Coluna Vitor Vogas
Ataques e estratégias opostas: um balanço do 2º turno entre Manato e Casagrande
A campanha do 2º turno foi marcada por uma profunda troca de hostilidades e pela adoção de abordagens totalmente contrastantes quanto à eleição presidencial
A campanha do 2º turno entre Renato Casagrande (PSB) e Manato (PL) foi marcada por uma profunda troca de hostilidades e pela adoção de estratégias totalmente opostas quanto à eleição presidencial. Esses dois traços marcantes da campanha atingiram o ápice no debate final da TV Gazeta, realizado na noite da última quinta-feira (27).
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A agressividade entre os dois candidatos foi crescente desde a primeira hora do 2º turno, após a confirmação do resultado da primeira votação, no dia 2 de outubro.
Casagrande foi quem deu o primeiro tiro, inaugurando o fogo cruzado, ao trazer à tona a participação do adversário na Scuderie Le Cocq – organização extinta pela Justiça Federal em 2006 que, sob a fachada de entidade filantrópica, atuava como grupo de extermínio e servia como braço armado do crime organizado no Espírito Santo. Manato sempre negou ter participado de qualquer atividade criminosa praticada pela Le Cocq.
Outra bala disparada pelo governador contra seu oponente foi a afirmação de que Manato foi demitido “por incompetência”, pelo próprio presidente da República, do cargo comissionado que ele chegou a ocupar na Casa Civil no início do governo Bolsonaro. Manato exercia uma função ligada à articulação política com a Câmara Federal, mas, em menos de cinco meses, foi exonerado pelo então chefe da pasta, Onyx Lorenzoni, e não voltou mais para o governo.
Casagrande também acusou Manato de ter articulado e comandado a greve da Polícia Militar em fevereiro de 2017, cujo saldo foram 225 mortes durante os 22 dias em que o Espírito Santo ficou sem policiamento nas ruas. Nesse caso, a campanha do governador valeu-se de uma “arma secreta”: o depoimento de Izabella da Costa, personagem que ganhou centralidade na história desta eleição.
Assessora parlamentar de Manato em fevereiro de 2017, Izabella foi presa por participação na greve e, no meio do 2º turno, apareceu acusando o ex-chefe não só de ter comandado o movimento a distância como também de praticar “rachadinha” em seu gabinete e de ter se omitido diante de agressões físicas que ela sofria do então marido, o ex-soldado Walter Matias, politicamente ligado ao candidato. Manato sempre negou tudo.
Não apenas negou como contra-atacou. E a principal linha seguida pelo opositor para responder fogo com fogo foi associar Casagrande e seu governo a desvios de dinheiro e à prática de corrupção. Um dos motes da sua campanha, reproduzindo antigo bordão de Bolsonaro, foi a promessa de “acabar com a mamata do grupo há 20 anos no poder”. Mas o tom foi subindo gradualmente.
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Em uma inserção muito veiculada, o locutor de Manato dizia que Casagrande não tem medo somente de perder a eleição, mas de ser preso. E, no último programa de rádio do candidato do PL, levado ao ar ao meio-dia desta sexta-feira (28), o locutor acusou o governador e seu grupo político de estarem “saqueando o Estado”:
“Casagrande insiste em mentiras, mas o principal intuito dele é que você nunca descubra as verdades do desgoverno que hoje vivemos. Nosso Estado está sendo saqueado para sustentar uma esquerda que vive de comprar apoios e pagar com seu dinheiro. Centenas de milhões desviados comprovadamente e pessoas desse governo sendo presas. […] Fora dezenas de outros crimes que estão parados, aguardando por julgamento, ou melhor, só serão julgados se essa gestão terminar.”
A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL: ESTRATÉGIAS OPOSTAS
Casagrande: do voto Casula ao voto Casanaro
Todo o esforço de Casagrande sempre foi no sentido de “desnacionalizar” a campanha estadual e convencer os eleitores capixabas a separar o voto para governador do voto para presidente.
Como dissemos aqui no último domingo, na física, quando se quebra o núcleo de um átomo, gera-se uma explosão atômica. A luta de Casagrande é justamente para “quebrar o átomo bolsonarista” (ou seja, convencer eleitores de Bolsonaro no Espírito Santo a não votar em Manato para governador). Nesse caso, porém, do ponto de vista do governador, quebrar o átomo é o que pode impedir que o Estado exploda, sendo arremessado por Manato a um ado de desmandos e de domínio do crime organizado, como alega (ou “alerta”) Casagrande.
À frente de uma coligação ampla e ideologicamente heterogênea, o governador busca votos tanto de eleitores de Lula como de eleitores de Bolsonaro. Quer tanto o voto Casula como o voto Casanaro. Como mostramos aqui, até dirigentes petistas estão “de boa” com isso.
Apesar de ser eleitor de Lula e de seu partido (o PSB) ter aliança nacional e estadual com o PT, ele sabe que precisa obter os votos de parcela dos eleitores de Bolsonaro para conseguir se reeleger.
Uma síntese da estratégia de Casagrande é este depoimento de seu candidato a vice-governador, Ricardo Ferraço (PSDB), usado em seu horário eleitoral nos últimos dias da campanha. Ricardo é bolsonarista e, após ter sido “escondido” pela campanha no horário eleitoral durante o 1º turno, ou a ser bastante “utilizado” no 2º:
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“Casagrande e eu vamos governar o Espírito Santo com quem os capixabas elegerem para presidente. Não é papel do governador fazer oposição ao presidente da República e sim somar esforços, remando na mesma direção. No fim do dia, o importante mesmo é o compromisso de colocar o Espírito Santo sempre em primeiro lugar.”
Na composição do cenário do depoimento de Ricardo, via-se uma Constituição Federal e uma Bíblia Sagrada. Tudo, dos objetos de cena à mensagem, cumprindo o duplo propósito de desvincular as duas disputas e, ao mesmo tempo, acenar para aquele eleitor mais conservador que vota em Bolsonaro.
Manato: aposta total no bolsonarismo
Manato, por sua vez, praticou exatamente a estratégia contrária: aprofundou a justaposição da sua campanha à de Bolsonaro e apostou tudo no enviesamento ideológico, transformando a eleição para governador em uma disputa da direita bolsonarista contra a esquerda.
Em sua propaganda de rádio e TV e nas redes sociais, não faltaram declarações de apoio por parte da família Bolsonaro, incluindo o próprio presidente e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Na última quarta-feira (27), um dos filhos do presidente, o deputado federal reeleito por São Paulo Eduardo Bolsonaro, participou de atividades de campanha com Manato e gravou para ele um depoimento. Exibida no horário eleitoral, a fala do aliado também resume bem a direção tomada pela campanha no 2º turno:
“Olá, meus amigos capixabas, aqui [é] Eduardo Bolsonaro. Certamente, se eu morasse aqui no Espírito Santo, eu votaria em Carlos Manato para governador, porque ele vai ser o Bolsonaro aqui do Espírito Santo. Já até anunciou o seu Paulo Guedes [Aridelmo Teixeira] para a economia.”
Mais “olavista” dos filhos de Bolsonaro, Eduardo ainda falou contra a legalização das drogas e completou: “[Manato] vai impedir a entrada da ideologia de gênero, que sexualiza as nossas crianças nas escolas. […] Manato vai ser, tal qual Bolsonaro, um defensor da sua liberdade.”
Um governador não tem o menor poder para “legalizar drogas”, mas isso pouco importa. Além da colagem absoluta entre Manato e Bolsonaro (o primeiro “vai ser” o segundo no Espírito Santo), estão ali a “liberdade”, as drogas, a “ideologia de gênero”… quase o combo completo da pauta de costumes que sensibiliza e mobiliza eleitores mais “ideológicos” de Bolsonaro. Manato está dialogando diretamente com a bolha bolsonarista e buscando cativar todos os votos dos eleitores mais fiéis (com duplo sentido) do presidente.
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No decorrer do processo, o candidato do PL foi radicalizando esse “viés ideológico” conferido ao seu discurso de campanha.
Um último exemplo, talvez o mais bem-acabado, vem de outra inserção de sua propaganda, cujo texto começa com um “salve” na dupla acepção do termo: como forma de saudação e como o verbo “salvar” no imperativo, exortando o interlocutor a não deixar que o Estado siga sendo governado pela esquerda:
“Salve o Espírito Santo! Minas tirou a esquerda e vive dias muito melhores. São Paulo, maior economia do Brasil, está com Bolsonaro. Rio, sem a esquerda no poder lá, os bandidos estão vindo pro Espírito Santo. Espírito Santo seria o único estado do Sudeste agarrado na ideologia da esquerda e o único cabide de empregos do PT? Seria, porque o 22 vai nos tirar do vermelho.”
No mesmo sentido, numa contra-estratégia visando quebrar o voto “Casanaro” e fidelizar seu nicho, Manato sublinhou o vínculo de Casagrande com Fabiano Contarato, detestado por representantes do “bolsonarismo raiz” – muitos se consideram “enganados” pelo senador, por terem votado nele em 2018 acreditando ser ele um aliado de Bolsonaro, para depois o verem fazer oposição ao governo e se filiar ao PT.
Assim como todo o PT, Contarato de fato é apoiador de Casagrande e participou de eventos de campanha com ele. A propaganda de Manato nesta sexta (28) mostrou o fragmento de um discurso do senador em um comício no qual ele critica Bolsonaro, ao lado de Casagrande.
“Quem vota em Bolsonaro não vota em quem sabota o presidente”, afirmou o locutor do programa.
Qual das duas estratégias terá sido a mais bem-sucedida? Saberemos neste domingo (30).
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