Coluna Vitor Vogas
Magno quer discutir aumento do número de ministros do STF: “Mais que necessário”
Senador eleito opina que é preciso mudar a composição do Supremo. Ideia, entretanto, deve inspirar cautela: já foi colocada em praticada por Chávez, Orbán e outros ditadores mundo afora, como meio de controlar o Judiciário e concentrar poderes na Presidência

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O senador eleito Magno Malta (PL) pretende discutir seriamente o aumento do número de ministros do Supremo Tribunal Federal (fixado em 11 pela Constituição de 1988), quando voltar ao Senado em fevereiro do ano que vem. Em áudio enviado à coluna por intermédio de sua assessoria, o aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) opinou que é “mais que necessário” mudar a composição do STF.
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“Essa é uma pauta a ser discutida: mudar a composição do Supremo Tribunal Federal. É um tema para ser debatido. E certamente é um tema que eu acredito que quero participar e estarei participando desse debate. É muito importante. Com o número de ministros que hoje existem e como eles se manifestam ideologicamente, isso é mais que necessário, pois senão o país vai ficar inável.”
No último dia 7, o presidente Bolsonaro levantou a ideia da ampliação das vagas no Supremo, ao afirmar, durante entrevista a um canal bolsonarista no YouTube, que “recebeu propostas” nessa direção e que poderia discutir o tema após as eleições. Uma das ideias mencionadas por ele foi a de aumentar a composição dos atuais 11 para 16 ministros.
Com os dois que ele já indicou (Mendonça e Nunes Marques), mais os dois que poderá indicar nos próximo mandato se reeleito, isso lhe daria um total de nove ministros escolhidos por ele mesmo em um total de 16 (a maioria, portanto, quase num e de mágica).
O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), eleito senador pelo Rio Grande do Sul, também tem defendido publicamente essa e outras ideias para interferir na formação do STF, como diminuir a idade da aposentadoria compulsória (hoje fixada em 75 anos) e limitar o alcance de decisões monocráticas dos ministros.
Já no debate com Lula na Band, realizado no dia 16, Bolsonaro, indagado sobre o tema por uma jornalista, disse não ter a intenção de mexer no número de vagas, resposta também dada por Lula.
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Como senadores eleitos, Magno e Mourão, assim como todos os 594 membros do Congresso Nacional, terão legitimidade para efetivamente debater esses temas.
No entanto, o povo brasileiro precisa tratar a questão com extrema cautela e permanecer atento à eventual ampliação do número de cadeiras no STF e ao que isso poderá significar.
Ao lado da antecipação de aposentadorias, da destituição de ministros e da limitação de suas prerrogativas, o aumento do número de vagas é uma estratégia classicamente utilizada por governos autoritários para minar a independência do Judiciário e maximizar o próprio poder.
Hugo Chávez, um autocrata de extrema-esquerda, aumentou o número de cadeiras da Suprema Corte da Venezuela (tão repudiada por Jair Bolsonaro) em 2004. O mesmo foi feito na Hungria pelo ultranacionalista Viktor Orbán, um autocrata de extrema-direita com quem Bolsonaro, ao contrário, cultiva muito boas relações. Também foi feito na Polônia governada por um partido de ultradireita e até pela ditadura militar brasileira.
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Como nos ensinam Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em “Como as democracias morrem”, golpes violentos de Estado são coisa do ado no mundo moderno. Em Estados contemporâneos, aspirantes a ditadores conseguem chegar ao poder pela via democrática, com autoridade legitimada pelo povo; uma vez no poder, instituem regimes autocráticos por dentro, minando gradativamente a força das instituições democráticas e concentrando poderes na Presidência.
Para isso, é fundamental dominar os outros dois Poderes que, em toda democracia sólida, exercem o sistema de freios e contrapesos, impedindo justamente a hipertrofia do Executivo: o Legislativo e o Judiciário.
À medida que assume o controle do Parlamento e da Suprema Corte, o aspirante a autocrata consegue concentrar poderes na Presidência, evoluindo gradualmente para uma situação de poderes ilimitados. Quando o povo se dá conta, já é tarde: não há mais Congresso ou Supremo para barrar qualquer medida do governo contrária aos interesses do próprio povo.
Mas como um aspirante a autocrata consegue ar a controlar uma Suprema Corte? Como nos ensinam Chávez, Orbán e tantos outros, o truque mais velho do manual é, precisamente, mudar a Constituição Federal para aumentar o número de vagas dos ministros do tribunal, ficando autorizado a indicar soberanamente, com total autonomia, os juristas de sua predileção que preencherão essas novas vagas.
De súbito, o governante forma ali uma maioria de ministros que lhe são subordinados politicamente e comprometidos a fazer vista grossa para qualquer medida sua, ainda que inconstitucional e ainda que voltada contra o próprio Supremo.
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O constituinte, lá em 1988, não escreveu a Constituição como está escrita por acaso. Regras constitucionais existem por um motivo, devem ser respeitadas ferreamente e não rasuradas e alteradas de maneira casual, ao sabor da conveniência do governante da vez.
Desde a redemocratização do país, a regra foi a mesma para todos os presidentes da República. O Supremo hoje tem ministros indicados por FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Todos puderam indicar os seus, assim como o próximo presidente eleito, seja ele Bolsonaro ou Lula, poderá indicar mais dois no seu período de mandato – respeitando-se a regra da substituição somente em caso de vacância por aposentadoria compulsória, por idade, de um dos membros da Corte.
Alargar o Pleno do Supremo é mudar a regra do jogo com o jogo em andamento. Seria como mudar a Constituição para que, em vez dos atuais 513 deputados, a Câmara asse a contar 1.026, com os novos 513 escolhidos não pelo povo, por meio de eleições livres, mas indicados pessoalmente pelo presidente, que automaticamente desfrutaria de maioria na Casa. Eu pergunto: isso lhes soa justo?
Mesmo que tratada só em tese, a ideia em si não é boa, pois abre essa brecha perigosa para que qualquer governante eleito, não apenas Bolsonaro ou Lula, comece a abrir para si mesmo os caminhos visando à implantação de uma não proclamada autocracia, disfarçada de democracia.
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