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Coluna Vitor Vogas

Polêmica sobre aborto legal e juíza vira embate na Câmara de Vitória

De um lado, Davi Esmael e Luiz Emanuel; do outro, Camila Valadão e Karla Coser. Como virou hábito ali, debate virou bate-boca, e grosserias (de “mimada” a “sem noção”) suplantaram os argumentos

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No sentido da leitura: Davi Esmael, Karla Coser e Luiz Emanuel

Adivinhem! Para surpresa de ninguém, a polêmica envolvendo a saga da menina de 11 anos para conseguir exercitar o seu direito ao aborto legal e a atuação da juíza Joana Ribeiro Zimmer, em Santa Catarina, foi parar no plenário da Câmara de Vitória, onde virou motivo de debate (aliás, embate) entre os vereadores. Mais uma vez, porém, a discussão não se deu no nível que se gostaria de ver por parte dos parlamentares, descambando para grosserias e exaltação dos ânimos. Karla Coser (PT) chegou a ser chamada de “mimada” por Luiz Emanuel Zouain (Cidadania).

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Tudo começou quando a vereadora Camila Valadão (Psol) foi à tribuna, de onde manifestou seu repúdio à juíza Joana Zimmer: “Não só não garantiu o direito legal à menina como também a manteve praticamente em cárcere em um abrigo, longe de sua família, para que seu direito não fosse garantido”. Disse, ainda, que ficou emocionada com “tamanha barbaridade” por parte da juíza na maneira como conduziu a audiência, fazendo à menina perguntas nitidamente direcionadas para induzi-la a mudar de ideia e manter a gravidez. Segundo a vereadora, a magistrada “revitimizou a vítima”, “torturando-a” e “coagindo-a”.

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Após o pronunciamento da socialista, o presidente da Câmara, Davi Esmael (PSD), decidiu “fazer uso da fala”.

Ao abordar o assunto, respondendo diretamente a Camila, o presidente fez a defesa da atuação da juíza, concentrando-se na questão do tempo de gestação que a criança já tinha quando sua mãe procurou um hospital para que ela pudesse realizar o abortamento legal:

“A criança de 11 anos estava já na sua 23ª semana. Qual é a omissão desses pais diante de 23 semanas de gestação, quando a medicina, a ciência que você brada todo o tempo, diz que no máximo com 20 semanas? A partir dali o aborto legal nem é mais permitido, porque é uma vida.”

(Parêntese: a legislação brasileira, que permite o aborto em caso de estupro, não fala em limite de tempo de gestação para realização do procedimento.)

Davi então é interrompido por Karla, que afirma que o pai é o estuprador. O presidente prossegue: “Estou falando de seis meses, quase seis meses, e daquilo que precisa ser feito”.

Nesse momento, Luiz Emanuel pede um aparte a Davi: “Eu fico me perguntando: qual é o maior trauma para essa criança?”

Do seu lugar, falando fora do microfone e de modo inaudível na transmissão da sessão, Karla lhe responde. É possível deduzir que a petista se antecipa em dizer que o maior trauma é o de ter sido estuprada. Luiz Emanuel rebate:

“Isso é o que vocês pensam. O trauma do estupro eu não estou discutindo. Eu estou discutindo depois. Mas o trauma de ter retirado um filho, que ela vai ter que conviver com isso. Eu quero saber quem é que vai cuidar disso: é o Estado que vai cuidar agora da emoção dessa criança? É o Estado do PT e do Psol?”

Karla retruca:

“Sim, porque a menina disse que não quer a criança, gente! É porque vocês não são mulheres, porque vocês não têm noção do que é ter um filho…”

Ela, então, é cortada ao mesmo tempo por Davi e por Luiz Emanuel. O clima esquenta ainda mais. O presidente replica: “E você não é o bebê, pra abrir tua boca e falar em defesa daquele que não tem voz! Não tem voz!”

Ao mesmo tempo, Luiz Emanuel diz à petista:

“Deixa de conversa fiada, vereadora! Quem não tem noção aqui é você. Você não tem 60 anos, como eu tenho, pra dizer isso. Quem é você, vereadora? A vida pra você não serve pra nada. Conversa fiada!”

Karla responde ao adversário:

“Quem sou eu? Eu sou uma mulher, feminista, vereadora, que tem legitimidade pra estar aqui neste espaço e defender o abortamento legal, conforme o nosso Código Penal.”

Luiz Emanuel volta à carga:

“Você tem legitimidade, sim. Mas não pra vir falar que as pessoas não têm noção. Quem não tem noção é você. Você é uma menina mimada! Isso é o que você é!”

Davi, então, a a criticar o ex-presidente Lula, para depois retomar seu argumento:

“Repito: eu não estou falando de uma gestação de uma, duas, três, quatro, cinco, dez semanas. Vinte e três semanas! Já era possível se fazer parto. E agora, vereadora Karla? Em que consiste o aborto legal de uma criança de 23 semanas se não forçar um parto? A diferença é se é parto com vida ou sem vida. Vocês incentivam o parto sem vida. […] De novo: a ciência disse que não é caso de aborto após 20 semanas.”

Nova interrupção e uma discussão paralela entre Luiz Emanuel e Camila Valadão, sobre a “indústria do aborto”. Davi retoma a palavra para dizer: “Além de pecado, é crime! E precisa ser entendido: o que vocês querem é permitir esse crime em uma incidência cada vez maior”.

Camila, então, o interpela:

“Presidente, o senhor não criticou. O senhor acha, então, que a postura da juíza foi correta, que ela conduziu corretamente?”

“Eu [a] parabenizei nas minhas redes sociais”, responde Davi.

“Então você concorda com a tortura e com a coação que foi feita com a criança?”, redobra Camila.

“Não, não… Você concorda com ao assassinato que foi praticado. Você, Camila, concorda com assassinato”, responde Davi.

“Você concorda com a tortura da juíza, revitimizando [a menina]?”, insiste Camila.

“Eu parabenizo a juíza”, conclui Davi.

Entenda o caso   

Basicamente, a juíza Joana Zimmer impediu a menina de realizar o aborto legal, como a mãe e ela mesma queriam. Para isso, chegou a determinar que ela ficasse em um abrigo, longe da família.

Como o site The Intercept Brasil e o portal Catarinas mostraram, em reportagens publicadas na última segunda-feira (20), uma menina de 11 anos de Santa Catarina, cujo nome obviamente é mantido em sigilo, engravidou após ter sido vítima de um estupro. No dia 4 de maio, dois dias após a descoberta da gravidez, sua mãe procurou um hospital ligado à Universidade Federal de Santa Catarina, para que ela, então com 10 anos, pudesse realizar o abortamento legal – o Código Penal brasileiro autoriza o procedimento em caso de risco à vida da gestante e/ou de gravidez resultante de estupro.

O hospital negou-se a realizar o procedimento, sob a alegação de que a menina já estava com 22 semanas de gestação.

Dois dias depois, a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de Santa Catarina, ajuizou uma ação cautelar, pedindo à Justiça que a menina fosse acolhida em uma instituição, a fim de protegê-la de novas violências sexuais.

O processo corre na 1ª Vara Cível de Tijucas, a 50 quilômetros de Florianópolis, que tinha por titular a juíza Joana Zimmer (promovida antes da repercussão do caso e transferida para a cidade de Brusque). Acolhendo o pedido da promotora, a magistrada determinou o recolhimento da menina a um abrigo.

A justificativa, segundo reportagem do Correio Braziliense, foi a de que a medida serviria para proteger a criança, porque há indícios de que os abusos ocorriam em casa. Mas, em despacho, a magistrada argumentou que havia “risco” de que a mãe efetuasse “algum procedimento para operar a morte do bebê”.

“Se no início da medida protetiva o motivo do acolhimento institucional era a presença de suspeitos homens na casa, o fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”, escreveu Zimmer.

No despacho, ela defendeu a continuidade da gestação. E citou que o aborto deve ser realizado em até 22 semanas de gravidez ou se o feto atingir 500 gramas – independentemente de a vida da menina estar em risco.

Em audiência relacionada ao caso, no dia 9 de maio, a juíza tentou convencer a menina a manter a gravidez até o fim.

As reportagens trouxeram trechos da audiência com a criança, quando a juíza induz a menina a “segurar” a gestação. “Quanto tempo que você aceitaria ficar com o bebê na tua barriga para a gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulmãozinho dele ficar maduro, para a gente poder fazer a retirada para outra pessoa cuidar?”, pergunta Zimmer.

A menina responde: “Não sei”. A juíza insiste: “Se a tua saúde asse (a gestação), tu aria ficar mais um pouquinho com o bebê? Mais duas ou três semanas?” A magistrada pergunta até se a criança tinha escolhido o nome do bebê.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento istrativo disciplinar para apurar a conduta de Zimmer. A Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina também analisa se houve desvio de conduta no caso.

Na última terça-feira (21), a Justiça catarinense autorizou a menina a sair do abrigo para onde havia sido levada após decisão judicial de Zimmer, o mesmo no qual era mantida havia mais de um mês. Ela já deixou a instituição.

A defesa da vítima ingressou com um habeas corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, para realizar o procedimento de interrupção da gravidez. Mesmo que o aborto nesse caso não dependa de autorização judicial, o pedido foi apresentado como uma espécie de garantia pela advogada que representa a criança.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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