Valdenir Rodrigues
Projeto de Lei aprovado pelo Senado provoca impactos nas relações locatícias
O artigo de hoje, dedica-se ao polêmico Projeto de Lei de nº 1179/2020. O texto, que teve início no Senado, traz interferências em diversos dispositivos legais, como o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Locações, o Estatuto da Terra, a Lei de Direito Concorrencial, o Código Brasileiro de Trânsito, e a Lei Geral de Proteção de Dados.
Face sua grande modulação de impactos em diversas matérias jurídicas, o texto de hoje esta dedicado a tratar da interferência nas relações locatícias.
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O Projeto de Lei inicial, no que tange à temática de locação estabelecida no Capítulo VI, acabou ando por modificações.
Após calorosa discussão entre os Senadores, o texto inicial foi alterado, sendo aprovado o seguinte texto legal:
Novo texto
Capítulo VI
Das Locações de Imóveis Urbanos
- Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.
- Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020.
A título de esclarecimento, a proposta inicial permitia que em qualquer situação, prevista no art. 59 da lei do inquilinato, a medida liminar de despejo (desocupação do imóvel) não seria concedida entre 20 de março à 30 de outubro, com exceção do art. 47, incisos I, II, III e IV da Lei nº 8.245
Além disso, ficou estabelecido que se locatários residenciais sofressem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderiam suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020.
Depois de diversas emendas propostas ao novo texto, o Senado decidiu suprimir boa parte do dispositivo legal, ficando decido que não será concedido liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, com algumas exceções:
- • O término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato;
- • A morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;
- • Havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.
Ou seja, nos casos acima apresentados, ainda cabe liminar para desocupação de imóvel oro meio de ações de despejo.
Em resumo, o Senado entendeu o tamanho do vespeiro que esta mexendo.
A relação entre locador e locatário é uma relação muito sensível. É notório que grande parte dos locadores dependem do recebimento dos alugueis para sustento próprio e de sua família, na mesma esteira, muitos os locatários, ou exercem sua moradia, ou exercem sua atividade comercial no imóvel alugado, também, fundamentais para o sustento próprio e de sua família. Em suma, ambas dependem da condição imobiliária saudável para o estabelecimento de sua ordem social.
O grande desafio é equalizar essa relação.
A proposta inicial interferia profundamente no pacto contratual de locação celebrado livremente entre pessoas capazes. Tirava a oportunidade das partes de buscarem, sem interferência direta do Poder Público, a melhor solução para as dificuldades provocadas pela pandemia.
Após muito debate, e forte interferência de diversos setores, os senadores optaram por privilegiar a garantia de posse do imóvel ao locatário.
Explico. Indo direto ao ponto, o Senado propôs que do dia 20 de março até 30 de outubro de 2020, o inquilino não poderá sofrer através de ação judicial com pedido de liminar (decisão emergencial sem oportunizar o contraditório), determinação de desocupação do imóvel. Significa dizer que se eventualmente o inquilino deixar de pagar seu aluguel, nem mesmo a Justiça poderá determinar a desocupação do imóvel até 30 de outubro de 2020, com as exceções já aqui apresentadas.
A proposta de lei acaba possibilitando certo acalento aos locatários, proporcionando de certa forma, garantia de posse até o mês de outubro do corrente ano.
Entretanto, é fundamental deixar muito claro, que o fato da proposta de lei proibir a concessão de medidas liminares para desocupação de imóveis durante o período de 20 de março à 30 de outubro de 2020, não significa que o inquilino deixará de pagar o aluguel, nos termos do contrato de locação, inclusive, se for o caso, com aplicação de juros e multa.
Logicamente, em período de pandemia e decretação de estado de calamidade pública, tudo fica nebuloso. Não há prognóstico de resultado claro e concreto, e por isso, medidas, das mais variadas, estão sendo adotadas, sendo algumas acertadas e outras não.
Hoje a posse foi privilegiada, mas em momento futuro, talvez, poderá haver uma significativa demanda de processos judiciais provocados pelas inadimplências derivadas dessa medida.
Por fim, vale mencionar, que já existem algumas ações judiciais, pautadas na tese da teoria da imprevisão, que dão azo a questionamentos e até revisões de acordos com base na imprevisibilidade de resultados negativos da pandemia, bem como nos impactos econômicos inesperados.
Recentemente, a título de exemplo, houve uma decisão judicial do Estado do Espírito Santo que permitiu, pela via liminar, a concessão da suspensão momentânea de pagamento de 30% do valor do aluguel, ou seja, o locatário, conseguiu pela via judicial um “desconto” no pagamento de seu aluguel. Lembrando, não se trata de isenção, mas suspensão do pagamento.
Em contrapartida, um caso similar, ocorreu no Estado de São Paulo, decidindo o Poder Judiciário de SP pela negativa do pedido de redução do pagamento do aluguel, ainda que transitório.
Veja o conflito de decisões e a instabilidade jurídica do Poder Judiciário. Não há e não haverá, ao menos por agora, uniformidade de entendimento para esses casos.
Portanto, o bom diálogo, a transparência, o bom senso e a clara percepção de que o contrato precisa ser bom as partes contratantes, são recomendações primorosas. O que se deve primar é pela conservação da relação contratual e não pela rescisão.
Com o escopo de facilitar a busca por um acordo bilateral, apresento algumas propostas que podem ser trabalhadas:
- • Suspender um percentual do pagamento de aluguel, sem aplicação de multa e juros. A suspensão fica condicionada por um tempo, ficando estabelecido que o pagamento do aluguel suspenso será realizado parceladamente junto com os alugueis futuros.
- • Outra saída pode ser a isenção de atualização monetária anual do contrato (em regra, feita pelo IGPM). O locatário continua realizando o pagamento do aluguel, e o locador, face sua excelente postura de bom pagador, lhe proporciona esse bônus.
- • No caso de imóveis, localizados em condomínios, poderá o locatário propor o pagamento em período de pandemia apenas dos encargos órios, como IPTU e condomínios.
- • Há também a possibilidade do locador se tornar sócio investidor do empreendimento, com a supressão do pagamento de aluguel, o locador ganha um crédito que pode ser revertido em quotas societárias.
Não existe regra definida. Cada um, face as características regionais e culturais, deverão achar a melhor solução que privilegie as partes contratantes.
Lembro, trata-se de proposta de lei que ainda ará pela Câmara dos Deputados, podendo inclusive, sofrer algumas alterações. De qualquer modo, acredito que o texto proposto, não será excluído, e portanto, o presente artigo servirá de apoio preventivo para que locadores e locatários, busquem alternativas saudáveis para mantença de sua relação contratual.
Por fim, chegando a um consenso, jamais deixe de formalizar o acordo. Utilize-se de assessoria de jurídica especializada em contratos imobiliários.
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