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Coluna Vitor Vogas

Análise: Guerino Zanon troca Hartung por Bolsonaro na campanha ao governo

Como candidato a governador, ex-prefeito de Linhares dá guinada em direção à direita bolsonarista, assume bandeiras do presidente e evita associações com Hartung, antigo crítico do extremismo de Bolsonaro

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Guerino com apoiadores de Bolsonaro no dia 7 de setembro. Foto: assessoria do candidato

Entre ombrear com Paulo Hartung ou se perfilar com Jair Bolsonaro, Guerino Zanon fez sua escolha nesta eleição a governador do Estado: escolheu colar sua campanha e sua imagem no atual presidente, em detrimento do ex-governador – mesmo sendo, notoriamente, um histórico aliado político do economista liberal que ocupou o Palácio Anchieta por três mandatos.

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Era uma escolha que precisava ser feita; uma decisão que Guerino precisou tomar. Caminhar com os dois, ou entre os dois, seria impossível, porque, do ponto de vista político, Hartung e Bolsonaro são como água e óleo: absolutamente incompatíveis. Liberal na economia e nos costumes e democrata convicto, o antigo mentor de Guerino é, em mais de um aspecto, antítese do que representa Jair Bolsonaro na política brasileira – além de crítico veemente do presidente de extrema-direita.

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Ainda no Palácio Anchieta, entre 2017 e 2018, conforme cresciam as probabilidades de vitória eleitoral do até então deputado federal do baixo clero, Hartung já alertava para o risco que os “extremismos” representavam para o país e sobre “o perigo de se votar com o fígado no lugar da cuca” (ou seja, com o ódio suplantando a razão). Para ser o mais correto possível: por “extremismos”, na outra ponta, ele também se referia ao PT de Lula e de Haddad. Naquela eleição à Presidência, apoiou o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin.

Em agosto de 2018, ao lado de FHC (PSDB) e diante de empresários capixabas em palestra promovida pela Findes, o então governador previu com todas as letras que eventual governo Bolsonaro seria um “descaminho” para o país.

Já sem mandato, com o “descaminho” em pleno andamento, Hartung me concedeu entrevista (publicada em A Gazeta) criticando a condução de Paulo Guedes (do seu mesmo time liberal) no Ministério da Economia e, mais uma vez, foi premonitório: se, desde o início do governo, Bolsonaro estava a testar os limites do nosso tecido democrático, é porque não poderia estar com boas intenções. Enfim, por tudo isso e muito mais, Guerino colar em Hartung e Bolsonaro ao mesmo tempo seria, no mínimo, contraditório.

E, como eu disse, ele fez a sua escolha.

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O que na verdade poucos esperavam (eu, com certeza, não) e que mais chamou a atenção geral foi a opção feita por Guerino. Não só a opção em si como também a veemência com que a fez. Foi um movimento político-eleitoral, aliás uma guinada político-eleitoral que, deixando aqui uma autocrítica, reconheço ter demorado a captar, pois não estava no radar de ninguém. A opção estratégica de Guerino é um dos fatos mais inesperados desta campanha e, precisamente por isso, merece análise detida.

Basicamente, ao longo deste processo eleitoral, descobrimos que o ex-prefeito de Linhares – até então considerado um político moderado de centro, ou centro-direita, focado em gestão pública e desenvolvimento econômico – na verdade sempre foi um “cristão conservador de direita”, “defensor da família tradicional”, alinhado a uma agenda de costumes muito cara a setores da igreja católica e, principalmente, de algumas denominações evangélicas neopentecostais – a chamada “pauta moral” que, na Era Bolsonaro, sobrepôs-se a temas bem mais relevantes para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil e do nosso Estado. Enfim, em duas palavras, Guerino revelou-se um bolsonarista fervoroso.

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Como tal, não é que ele esteja escondendo ou “renegando” Paulo Hartung. Mas também não está fazendo questão nenhuma de mostrar o ex-governador nem de expor sua conexão histórica com ele durante esta campanha.

Em discursos e entrevistas de Guerino, o candidato faz questão de mencionar e exaltar Bolsonaro e de se declarar seu eleitor contra Lula. Mas o nome de PH nunca aparece espontaneamente em sua boca. Guerino nem sequer cita Hartung, a menos que seja indagado especificamente sobre o ex-governador e sua ligação política com ele.

Foi o que ocorreu, por exemplo, na última entrevista concedida pelo candidato ao EStúdio 360, da TV Capixaba, da qual participamos eu e Antonio Carlos Leite (Kaká), no dia 17 de agosto. Perguntamos ao ex-prefeito se ele esperava receber uma manifestação pública de apoio por parte Hartung até o fim do 1º turno.

Assim como já fizera em sua primeira entrevista a esta coluna ainda como pré-candidato, publicada aqui no dia 3 de junho, Guerino respondeu que gostaria, sim, de receber o apoio do ex-governador, por se tratar de “um voto de qualidade”. O mais marcante, porém, foi a correção que ele fez a uma informação que dei no ar. Ao formular outra pergunta sobre Hartung, mencionei-o como um dos grandes incentivadores da candidatura de Guerino. O candidato iniciou a sua resposta “ajustando” meu preâmbulo:

“Quero fazer um ajuste aí: Paulo nunca foi meu incentivador, não. E nunca declarou voto a mim. Eu gostaria muito de ter o voto dele. Eu vou pedir, como vou pedir o seu, o de Kaká, o de todos os capixabas que estão nos assistindo e daqueles que eu vou ter contato ao longo da caminhada política.”

Fazer questão de retificar o entrevistador é emblemático quanto a esse esforço de Guerino em descolar-se de Hartung – por mais que custe crer que ele não tenha sido nem sequer incentivado pelo ex-chefe na equipe do governo estadual. Ora, basta vez quem está no entorno de Guerino desde as origens desta campanha.

O PSD que abriga a candidatura do ex-prefeito de Linhares é o mesmo do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, com quem PH ensaiou lançar-se candidato em uma chapa presidencial, entre fevereiro e março deste ano, em flerte que não evoluiu.

E, no Espírito Santo, tanto dentro do PSD – em todas as posições de comando – como na retaguarda da campanha de Guerino, estão (outros) hartunguistas históricos: Neivaldo Bragato (o presidente estadual da sigla), José Carlos da Fonseca Junior, o não tão antigo Giuliano Nader e, até meados de julho, César Colnago. Lelo Coimbra segue no MDB, mas também participou dessa construção.

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Ou seja, Hartung não está nesse projeto de corpo presente, mas… suas impressões estão espalhadas pelo comitê de campanha… o que torna ainda mais intrigante essa guinada dada por Guerino, uma vez apresentado publicamente como pré-candidato.

A conexão com Hartung, ainda que indireta, combinada com o mergulho cada vez mais fundo dado por Guerino no bolsonarismo, impõe algumas perguntas. A primeira delas: como uma candidatura tão enraizada no hartunguismo (pelo menos em suas origens) acaba se alinhando de tal forma a um bolsonarismo com o qual o próprio Hartung jamais compactuou? E a maior delas, que só PH pode responder: o que ele está achando disso?

Minha aposta: faz tempo que Hartung quer distância de processos eleitorais no Espírito Santo. Como já me disse Lelo certa vez em entrevista, o ex-governador “desencarnou” da política local. Mais que isso: em recente entrevista ao “Roda Viva”, no início de agosto, Hartung chegou a dizer que não pretende mais candidatar-se a cargos eletivos. Creio que, da campanha de Guerino, ele também tratará de manter uma distância estratégica.

Isso não somente se Guerino continuar com índices modestos nas pesquisas – pois Hartung não gosta de entrar em nada para perder –, mas, sobretudo, pelo aspecto ideológico mesmo: Guerino já submergiu tão fundo no bolsonarismo que já ou do ponto sem retorno para Hartung.

Colar sua imagem no candidato a esta altura seria, para o ex-governador, algo como dar um “tá ok” para a ideologia e para o governo de um presidente que ele desaprova e que, lá nos anos 1980, promovia motim e desordem em quartel do Exército enquanto ele exercia seus primeiros mandatos parlamentares, na Assembleia Legislativa, pelo PMDB da oposição à ditadura; o presidente que, em 1999, chegou a dizer em entrevista na TV que “ter torturado em vez de matar” foi o grande “erro” de uma ditadura que Hartung ajudou a enfrentar, como líder estudantil na Ufes, no fim dos anos 1970.

Expressar apoio a um candidato que ostensivamente apoia Bolsonaro seria incoerente com a história do ex-governador. Não acredito que o fará. Nem acredito que Guerino faça questão de receber do antigo aliado uma manifestação dessa natureza, a qual a esta altura, se realmente viesse, poderia ter mais a atrapalhar do que a contribuir com a campanha do ex-prefeito, a julgar pela estratégia que ele mesmo preferiu adotar.

É o que vou abordar melhor no desdobramento desta análise, aqui, nessa segunda (12).

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Os apoios de Paulo Hartung

Na disputa à Presidência da República em 2018, Hartung (um “tucano de coração”) apoiou Geraldo Alckmin, então no PSDB e agora candidato a vice-presidente de Lula (PT) pelo PSB de Renato Casagrande, arquirrival local do mesmo Hartung, numa dessas grandes voltas que a política dá. Em 2010, o então governador declarou apoio a Dilma Rousseff (PT), que ganhou o duelo eleitoral contra o tucano José Serra. Em 2014, ele foi com o tucano Aécio Neves, derrotado por Dilma.

Nesta eleição presidencial, Hartung militou abertamente pela construção de uma terceira via que se posicionasse entre Lula e Bolsonaro. Até o momento, não declarou apoio a ninguém.

O histórico de Guerino com Hartung

Prefeito de Linhares por cinco mandatos, distribuídos entre 1997 e março deste ano, Guerino sempre governou a cidade do norte capixaba como parceiro político e istrativo de Paulo Hartung, enquanto esse foi governador.

Em 2006, Guerino elegeu-se para seu primeiro de dois mandatos na Assembleia e, com as bênçãos do então governador, já entrou no ônibus sentando-se no lugar do motorista: de 2007 a 2008, foi presidente da Casa.

Em duas ocasiões, durante governos de Hartung, Guerino também assumiu o assento de secretário estadual de Esportes, em intervalos entre seus muito mandatos na Prefeitura de Linhares: a primeira foi entre 2005 e 2006; a segunda durou somente o 1º semestre de 2016.

Esta última foi muito simbólica: após ter exercido um ano de mandato na Assembleia (2015), Guerino foi convidado por Hartung para compor a equipe de governo por apenas alguns meses, tão somente com o intuito de lhe reforçar o selo de “candidato do governo Paulo Hartung” em sua tentativa (bem-sucedida) de voltar ao Executivo de Linhares na eleição municipal de outubro de 2016.

Afinal, quem está errado?

Na supracitada entrevista ao EStúdio 360 Segunda Edição, no dia 17 de agosto, lembrei algumas das críticas e ressalvas feitas por Hartung a Bolsonaro, também citadas acima, e perguntei a Guerino: acaso estaria Hartung errado? Ele sorriu e esquivou-se:

“Eu não posso analisar a questão do Paulo, se ele está errado ou não. O Paulo também nunca declarou que vai votar no Lula. Isso ele nunca fez.”

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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