondo que a candidatura vingue mesmo, parece óbvio que adversários de Audifax posicionados à direita vão explorar ao máximo esse novo “rótulo involuntário” colocado no ex-prefeito.
A partir do momento em que ele ar a ser oficialmente o candidato também do Psol ao governo, seus oponentes deverão tratar de colar nele a pecha de “candidato de esquerda”, de “extrema-esquerda”, “comunista” etc. Se a eleição estadual também for cindida pelo corte ideológico, esse é um aspecto que não pode ser menosprezado. Pode, sim, causar-lhe algum dano.
O que diz o ex-prefeito
Audifax afirmou à coluna que sua candidatura ao governo é assegurada pela direção nacional da Rede e independe da formação da federação com o Psol. Ele disse que já vem dialogando com a vereadora Camila Valadão (da tendência Comuna) e com o presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros (da tendência Primavera Socialista). E que vai continuar conversando, “com muita tranquilidade”.
Aliança com Guerino vai pro brejo
Nos bastidores, tem sido aventada a possibilidade de uma aliança entre Audifax Barcelos, Guerino Zanon (PSD) e Erick Musso (Republicanos) já no primeiro turno. Apoiador de Guerino, o ex-deputado Lelo Coimbra (MDB) chegou a verbalizar a ideia. Isso fica praticamente impossível com Audifax “amarrado” ao Psol. O Republicanos, em especial, tem se apresentado como o único partido realmente conservador no Espírito Santo. O Psol jamais aceitará tal aliança.
No site do Psol, em matéria publicada em 30 de março, lê-se que “a federação entre Psol e Rede aprovará uma resolução sobre política de alianças que deve ser aplicada em todos os estados, vetando partidos que compõem a base de apoio ao governo Bolsonaro e governos declaradamente de direita”. É o caso do Republicanos.
O histórico partidário de Audifax
A rigor, Audifax não tem mesmo a cara do Psol. Mas tem histórico de militância na esquerda. Antes de entrar no PDT e se tornar prefeito da Serra, foi filiado ao PT e assessor parlamentar do partido na Assembleia Legislativa. Governou a Serra por três mandatos e sempre por siglas de centro-esquerda – nesta ordem: PDT, PSB e Rede.
Mas suas istrações não seguiram a cartilha da esquerda ortodoxa. Para dar um exemplo, no último governo, o redista concedeu à iniciativa privada a istração de unidades municipais de saúde.
Tanto a Rede como o Psol nasceram de dissidências do PT.
Federação já aprovada
A direção nacional da Rede Sustentabilidade aprovou a federação com o Psol, por decisão unânime de 73 votos, no dia 12 de março. O partido é representado nacionalmente por Wesley Diógenes e pela ex-senadora Heloísa Helena (uma das fundadoras do Psol).
No dia 30 de março, foi a vez de a Executiva Nacional do Psol aprovar a federação com a Rede. Vontade mútua selada. O próximo o é oficializar o registro da federação no TSE.
Com a federação, Rede e Psol têm a meta de eleger de 15 a 20 deputados federais no Brasil inteiro, superando a cláusula de barreira. Para isso, contam com puxadores de voto nos estados mais populosos, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Como parte dessa estratégia, as ex-senadoras Marina Silva e Heloísa Helena transferiram o domicílio eleitoral, respectivamente, do Acre e de Alagoas, para concorrerem a deputada federal, respectivamente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Hoje, juntos, Psol e Rede têm dez deputados federais, sendo apenas dois deles da Rede. Isso após a janela partidária.
O que é a federação?
Novo modelo de aliança entre siglas, a federação partidária é uma das principais novidades do sistema político brasileiro para as eleições de 2022. Implementada através da Lei 14.208, de 28 de setembro de 2021, ela permite a união de dois ou mais partidos com estatuto e pontos programáticos comuns registrados no TSE.
Os partidos que decidirem se unir em uma federação precisam atuar juntos pelos próximos quatro anos e apoiar o mesmo candidato a presidente este ano, assim como os postulantes aos governos estaduais e do Distrito Federal.
Rede e Psol devem apoiar Lula (PT) na disputa à Presidência – o que pode ser outro “contratempo eleitoral” para Audifax.
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