Coluna Vitor Vogas
Quem matou o MDB no Espírito Santo?
Tradicional partido vive a crônica de uma morte anunciada após a janela de filiações, e emedebistas apontam responsabilidades de Hartung, Lelo, Marcelino e Rose

Paulo Hartung, Lelo Coimbra e Rose de Freitas. Foto: Reprodução
Em 5 de outubro de 1988, o doutor Ulysses Guimarães promulgou a Constituição Cidadã. Os brasileiros tinham preocupações maiores. Grudados na telinha para acompanhar a novela “Vale Tudo”, logo ariam a se perguntar em coro: quem matou a vilã Odete Roitman? No momento, no Espírito Santo, a pergunta é outra: quem matou o partido do Senhor Diretas por aqui?
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Assim, mooooorto da silva e enterrado, com atestado de óbito político, epitáfio na lápide e obituário no jornal, o MDB no Espírito Santo não chega a estar. Mas também não está muito longe disso. O partido de Tancredo e de Ulysses (mas também de Temer, Sarney e Renan) é hoje neste Estado um paciente agonizante e intubado, que respira com a ajuda de aparelhos na UTI. E, dependendo do resultado das eleições de outubro, pode tanto se reerguer do leito como dar o último suspiro.
Em conversas reservadas com a coluna, emedebistas de diferentes “correntes internas” (rosistas e lelo-hartunguistas) confirmam o atual estado de “agonia política” do tradicional partido no Estado. Divergem, porém, quando instados a responder: se o MDB morrer de fato por aqui, qual terá sido a “causa mortis”? E quem terá sido “o autor do crime”, o assassino doloso ou culposo?
Alguns apontam o ex-governador Paulo Hartung, ladeado pelo ex-deputado federal Lelo Coimbra. Outros põem a culpa no ex-deputado federal Marcelino Fraga, seguido da senadora Rose de Freitas. E há mesmo quem atribua parcela de culpa a todos eles, em uma combinação de negligência e beligerância que produziu o colapso interno.
Em março do ano ado, a senadora Rose de Freitas tornou-se a presidente da Comissão Executiva Provisória no Estado, após praticamente três anos em que o partido esteve mergulhado em uma guerra política e jurídica pelo comando local, travada entre o grupo de Lelo, aliado histórico de Hartung, e o de Marcelino Fraga, mais alinhado com Rose e agora no PSDB.
Para as eleições deste ano, as perspectivas do MDB no Espírito Santo são desoladoras. Nas últimas semanas, marcadas pela janela partidária e pela temporada de filiação de pré-candidatos, o partido sofreu uma debandada de quadros importantes. Nos últimos dias, o clima interno era de “o último a sair apague a luz”.
Arrasada, a ex-deputada Luzia Toledo, amiga íntima de Rose e até então tesoureira estadual da sigla, trocou o MDB pelo Republicanos para tentar retornar à Assembleia Legislativa.
Guerino Zanon era o único prefeito do MDB em um município capixaba com mais de 100 mil habitantes. Renunciou à Prefeitura de Linhares e trocou o MDB pelo PSD, para poder se lançar na disputa a governador.
A porta de saída também foi atravessada pelo deputado estadual Hércules Silveira (único remanescente de uma bancada que chegou a ter incríveis sete membros na Assembleia, durante parte do último governo Paulo Hartung).
Para piorar, enquanto sofria esse volume de baixas, o MDB não conseguiu filiar absolutamente nenhum político com densidade eleitoral significativa no Espírito Santo. Nem unzinho sequer.
Resumindo: nestes dias tão decisivos, o partido só perdeu: viu emedebistas importantes partirem para outra legenda e não conseguiu atrair ninguém para compensar essas perdas.
Sob anonimato, pessoas ainda ligadas ao MDB confirmam à coluna o clima desalentador e usam expressões como “sangria”, “morte por inanição”, “tristeza” e “melancolia”. Atribuem o atual fundo do poço, em grande parte, à disputa interna autofágica em que o partido se meteu nos últimos anos no Espírito Santo (Lelo versus Marcelino).
Mas também existem queixas muito grandes em relação ao comportamento da senadora Rose de Freitas e à maneira como ela conduziu (ou não conduziu) esse processo.
Segundo fontes da coluna, desde que Rose assumiu a presidência estadual, foram realizadas pouquíssimas reuniões preparatórias para as eleições e não foi executado a contento o necessário trabalho de articulação política para a montagem das chapas proporcionais.
Justamente nos últimos e decisivos meses antes do fim do prazo para filiações, teriam faltado planejamento, organização e definição de estratégias eleitorais. Há muitas queixas veladas de que Rose teria se concentrado na própria campanha à reeleição e no mandato em Brasília, sem ter assumido pessoalmente a liderança da montagem das chapas, papel que competiria a ela como presidente estadual.
“O partido antes tinha Lelo e Marcelino brigando para ser a cabeça. Depois chegou a Rose e o partido ficou acéfalo”, formula um emedebista.
Desse modo, o coquetel que implodiu o MDB por dentro resultaria da mistura de muita briga interna de 2018 a 2021 com a inércia que tomou conta do partido de 2021 para cá. Até março de 2021, autofagia; desde então, letargia.
A consequência disso é que o partido chega a esta altura do calendário eleitoral, com o prazo de filiações recém-encerrado, sob forte desconfiança de que, em agosto, talvez nem mesmo consiga registrar chapas completas de candidatos a deputado estadual e a federal.
Essa desconfiança, intensa também dentro do partido, foi precisamente o que levou emedebistas de longa data como Hércules e Luzia a decidir que era hora de dar tchau: enxergando por dentro o iminente desmoronamento, eles mesmos não botaram fé na capacidade de o partido formar chapas e, em face dessa insegurança, decidiram partir para outro abrigo visando à própria sobrevivência eleitoral.
Percebendo o risco de desabamento, fugiram para não acabar soterrados em uma estrutura condenada.
Crônica de uma morte anunciada
É preciso enfatizar a vertiginosa rapidez com que se deu a queda, no Espírito Santo, de um partido que, até quatro anos atrás, ia muito bem, obrigado. Na eleição de 2014, o MDB conseguiu a façanha de fazer o governador (Hartung) e, de quebra, a senadora eleita pelo Espírito Santo (Rose). Sim, por conveniência mútua, eles toparam dividir aquela chapa. E ainda tinha o então senador Ricardo Ferraço.
Na eleição municipal seguinte (2016), graças ao controle do governo estadual e à influência de Hartung e de Rose, o MDB alcançou, de longe, o mais expressivo resultado entre todos os partidos no Estado: emplacou nada menos que 17 prefeitos. A cada cinco cidades capixabas, pelo menos uma era governada pelo partido.
Aí chegou 2018, e com ele começou o desastre anunciado. O primeiro ato: crendo que Hartung tentaria a reeleição, Rose troca o MDB pelo Podemos, para viabilizar sua candidatura ao Palácio Anchieta.
O segundo ato: em julho, a cerca de três semanas do fechamento e registro das chapas, Hartung anuncia que não disputaria a reeleição, deixando perdidos e perplexos os seus numerosos aliados, inclusive dentro do MDB.
O terceiro ato: praticamente sem escolha e sem tempo de organizar algo melhor, Lelo, então presidente estadual, leva o MDB para a coligação que tem Rose na cabeça, como candidata ao governo pelo Podemos.
Quarto ato: o resultado eleitoral é desastroso: Rose é mal votada e Lelo não consegue se reeleger para o 4º mandato seguido na Câmara, deixando o partido sem nenhum representante na bancada capixaba no Congresso (a esta altura, Ricardo Ferraço já tinha ado para o PSDB).
Quinto e fulminante ato: no fim de 2018, pouco antes de encerrar o governo, PH sai do MDB, deixando a agremiação sem pai nem mãe e indicando que já não queria a mais remota ligação com um partido no qual há tempos não se sentia à vontade. Para muitos, deixou o partido à deriva e abandonou à própria sorte aliados.
O que se seguiu foi aquela guerra autodestrutiva entre Lelo e Marcelino (este com a ajuda velada do governo de Renato Casagrande), com direito a reviravoltas jurídicas e invasão da sede do diretório, além do deprimente episódio de uma convenção mambembe, não reconhecida pela Justiça, com votos depositados em uma urna improvisada de papelão, realizada na Praça Getúlio Vargas em fevereiro de 2020.
O encolhimento se agrava
Os primeiros efeitos já se fizeram sentir na eleição municipal de 2020. Antes mesmo do pleito, o MDB já havia perdido, sob o assédio de outras siglas, alguns daqueles 17 prefeitos eleitos dois anos antes. Em novembro daquele ano, reduziu seu desempenho a menos da metade, emplacando só oito prefeitos no Espírito Santo.
Pior foi o feito negativo e absurdo de ter elegido apenas um vereador contando as cinco cidades da Grande Vitória: Lukinha Lube, o eleito com menos votos em Viana.
A rocambolesca briga prosseguiu, até que a Executiva Nacional do MDB instituiu uma comissão interventora para pôr ordem na casa e, em março de 2021, designou Rose (ah, sim, já de volta ao MDB) como presidente de uma Comissão Executiva Estadual Provisória. No mesmo mês, Marcelino foi expulso.
Lelo até tem assento no órgão provisório, mas, derrotado por cima, meio que lavou as mãos, cabendo a Rose desde então a tarefa de organizar o partido para as próximas eleições. Tarefa não assumida de fato nem cumprida a contento, como lamentam fontes do partido.
Aí, deu no que deu: tragédia iminente e anunciada.
E, como se as más notícias fossem poucas, Guerino acaba de migrar para o PSD, deixando o MDB com sete prefeitos. O número em si até que não é desprezível. Mas são todas cidades muito pequenas. Com base nas estimativas do IBGE para 2021, a maior delas, Vargem Alta, tem cerca de 22 mil habitantes. Somando a população das sete, não há hoje, no Espírito Santo, 95 mil pessoas sob um governo local do MDB. Isso não dá uma Aracruz, por exemplo…
De trimestre em trimestre
No último 21 de março, Rose completou um ano à frente do órgão provisório de direção do MDB no Espírito Santo. A Executiva Estadual do partido renovou novamente sua presidência por mais três meses, até o dia 21 de junho. É o que consta no site do TSE.
Poucos diretórios
O MDB hoje está constituído em 50 dos 78 municípios capixabas, mas somente em 24 deles com diretório definitivo (não provisório). Ou seja, só 30% das cidades capixabas hoje têm diretório permanente do MDB.
A título de comparação, o PP, partido que mais cresceu no Espírito Santo no período de filiações e trocas partidárias, está estabelecido em 77 dos 78 municípios (muito embora somente em 15 com diretório permanente).
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