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Falta de precisão sustenta falsa polêmica sobre a covid-19
É muito comum as pessoas citarem outras doenças e causas de mortes no Brasil para tentar diminuir a gravidade da covid-19. “A dengue está aí, matando mais, e ninguém fala nada”, argumenta um. “A H1N1 foi muito mais grave e não se fez esse barulho”, diz outro. A lista é enorme e inclui até fatores nada relacionados com doenças infecciosas, como a violência e os acidentes de trânsito.
No caso das infecções, note sempre algo: raramente essas afirmações são acompanhadas de dados estatísticos oficiais. Peguemos o caso da dengue. Segundo dados do Ministério da Saúde apontam, até o dia 7 de dezembro de 2019, haviam sido confirmadas 754 mortes por dengue no país. É preciso ressaltar: esse número é anual. Somente na quarta-feira, dia 13, o Brasil registrou 749 mortes pela covid-19. Ou seja, em um dia, o número de óbitos pela covid-19 foi o equivalente ao número anual da dengue no ano ado.
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A comparação com a H1N1, sempre citada por Osmar Terra, eterno candidato a ministro da Saúde e dono de discurso agradável para ouvidos bolsonaristas, é absolutamente desproporcional. Estudo do Instituto de Medicina Tropical da USP, feito com base nos dados do Ministério da Saúde, aponta: em 2009 e 2010, foram notificados 105.054 casos no Brasil, dos quais 53.797 (51,2%) foram confirmados como sendo do novo subtipo de H1N1. Deste total de casos confirmados, 98,2% ocorreram em 2009. Estamos falando, portanto, do pico da doença no país. Pois bem, o primeiro caso de covid-19 no Brasil foi registrado em 25 de fevereiro. Oitenta dias depois, o Brasil registra 188.974 casos. Novamente é preciso destacar: em 80 dias, a covid-19 já infectou quase o dobro de pessoas em comparação com dois anos de H1N1. “Ah! Mas a H1N1 matou mais”. Será? No auge da pandemia de H1N1 no mundo, entre os já citados anos de 2009 e 2010, morreram 18.449, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Até o início da manhã desta quinta-feira, dia 14, o mundo contava 297.465 óbitos pela covid-19, segundo os números da Johns Hopkins University.
As cinco principais causas de morte no Brasil superam, obviamente, os dados da covid-19. Mas nenhuma das doenças é transmissível. São, na ordem, enfermidades coronarianas, cerebrais, pulmonares, Alzheimer e transtornos do período neonatal. Numa lista mais ampliada, temos os acidentes de trânsito e a violência, chagas de nosso país. No caso das duas primeiras doenças, a pandemia traz um problema extra: sem condições de atendimento, os hospitais, muitas vezes, não conseguem prestar socorro a quem sofre um mal eventual no coração ou no cérebro. A covid-19, já se disse, ataca o sistema de saúde, não apenas o corpo humano…
O novo coronavírus trouxe com ele uma leva de falsas polêmicas. E, curiosamente, trouxe também uma onda de menosprezo à ciência, quando mais precisamos dela. Junto com esse menosprezo vieram argumentações levantadas sem nenhuma precisão, sem nenhuma consulta a banco de dados, sem nenhuma relação com os fatos. Já temos uma doença ainda sem cura para enfrentar. Faríamos bem se não tivéssemos também de lidar com informações equivocadas, outra chaga de nossa época.
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