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Coluna Vitor Vogas

Em Vitória, Damares Alves diz que Bolsonaro merecia o Nobel da Paz

Em comício eleitoral ao lado de Michelle Bolsonaro, senadora eleita foi chamada de “verdadeira rainha dos baixinhos” e contou que ela e Magno Malta criarão I do Abuso Infantil. Confira o que disse Damares, mirando mulheres evangélicas, e a análise da coluna sobre as falas controversas da ex-ministra em sua agem pelo ES

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Damares em evento eleitoral pró-Bolsonaro em Vitória (21/10/2022). Foto: assessoria de Carlos Manato

Em comício eleitoral realizado em Vitória na manhã desta sexta-feira (21), a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves (Republicanos) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (PL) merece ganhar o Nobel da Paz. Pode ter sido uma hipérbole – figura de linguagem ligada ao exagero intencional. Ou, como é a Damares, ela pode acreditar sinceramente que o presidente é merecedor do prêmio. O fato é que a agora senadora eleita pelo Distrito Federal fez mesmo essa afirmação, ao discorrer sobre a redução da taxa de mortes violentas de crianças no país nos últimos anos.

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“O número de crianças assassinadas no Brasil em três anos e meio caiu 53%. Recorde mundial! Isso já daria a Bolsonaro o título, o prêmio Nobel da Paz. Mas ele ainda acha pouco. ‘Eu quero erradicar a violência contra crianças e adolescentes no Brasil’. Bolsonaro fez! Bolsonaro faz!”, discursou Damares, no palco de uma casa de eventos no espaço do aeroporto de Vitória, para uma plateia amistosa formada por apoiadores e, principalmente, apoiadoras da reeleição do atual presidente. Ao lado da primeira-dama Michelle Bolsonaro, Damares foi a atração principal do evento “Mulheres com Bolsonaro”.

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Além de ajudar a impulsionar a candidatura de Bolsonaro no Espírito Santo, o evento serviu para dar uma força para a campanha de Carlos Manato (PL) ao governo estadual. O candidato dividiu o palco com Damares e a primeira-dama, assim como sua esposa, a deputada federal não reeleita Soraya Manato (PTB) e o senador eleito Magno Malta (PL). Uma das filhas de Magno, a apresentadora Karla Malta foi a mestre de cerimônias e apresentou Damares como a autora da frase “Menino veste azul e menina veste rosa”.

Acompanhando Michelle – principal cabo eleitoral de sua eleição para o Senado –, Damares tem feito uma maratona de atos eleitorais pelo país, com o mesmo nome e o mesmo enfoque. Na manhã desta sexta, as duas chegaram do Rio com a sua comitiva, nem sequer saíram da área do aeroporto e já emendaram outro voo, com destino a Belo Horizonte. Os eventos são voltados para um público predominantemente feminino – para virar votos em um segmento que dá vantagem a Lula nas pesquisas – e evangélico – para consolidar a preferência por Bolsonaro nesse estrato.

A retórica também é moldada especificamente para atingir esse público. A breve fala de Damares se centrou em dois pontos:

Por um lado, reforçar a cruzada religiosa e ideológica travada contra o PT – chamado pela ex-ministra de “partido das trevas” –, tratando a eleição para presidente não como uma disputa eleitoral, mas como uma “guerra espiritual” do “bem” contra um “mal” que precisa ser não apenas vencido, mas erradicado do país;

Por outro lado, sensibilizar o auditório, formado sobretudo por mulheres, em relação a pautas ligadas à proteção da família e principalmente da infância. Não à toa, Damares tratou Bolsonaro como “o presidente das crianças do Brasil” e “a resposta para as famílias do Brasil”.

“Rainha dos baixinhos”

Nesse périplo de Damares e Michelle pelo país, a estratégia tem sido intensificada num momento crucial para a campanha de Bolsonaro e após um episódio muito delicado para ele: as acusações de pedofilia que têm sido feitas contra ele pela campanha de Lula desde sábado ado (15), quando viralizou o trecho da entrevista dada pelo presidente na véspera a um podcast em que ele diz que “pintou um clima” entre ele e meninas venezuelanas de 14 anos.

Damares e Michelle têm sido usadas pela campanha bolsonarista como uma arma de contenção dos potenciais estragos gerados pelo episódio entre eleitores e eleitoras mais conservadoras, onde ele nada de braçada. O presidente não pode se dar ao luxo de perder votos na reta final logo ali, onde o apoio a ele é mais sólido.

Também integrante da comitiva, a vice-governadora eleita do Distrito Federal, Celina Leão (PP), chegou a dizer que Damares é quem é “a verdadeira rainha dos baixinhos do Brasil”. Foi uma indireta à apresentadora Xuxa, vítima de abusos sexuais na infância, que gravou um vídeo condenando Bolsonaro pelo episódio do “pintou um clima” e pedindo votos contra ele.

Damares também sugeriu às mulheres na plateia uma abordagem para convencer indecisos:

“Você pode até não gostar do Bolsonaro, mas Bolsonaro é o presidente das crianças. […] Bolsonaro está fazendo a maior revolução pela criança. Falem isso. Ainda tem muita gente em dúvida. Falem o seguinte: pelas crianças, vote em Bolsonaro! Se você não se lembra de nenhum motivo, fale das crianças”, sugeriu a ex-ministra, que ainda citou as “80 leis de proteção à mulher sancionadas pelo governo Bolsonaro” e ações do atual governo, como o Programa Criança Feliz – segundo ela, “premiado como o melhor programa de primeira infância do mundo”.

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I do Abuso Sexual

Quebrando o protocolo – só havia mulheres no palco –, Damares chamou Magno e Manato ao palanque. O primeiro, de quem ela chegou a ser assessora parlamentar no Senado, Damares chamou de “companheiro”. O segundo, de “futuro governador”.

Segundo Damares, ela e Magno, no Senado, vão criar “uma I para investigar o tráfico de crianças no Brasil e o abuso sexual”, que será comandada pelo senador eleito do Espírito Santo. “Magno vai liderar. Nós vamos enfrentar juntos.” Seria uma espécie de terceira versão da I da Pedofilia (a segunda foi a dos Maus Tratos).

Incorporando a justiceira, Damares ainda mandou um recado de efeito moral para “os pedófilos do Espírito Santo”: “Eu queria mandar um recado para os pedófilos do Espírito Santo: eu, Magno Malta e Manato vamos pegar todos vocês. […] Fujam! Arrumem as trouxas! […] Acabou para vocês!”

Investidas contra Lula

Chamando Lula de “ex-presidiário” – como fez Bolsonaro em debates no 1º turno –, a senadora eleita também criticou o ex-presidente por tê-la criticado. “Ontem, o ex-presidiário deu uma entrevista dizendo que eu tenho que provar que tem abuso de criança no Brasil. Em que mundo esse homem vive? Um ex-presidente da República por tantos anos e não sabe que na minha nação tem abuso sexual, tem violência contra a criança. Ele quer que eu prove. Pois a gente vai provar”, disse ela, mencionando a I a ser instaurada.

Ela também reservou um recado para o candidato da oposição: “Deixa eu mandar um recado para o ex-presidiário: eu não pertenço a nenhuma facção. Eu pertenço ao povo da cruz. Respeite a comunidade evangélica. Respeite a comunidade católica no país. Nós somos uma nação cristã. E eles vão ter que entender e vão ter que respeitar a nossa liberdade de religião no país”.

Em fala muito sintonizada com as de Jair e Michelle Bolsonaro, Damares chamou Lula de corrupto e mentiroso, além de tê-lo acusado de querer calar a igreja e pastores:

“Vim aqui para falar com as mulheres e desmontar essa guerra de narrativas que o ‘partido das trevas’ criou de que as mulheres do Brasil não respeitam e não iram o presidente Bolsonaro. Nós estamos mandando um recado para o ex-presidiário: que as mentiras não vão prevalecer e Bolsonaro será reeleito presidente da República, porque a nação não quer mais um homem corrupto, mentiroso, governando este país. Querem voltar para a cena do crime para continuar os desmandes [sic] e agora estão querendo vir com sangue no olho, censurar a imprensa, calar a igreja, calar pastores.”

O próprio Bolsonaro tem dito reiteradamente que Lula “quer voltar à cena do crime” (expressão utilizada no ado pelo atual vice do petista, Geraldo Alckmin, quando eram adversários). No “Mulheres com Bolsonaro” promovido em São Paulo na última quarta-feira (19), Michelle foi quem disse que Lula está “com sangue nos olhos” para se vingar.

Damares também puxou o grito de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”, entoado fervorosamente pela plateia, que não chegou a lotar o cerimonial com capacidade para 2 mil pessoas.

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TRÊS OBSERVAÇÕES DA COLUNA

“Nobel da Paz”

Quando Damares diz que Bolsonaro deveria ganhar o Nobel da Paz, com todo o respeito à ex-ministra, o presidente precisaria renascer algumas vezes para isso. Tem um histórico de defesa de tortura e de torturadores (“Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso”), de assassinatos cometidos pelo Estado (“O erro da ditadura foi torturar e não matar”), e seu livro de cabeceira foi escrito por um torturador de mulheres reconhecido como tal pela Justiça (Brilhante Ustra).

Isso para não falar da sua longa lista de declarações incitando a violência contra adversários políticos (“Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”; “Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”; “A faxina será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia”) e de seu péssimo hábito de jamais condenar nenhum ato de violência política, mesmo que praticado por algum apoiador desvairado em seu nome.

Desrespeito a mulheres

Quando Damares diz que se inventou a narrativa de que as mulheres do Brasil não respeitam o presidente, o que na verdade se questiona é o contrário: as reiteradas demonstrações de desrespeito com mulheres e de misoginia por parte do presidente, antes e durante o exercício do cargo.

A galeria de exemplos é vasta, mas podemos citar uma pequena amostra, como o discurso feito em plenário contra a deputada Maria do Rosário em que ele tratou estupro como uma questão de “mérito” segundo o critério de beleza atribuída à mulher pelo homem (“Jamais ia estuprar você porque você não merece”);

As várias entrevistas em que ele defendeu que a mulher deve mesmo ganhar menos que o homem, porque engravida;

As várias ofensas distribuídas a mulheres jornalistas, incluindo algumas falas de duplo sentido sexual (por exemplo, quando disse, no debate da Band no 1º turno, que Vera Magalhães ia dormir pensando nele e, principalmente, quando disse sobre Patrícia Campos Mello, com direito a um risinho de escárnio: “Ela queria dar o furo a qualquer preço contra mim”).

O caso do Marajó

Quando Damares diz que o candidato adversário teria dito que ela precisa provar que há abuso sexual no país, a ex-ministra está distorcendo a polêmica criada por ela mesma. A questão não é essa, é bem mais específica. Ninguém duvida que abuso sexual, esse crime tão terrível, seja praticado contra crianças no país. Seria o mesmo que negar que pessoas em fome no Brasil (o que, aliás, Bolsonaro fez mais de uma vez).

A questão é que Damares, durante culto de uma igreja da Assembleia de Deus em Goiás no último dia 10, afirmou com detalhes que crianças na Ilha de Marajó (Pará) são traficadas e têm até dentes arrancados “pra elas não morderem na hora do sexo oral”. Imediatamente perguntou-se: ora, se ela sabia disso, o que fez na condição de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos? A quem ela denunciou o caso? O Ministério Público pediu esclarecimentos à pasta. Não houve denúncia alguma. Interpelada, Damares disse à Rádio Bandeirantes que ouviu relatos sobre isso “nas ruas do Marajó”.

Tema tão delicado não pode ser tratado por uma senadora eleita de maneira tão leviana.

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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