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Houve exagero nas estatísticas sobre a covid-19?

Gráfico do centro de estudos da Universide Johns Hopkins mostra a evolução dos casos de covid-19 no mundo. Foto: Reprodução/Universide Johns Hopkins
O mundo deverá encerrar o dia de hoje (14 de abril) com dois milhões de casos confirmados de covid-19. E também com o terrível número de 120 mil mortos. Estatísticas tenebrosas, sem dúvida, principalmente quando se leva em consideração a subnotificação, a falta de testes em quantidade suficiente e também o descontrole dos dados em dezenas de países (o continente menos afetado é a África, onde o atendimento de saúde e os registros dos casos são, infelizmente, bastante frágeis). Mas apesar da dramaticidade exposta pelos números, existem alguns sinais de arrefecimento no avanço da pandemia pelo mundo. Itália e Espanha ainda vivem dias tenebrosos, mas eles são menos terríveis quando comparados com as horas vividas semanas atrás. A Itália registrou ontem 566 mortos. Número assustador, sem dúvida. Mas no dia 26 de março foram 969 óbitos. Algo semelhante vem ocorrendo na Espanha. Outros países europeus já discutem o relaxamento das medidas de isolamento. E mesmo uma consulta rápida ao gráfico de monitoramento mantido pelo centro de estudos da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, mostra uma estabilização, com tendência de queda, nos dados mundiais.
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Diante disso, a OMS sugeriu ontem a alguns países a elaboração de estudos sobre como relaxar o isolamento total e sobre quais cuidados sanitários devem ser tomados para a retomada da normalidade das atividades econômicas e sociais.
Calma. A intenção não é prever ou anunciar sinais de solução para a maior crise vivida pelo planeta nas últimas décadas. É só uma constatação: o número de casos e mortes registradas vem caindo, mais ou menos como um carro de Fórmula 1, cuja velocidade anterior era de 300 km/h e agora está andando a “meros” 200 km/h. Para nós, no Brasil, fica a preocupação diante do fato de essa corrida estar apenas em sua parte inicial em terras tupiniquins…
De qualquer forma, a constatação sobre a redução do ritmo da pandemia no planeta leva a um questionamento: não teria havido algum exagero nos dados apresentados no início desse processo por alguns pesquisadores e centros de estudo? Antes de prosseguir, é preciso ressaltar: não se está questionando a necessidade da adoção de medidas de isolamento e nem se está menosprezando a gravidade do vírus. Mesmo porque, no caso do Espírito Santo, se essas medidas não fossem adotadas nós teríamos um número de casos cinco ou seis vezes maior, segundo afirmação de autoridades de Saúde locais. Em vez de algo próximo de mil, teríamos hoje, cinco ou seis mil pessoas com covid-19 no estado. Nem é preciso dizer as consequências disso… E temos também o imponderável: ninguém tem certezas absolutas sobre os rumos da pandemia, então é melhor pecar pelo exagero, em vez de lamentar a omissão.
Mas um documento emitido há dois ou três meses pela respeitada Universidade Nacional da Austrália apontava para a ocorrência de 15 milhões de mortes no planeta por conta do coronavírus. E isso num cenário conservador. O pior cenário traçado pelo mesmo estudo apontava para 68 milhões de mortos no mundo. No Brasil, seriam 257 mil mortos, no cenário conservador. O estudo produzido pelo Imperial College de Londres, responsável pela mudança de posição do primeiro-ministro Boris Johnson em relação ao isolamento, falava em meio milhão de mortos se medidas duras não fossem adotadas. O isolamento foi colocado em prática, na terra da Rainha o número de mortes ultraou 11 mil ontem e ainda não há sinais de arrefecimento. Mas de qualquer forma, a tendência é ficarmos muito aquém do dado assustador apresentado no estudo. E vai ser difícil creditar apenas ao isolamento a diferença entre a previsão e o número de casos efetivamente registrados.
Seria apenas uma questão de estatística se não fosse por um aspecto: essa distância entre os cenários traçados e a realidade vai fornecer munição para discursos políticos de quem é contra o isolamento. Os números todos (locais, nacionais, mundiais) são terríveis, assustadores. Mas o fato de eles ficarem, possivelmente, muito aquém do previsto nesses estudos vai provocar o surgimento de uma nova narrativa, a narrativa do exagero. Ou seja, o vírus não era tão terrível quanto se pintava e as medidas restritivas adotadas não eram assim tão necessárias. Do outro lado, surgirá a outra versão: o vírus foi menos terrível justamente por conta das medidas. E estaremos diante de uma nova polarização, uma nova radicalização e uma nova oposição de “realidades próprias”, marca desses nossos tristes tempos. Mas esta é apenas uma previsão. Talvez ela seja tão falha quanto algumas estatísticas elaboradas por grandes estudiosos…
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