fbpx

xColunas

O que define um impeachment é a política, não as provas

Publicado

em

O depoimento do ex-ministro Sérgio Moro foi recebido de forma polarizada, como não poderia deixar de ser no país da polarização. Os aliados do presidente Jair Bolsonaro usaram uma frase proferida pelo mesmo Moro, quando da revelação de seus diálogos com o grupo da Lava Jato pelo site The Intercept, para definir suas acusações: “a montanha pariu um rato”. Os opositores de Bolsonaro ressaltaram o interesse flagrante do presidente na mudança da Superintendência do Rio como indício fortíssimo de tentativa de proteger os filhos, envolvidos com milicianos, rachadinhas e sabe-se mais quais confusões.

Moro é juiz experiente. Teve um comportamento claro no seu depoimento: caso entregasse qualquer prova de crime do qual eventualmente pudesse ter conhecimento e, mesmo assim, não tivesse trazido a público na época na qual ocorreu, poderia ser acusado de conivência, prevericação. É evidente a sua insistência em afirmar, ao longo de todo o depoimento: “Em nenhum momento afirmei ter o presidente cometido algum crime. Isso cabe às investigações…”

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Moro é político iniciante. Mas mesmo o mais iniciante dos políticos sabe: nesse universo não é necessário provas, mas argumentos. Tanto para o debate político quanto para momentos mais agudos, como o impeachment.

O Brasil tem em sua história recente três processos de impeachment. O primeiro deles, de Collor de Mello, não foi finalizado. Collor renunciou poucos minutos antes da sessão final do Congresso.  Poucas pessoas sabem, mas o Supremo Tribunal inocentou o ex-presidente por falta de provas. Collor caiu por absoluta falta de apoio político…

O caso de Dilma Rousseff talvez seja ainda mais emblemático. Ganha uma viagem para Cuba quem souber explicar a pedalada fiscal usada como argumento para derrubar a “presidenta”. Assim como no caso Collor, a corrupção desenfreada e a sucessão de denúncias criaram as condições políticas para sua queda.

Sabedor disso, Michel Temer usou todos os argumento$$ político$$ para controlar os votos da Câmara nas duas tentativas de impeachment movidas contra ele. Raspou os cofres públicos, mas conseguiu o apoio para se livrar dos processos. E ocorreu o contrário dos processos anteriores: prova havia, mas a vontade política foi, digamos, desestimulada…

Juridicamente, o depoimento de Moro pode ter ou não validade. Isso o tempo dirá. A questão mesmo é política. Hoje, a avaliação em Brasília é simples: é inviável acrescentar uma nova crise ao caos na saúde e ao debacle econômico já enfrentadas pelo país. Mas… tem Bolsonaro. A cada dia o presidente testa os limites a ele impostos pela Constituição, pela democracia, pelas instituições. Pois desde o final de semana, ele tem algo novo a testar: seu limite político. O depoimento de Sérgio Moro está posto sobre a mesa da Justiça, mas também sobre a mesa do Congresso. O apoio político do presidente é extremamente frágil (e o Centrão não é nada confiável…). As afirmações de Moro ficarão como uma carta na manga de seus adversários (e também de seus novos velhos amigos do Centrão). Ela poderá ser usada quando eles acharem mais conveniente. E daí não valerão argumentos jurídicos. Porque, como se sabe, água de morro abaixo, fogo de morro acima e político quando quer derrubar… ninguém segura (a versão original é diferente, mas está valendo…).

Antonio Carlos Leite

Antonio Carlos tem 32 anos de jornalismo. E um tempo bem maior no acompanhamento das notícias. Já viu muitos acontecimentos espantosos. Mas sempre se sente surpreendido por novos fatos, porque o inesperado é a maior qualidade das coberturas jornalísticas. E também da vida...

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.