Coluna Vitor Vogas
Filiações fora do prazo: golpe ou brecha no sistema?
Na prática, nada impede que um dirigente assine a ficha de filiação de um pré-candidato com data retroativa a 2 de abril e informe o TSE até o dia 12. Mas, embora seja prática comum, isso não é crime de falsidade ideológica?
“O troca-troca vai até dia 18, pelo calendário extraoficial”, disse-nos um deputado, sob anonimato, na última segunda-feira (4). Foi seu comentário irônico logo após ler a coluna em que apresentamos a “lista final” dos deputados que trocaram de sigla durante a última janela para transferências partidárias autorizadas pela Justiça Eleitoral.
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A priori, a legislação vigente neste ano previu o fechamento da janela no último dia 1º e, no dia seguinte, o encerramento do prazo legal para os partidos filiarem qualquer pré-candidato. Mas, para muitos analistas e agentes políticos, a janela não foi fechada por inteiro, deixando uma greta fartamente aproveitada por quem ainda deseja fazer mudanças extemporâneas. Mais que uma greta, na verdade.
Obviamente, os principais interessados (dirigentes e pré-candidatos enrolados) não têm interesse em dar publicidade a isso… Mas a verdade é que uma resolução do TSE permite aos dirigentes partidários (os “detentores das senhas”) enviar para o sistema do tribunal a nova lista de filiados até 10 dias após a filiação.
No caso concreto, eles podem alimentar o banco de dados do TSE com os nomes dos novos filiados até o dia 12/04, que cai na próxima terça-feira. E o TSE só vai atualizar o seu cadastro oficial (FiliaWeb) no dia 18/04 – daí a fala do deputado com que abrimos esta coluna.
Então, é evidente que existe uma “brecha no sistema”, ou uma “brecha legal”, que em tese muitos podem aproveitar, efetuando, até o dia 12, filiações fora do prazo, e fazendo constar na ficha de filiação uma data retroativa – ao dia 1º ou ao dia 2 de abril, dependendo de cada caso.
Mas não apenas “em tese”, como se verifica pelos casos concretos que já estão pipocando no Espírito Santo. O do deputado Hércules Silveira não é comprovadamente um caso de filiação extemporânea – mas este é exatamente o problema criado por esse hiato no calendário eleitoral: como é que alguém vai conseguir provar? Chama a atenção, de todo modo, que somente no dia 5 de abril, portanto quatro dias após o fim da janela para ele, tenha vindo a lume a filiação do deputado ao partido Patriota.
O presidente do partido, Rafael Favatto, garantiu à coluna que tudo se deu no dia 1º. De todo modo, a chegada de Hércules ao Patriota gerou um efeito cascata: descontentes em saber de sua chegada, outros pré-candidatos a deputado estadual que já estavam na chapa do partido aram a ameaçar trocar de novo de sigla. Isso mesmo: trocar de novo de sigla, mesmo após o fim do prazo legal.
O ex-vereador da Serra Basílio da Saúde – um dos que tinha entrado, mas agora quer sair do Patriota – falou abertamente sobre isso: “Eu entendo que quem não tem mandato pode se filiar até o dia 18”.
Em teoria, podemos estar diante de uma “espiral de descumprimento dos prazos legais”: uma possível mudança extemporânea de partido, por parte de um pré-candidato, pode levar outros pré-candidatos a… mudarem extemporaneamente de partido.
A questão é tão complexa que divide a opinião até de especialistas no assunto. Para alguns, qualquer filiação fora do prazo (mais ainda, com “data retroativa”) consiste em crime flagrante de falsidade ideológica. Para outros, trata-se de uma prática legítima, ditada pela estratégia política, mediante uma brecha existente na legislação eleitoral. Esta, sim, seria falha e precisaria ser corrigida.
Enfim: golpe nos adversários e na Justiça Eleitoral ou aproveitamento de uma brecha legal do sistema? Crime acintoso ou procedimento legítimo (ainda que não elogiável do ponto de vista ético)? Para responder à questão, consultamos dois advogados eleitorais cujas opiniões são diametralmente opostas: Ludgero Liberato e Fernando Dilen. Confira:

Ludgero Liberato. Foto: arquivo pessoal
Ludgero Liberato
Data limite é estabelecida por lei e vale para todos, sem exceção
No Brasil, não é possível ser candidato a qualquer cargo eletivo sem estar filiado a um partido político e se exige o período mínimo de seis meses de filiação na agremiação, contados da data da eleição, para participar da disputa. Essa regra é imperativa, não tendo sido prevista qualquer exceção a ela.
Por questões operacionais, todavia, os partidos políticos possuem 10 dias, após esse marco final, para comunicar ao TSE as novas filiações. Isso, porém, não significa uma ampliação da data limite para filiação, que é estabelecida por lei e, assim, vale para todos.
Por isso, quando há questionamentos sobre a efetiva data em que ocorreu uma filiação, cabe à Justiça Eleitoral apreciar os fatos. A Justiça Eleitoral, inclusive, é bem flexível quanto ao tema, aceitando como provas até mesmo fotografias e mensagens de aplicativos (como o WhatsApp).
Somente não são aceitos os chamados documentos unilaterais, isto é, documentos produzidos exclusivamente entre o dirigente partidário e o novo filiado, já que não são capazes de comprovar a data em que efetivamente foram produzidos.

Fernando Dilen. Foto: arquivo pessoal
Fernando Dilen
Filiação partidária após 2 de abril: brecha permitida pelo TSE
Em que pese a genérica previsão de que, para concorrer às eleições, o candidato deve estar filiado até seis meses antes das eleições (art. 9º da Lei 9.504), a Res. 23.668 do TSE “relativizou” esta norma, ao permitir que os partidos insiram filiações em até 10 (dez) dias corridos da da ficha, ainda que sejam preenchidas no último dia do prazo.
Além disso, o TSE “esticou” ainda mais tal possibilidade, ao expedir o calendário do fechamento do sistema para a inserção de filiados até o dia 18 de abril.
Questões éticas à parte, não é novidade que, mesmo na antiga sistemática das relações de filiados “em papel” feitas após o prazo legal (era um ano), o jogo só “acabava quando terminava”, isto é, o término das acomodações de filiações sempre acontecia após o prazo final previsto em lei.
A finalidade do assessor jurídico é orientar seu cliente a agir segundo a melhor situação jurídica possível, o que, no caso, sempre é ganhar mais tempo para escolher o partido que melhor atenda seus interesses eleitorais. Assim, estritamente sob a ótica jurídica, a prática de filiação após o prazo de 2 de abril, em especial nos tempos modernos digitais “online”, é ato corriqueiro que acaba sendo tolerado, eis que de difícil fiscalização.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
