Coluna Vitor Vogas
Opinião: com guerra entre Pazolini e Estéfane, quem mais está perdendo é Vitória
Nunca antes na história da cidade tinha se visto um constrangimento público tão grande entre as duas maiores autoridades da mesma istração municipal. Pazolini tem muito mais a perder que a sua vice, e é preciso colocar um freio nisso

Pazolini ao lado da sua vice, Capitã Estéfane, durante a campanha eleitoral. Foto: Facebook
A semana que se encerra neste sábado (12) foi marcada por duas cenas sem precedentes, que serão lembradas por muito tempo nos anos por virem e que expam um grau de belicosidade inimaginável entre o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, e sua vice, Capitã Estéfane, de um modo que causou perplexidade até para quem segue de perto a cena política local.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
A primeira, na quarta-feira (9), uma disputa literal pela posse de um microfone, desenrolou-se perante uma plateia compulsória formada por vovozinhos e vovozinhas. A segunda, uma inaudita lavagem pública de roupa suja, foi pior ainda: deu-se diante de um grupo de criancinhas, reféns de um conteúdo inadequado para maiores de idade.
Ficamos a nos perguntar: qual será o cenário e o público cativo do próximo “espetáculo”? Pacientes internados num hospital? Doentes esperando atendimento numa unidade municipal de saúde? A animosidade entre os dois fugiu completamente do controle e já extrapolou todos os limites de civilidade que se espera de pessoas públicas – neste caso, investidas de mandato pelo povo da Capital como legítimos representantes da cidade. Mas assim não têm se portado.
Mesmo em matéria de “tretas políticas”, prefeito e vice-prefeita conseguiram ultraar as raias do realismo fantástico. Precisam colocar um freio nisso, para o bem da municipalidade e por respeito aos munícipes que estão assistindo (alguns ao vivo e in loco, como audiência forçada) aos atos públicos da guerra declarada entre os dois.
A segunda cena foi particularmente surreal: instantaneamente, ganhou lugar de honra na prateleira dos “momentos mais constrangedores da história política capixaba”. Com crianças sentadas no gramado e a separar os dois, Estéfane rebateu linha por linha uma nota oficial da assessoria do prefeito enviada na véspera à imprensa, disse a todos os presentes que ele não a respeita de verdade, que a nota era mentirosa e que eles não se falam há mais de um ano.
A poucos metros de distância, assistindo a tudo desde o início, Pazolini assumiu a palavra e, antes de a saudar pelo nome, dirigiu uma indireta à sua vice, comparando-a a um tambor, que “faz muito barulho”, mas por dentro é “oco”, “raso”, “rasteiro”, “baixo” e “vil”. De longe, o que se pôde ouvir foram os tambores de guerra troando.
Quem mais está perdendo com esse litígio público entre prefeito e vice-prefeita é a própria cidade de Vitória e a istração de Pazolini. A troca de hostilidades atingiu patamares inéditos e está muito feia em todos os sentidos: tão grave quanto vexatória. Muito ruim para a imagem dos personagens envolvidos, mas, acima de tudo, para a da istração.
Claro! Com as duas maiores autoridades do governo municipal guerreando entre si publicamente, de maneira tão ostensiva e embaraçosa, nas redes sociais e em uma série de eventos oficiais, a imagem institucional da própria Prefeitura de Vitória também acaba arranhada. É um dano colateral inevitável, à medida que a crise política entre os dois ganha tais proporções e é tornada pública de uma forma que parece fora do controle.
> Climão ao quadrado: Estéfane rebate nota de Pazolini em público e diante do prefeito
Sem precedentes
Em qualquer instância federativa (que o digam Temer e Dilma), um(a) vice brigar com o(a) chefe do Executivo é até certo ponto comum.
Se o vice eleito com o titular da chapa não mantiver com este, no decurso do mandato, uma ótima relação política, a a ser visto frequentemente como aquela ameaça permanente, sempre a espreitar o andar mais alto da hierarquia de poder; para minar essa ameaça, muitos prefeitos, governadores e presidentes cuidam logo de podar as asas de seus substitutos imediatos, deixando-os à míngua, sem lhes conceder nenhum espaço de atuação política dentro da istração.
Alguns vices, ressentidos com essa falta de visibilidade, chegam mesmo a conspirar para puxar o tapete do prefeito, governador ou presidente (de novo: que o digam Temer e Dilma), o que só amplifica a tensão interna.
Para provar essas assertivas, não é preciso ir muito longe. Muito além do exemplo mais famoso que culminou com o impeachment da presidente da República em 2016, há uma série de precedentes na história política do próprio Espírito Santo e mesmo de Vitória, alguns dos quais bem recentes.
No início de 2020, final da última gestão de Luciano Rezende na Capital, o engenheiro Sérgio Sá era vice-prefeito, lançou pré-candidatura à sucessão de Luciano e começou a fazer algumas críticas à istração municipal (da qual era parte). O então prefeito o tirou do comando da Secretaria de Obras de Vitória – tocada por Sá desde o início da gestão – e o deixou a pão e água, confinado no gabinete do vice-prefeito no prédio da PMV.
Já no governo do Estado, houve três casos notórios, entre os anos 1980 e 2000, de vice-governadores que terminaram os mandatos rompidos com os respectivos governadores: Carlos Alberto Batista da Cunha com Max Mauro (1987-1991), Adelson Salvador com Albuíno Azeredo (1991-1995) e Celso Vasconcelos com José Ignácio Ferreira (1999-2002).
Enfim, precedentes há aos montes. Mas repito: cobrindo a política estadual desde 2008, não me recordo de alguma vez ter visto uma cena tão constrangedora de embate direto e público entre prefeito e vice-prefeita como a protagonizada por Pazolini e Estéfane na última quinta-feira.
E, se essa “treta descontrolada” não é benéfica para nenhum dos dois diretamente envolvidos, creio não haver correspondência no prejuízo político que semelhante contenda pode causar a cada um: não cabe dúvida de que ela é ruim principalmente para Pazolini, que tem muito mais a perder com tudo isso.
> A Guerra do Microfone: Pazolini compartilha post que trata vice-prefeita como traidora
Muito pior para o prefeito
Ao que parece, após ter sido privada até dos assessores pessoais, Estéfane na verdade não tem mais nada a perder expondo a si mesma e à gestão: politicamente invisibilizada até aqui, como ela mesma alega, a vice-prefeita de súbito despontou para os holofotes, ao dar seu grito de “basta”. Pazolini, ao contrário, tem muito a perder, a persistir ou até agravar-se essa batalha aberta. Afinal, é ele o prefeito, é ele a cara da prefeitura.
E é ruim para ele, ainda, porque essas querelas públicas acabam até ofuscando ou suplantando iniciativas positivas que a prefeitura esteja realizando. Tomem-se os dois casos concretos, por exemplo.
A “batalha pelo microfone” foi encenada durante um evento relacionado a um novo Centro de Convivência da Terceira Idade, em Jardim Camburi, o bairro mais populoso da cidade, na zona norte, continental. Legal, né? Ninguém nem prestou atenção direito a isso. O que viralizou mesmo foram aqueles dez segundos de queda de braço pelo microfone, com o vereador Maurício Leite no meio dos dois (qual juiz).
No dia seguinte, o duelo do “mentiroso e desrespeitoso” contra o “tambor ruidoso, mas vazio” ocorreu durante a solenidade de inauguração das obras de revitalização do Parque Municipal Gruta da Onça, verdadeiro recanto ecológico, santuário de paz e comunhão com a natureza encravado no Centro da cidade (zona sul, insular). Em face do insólito confronto, a razão de ser do evento ficou completamente em segundo plano. Até a onça corou de vergonha alheia e, vexada, preferiu recolher-se à gruta: “Vejo as novas instalações depois, quando esses seres bravos forem embora”.
Portanto, de norte a sul da cidade, a prefeitura está fazendo ações legais, mas…
> Entrevista: “Pazolini não foi eleito sozinho”, desabafa Capitã Estéfane
Parâmetros mínimos de convivência
Dia desses, ao discorrer sobre o “campo minado” em que o pós-eleições transformou-se para Pazolini, escrevi que ele necessita urgentemente reconstruir seu grupo político, para não acabar em total isolamento, encastelado em seu gabinete e cercado por adversários a rodear a sede da PMV.
Mais que o grupo político, talvez o prefeito precise se preocupar com uma reconstrução de imagem, de posicionamento, de marca da gestão, pois nos últimos tempos, no noticiário político, ele tem aparecido quase sempre por conta de conflitos marcados por certa impulsividade e reações aparentemente não muito bem calculadas, seja com o governador, seja agora com a vice-prefeita.
Ao rechaçar, ponto por ponto, a nota da Prefeitura de Vitória, Estéfane afirmou que ela e Pazolini não se falam pessoalmente há mais de um ano, pois ela tem dignidade e cansou-se de se humilhar e de tomar chá de cadeira. Talvez o que esteja faltando neste momento seja exatamente isso: os dois se sentarem frente a frente, como adultos, para terem uma conversa franca, olhos nos olhos…
Não em busca de reconciliação nem de um entendimento político – esse caldo já entornou: a relação dos dois é ruim há muito tempo, vem se deteriorando desde a transição, e Estéfane hoje está em um campo político oposto ao do prefeito no Estado, como ela mesma tratou de demonstrar cabalmente ao declarar apoio à reeleição de Casagrande no 2º turno contra Manato. Não é isso.
Refiro-me a um diálogo visando ao estabelecimento de um padrão de convivência minimamente respeitosa, civilizada e, acima de tudo, institucional, respeitando os cargos que ocupam e em especial o povo da cidade. Não precisam ser amigos nem aliados. Mas também não precisam se digladiar assim em praça ou parque público… Podem manter uma relação institucional pautada pela cordialidade e pelo respeito mútuo, principalmente em público. Se forem capazes, é claro.
Pazolini, creio, está precisando de aliados e amigos de verdade que lhe alertem sobre os prejuízos que essas sucessivas tretas causam à sua imagem e à de sua gestão, e que possam, em nome dele, articular uma operação diplomática visando à de um armistício, um tratado de paz, um pacto de não agressão (pelo menos não de forma pública) com a vice-prefeita eleita com ele.
Afinal, a atual istração não chegou nem à metade. Eles têm mais de dois anos pela frente de convívio compulsório no mesmo governo… Se a coisa já chegou a este ponto, a esta altura, e os dois não fizerem nada a respeito, o que poderemos esperar na segunda metade do mandato?
> Vice tem ou não tem direito à fala em eventos oficiais? Entenda
O papel de Estéfane
Sobre o papel cumprido por Estéfane nesta história, com base em opiniões colhidas pela coluna, há basicamente duas maneiras de interpretá-lo – e essa interpretação varia conforme o posicionamento da fonte.
Pessoas que simpatizam mais com Pazolini consideram que a vice-prefeita teria sido mesmo desleal a Pazolini e agora estaria posando de vítima. Não só estaria exagerando nas acusações de “exclusão”, “silenciamento”, “cerceamento”, “violência política de gênero” etc. como dando cada o de maneira friamente calculada.
Seu objetivo seria o de “ganhar mídia”, a atenção da imprensa e do público nas redes sociais, a fim de se projetar politicamente com vistas a uma cadeira de vereadora na eleição de 2024. Há quem diga que a capitã da reserva da PMES aspiraria até à sucessão de Pazolini. Em entrevista à coluna, ela negou essa especulação.
Por outro lado, pessoas mais críticas a Pazolini não só se solidarizam com Estéfane como estão completamente convencidas de que ela realmente não é senão vítima nessa história.
Em silêncio, a vice-prefeita teria ado quase dois anos inteiros do que teria sido, de fato, uma sucessão de humilhações e tentativas de silenciá-la e cercear o exercício pleno do seu mandato, impostas por um prefeito em quem até alguns aliados reconhecem um perfil centralizador.
Após todo esse período engolindo sapos e reprimindo a frustração (too much for too long), a represa de repente transbordou. Ela chegou ao limite, explodiu e, como disse, não vai mais se calar. O próximo o deverá ser a tomada de providências legais contra o prefeito.
É claro que as duas coisas podem ser concomitantes, não se excluem mutuamente. Ela pode ser vítima, sim; mas, ao se rebelar dessa maneira, está ganhando grande projeção.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
