fbpx

Coluna Vitor Vogas

A nota mais lamentável desta eleição no ES e o que Bolsonaro tem a ver com isso

Com declarações que estimulam intolerância e violência política e silêncio diante de atos concretos de barbárie, presidente legitima crimes de ódio de pessoas que se sentem autorizadas a agir assim

Publicado

em

Da esquerda para a direita: Gilberto Campos, Jair Bolsonaro e Capitão Vinícius Sousa

Na nota mais lamentável e inissível deste processo eleitoral no Espírito Santo, o candidato ao Senado pelo Psol, Gilberto Campos, e o do PSTU ao governo, Capitão Vinícius Sousa, registraram boletins de ocorrência após terem sofrido ameaças de morte na internet.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Em suas redes sociais, Campos ainda sofreu ataques racistas. Segundo ele, numa das ameaças, um perfil bolsonarista ameaçou furar seus olhos com espetos. “Não consigo nem mais entrar nas redes sociais”, afirmou o candidato. Sousa, por sua vez, descobriu uma vaquinha virtual hipotética “para arrecadar uma arma para matar Vinícius Sousa”.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

Nenhum dos dois candidatos de pequenas siglas de esquerda tem a mínima chance de vitória no domingo, mas isso é totalmente irrelevante. Quero fazer aqui dois registros: 1) Tais ameaças são atentados frontais à democracia; 2) Indiretamente, o presidente Bolsonaro (PL) tem parcela de responsabilidade em atos como esses praticados por seus seguidores, na medida em que não condena (antes, estimula) esse tipo de comportamento.

Não, ele não está sozinho nisso. É evidente que o PT tem responsabilidade parcial na criação desse clima político odiento que se apoderou do Brasil nos últimos anos, com a divisão do “nós contra eles” pregada durante os governos Lula e Dilma e especialmente forte na eleição presidencial de 2014. Mas quem ocupa o poder atualmente tem responsabilidade ainda maior no agravamento desse quadro e no acirramento ainda maior das tensões, não só por estar no poder, mas por seu invariável comportamento político.

Por estar na Presidência da República, Bolsonaro ocupa a posição mais privilegiada para dissipar as tensões políticas que invadiram os lares dos brasileiros, dividiram famílias e apartaram amigos, se assim quisesse fazer, através do seu exemplo pessoal. Mas ele nunca quis fazer isso. Nunca nem sequer esboçou um só gesto de pacificação e de reconciliação nacional.

Ao contrário, a cada dia ado na Presidência, o governante saído da caserna fez questão de reconfirmar o perfil que sempre o caracterizou em quase 30 anos de atuação parlamentar: o do político que se alimenta de conflitos (em geral, completamente dispensáveis) e só consegue conceber e praticar a política assim.

Foi, em boa medida, o que o levou à Presidência em 2018, em uma eleição regida pelo signo da raiva, da rejeição e do ressentimento nacional com o PT após anos de práticas de corrupção descobertas pela Lava Jato – sentimentos condensados em um antipetismo que ele soube personificar como ninguém. Havia, contudo, por parte dos mais otimistas, a esperança de que, uma vez com a faixa presidencial, Bolsonaro assumiria postura mais “presidencial”, mostrando maior civilidade, cordialidade e respeito a quem pensa diferente. Foi um engano retumbante.

Como presidente, Bolsonaro manteve, sem descansar um dia, o comportamento bélico de um capitão que, sem uma guerra propriamente dita, tratava de inventar as suas, lutando muitas vezes com inimigos imaginários e combatendo moinhos de vento. Ao largo das questões que realmente importam ao Brasil e aos brasileiros, arrumou briga com tudo e com todos, dentro e fora do país, incluindo um sem-número de outrora aliados…

> Especial: miséria, miséria… a verdadeira protagonista desta eleição

Também como presidente, Bolsonaro é a referência maior da política brasileira, para quem se voltam os olhos ansiosos de toda uma nação, principalmente nos momentos mais difíceis. Com um gesto, com uma simples palavra, ele poderia ter apascentados os ânimos, se de fato o quisesse fazer. Nunca de fato o quis.

Ao contrário, seu comportamento incessantemente belicista é um convite permanente para o povo brasileiro se somar a ele nessa guerra… contra o próprio povo brasileiro; guerra fratricida, de irmão contra irmão. Bolsonaro é, sim, corresponsável direto por ameaças e outros crimes de ódio político praticados contra adversários do seu governo, a exemplo dos recentes episódios ocorridos com Gilberto Campos e Sousa.

“Ah, mas não foi ele quem agiu”, pode-se arrazoar. “Ele não pode ser responsabilizado por atitudes de terceiros”. A verdade é que um presidente “age” muito pouco. Seu maior poder está no que ele diz (ou deixa de dizer). São as suas opiniões e posições que influenciam o comportamento daqueles que nele se espelham.

Nesse sentido, a mensagem de Bolsonaro para o povo brasileiro, em particular seus seguidores, de modo implícito ou explícito, sempre foi a de estímulo à intolerância política, seja ao dar declarações que literalmente encorajam o ódio e a violência contra adversários, seja ao não dizer uma palavra e recusar-se a condenar atos concretos de barbárie motivados por esse ódio que ele mesmo ajuda a manter vivo.

Viver em democracia pressupõe saber conviver com as diferenças políticas e respeitar o direito do outro de defender suas ideias e disputar eleições de igual para igual para as colocar em prática. Bolsonaro, porém, desde a campanha de 2018, deu inúmeras declarações no sentido contrário – comportamento que se prolongou no exercício da Presidência –, não só negando a oponentes políticos o direito de defender suas ideias como também, o que é mais grave, negando-lhes a própria existência.

> As estratégias de Rose, Magno e Erick nos dias decisivos da campanha

Ainda na campanha de 2018, o então candidato disse coisas como: “Vamos fazer uma limpeza nunca vista na história deste Brasil”; “Vamos fuzilar a petralhada!” (imitando uma metralhadora com um tripé); “Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil”; “Vamos tirar Paulo Freire do MEC com um lança-chamas!”; “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Vai tudo vocês para a Ponta da praia”.

“Ponta da praia” é a base da Marinha na restinga de Marambaia, no Rio de Janeiro, onde os opositores da ditadura eram executados e desovados.

Não importa se é “figura de linguagem” (é óbvio que é), mas o problema mora justamente na conotação das frases, isto é, na mensagem implícita: adversários devem ser não apenas derrotados nas urnas, mas completamente aniquilados. Não basta que não cheguem ao poder. É preciso que não cheguem a existir.

Ao incutir essa ideia no seu exército de seguidores digitais ou espalhados pelas ruas, o presidente só faz estimular atitudes concretas movidas por ódio político, por parte de militantes que se sentem não só encorajados como autorizados pelo próprio presidente da República para assim proceder.

De igual modo, à medida que não condena crimes bárbaros praticados “em seu nome” por intolerância política como o ocorrido em Foz do Iguaçu (não emitindo nem sequer uma nota protocolar de repúdio ou lamentação), Bolsonaro só faz reforçar a ideia totalmente equivocada, e perigosa para nós como nação, de que “tá ok” agir assim. Com seu silêncio cúmplice, o presidente da República legitima esse tipo de ação.

> Análise: a maior das ironias desta eleição no Espírito Santo

Adendo: que oração é essa?

Na atual campanha, em suas múltiplas aparições em Marchas para Jesus (inclusive em Vitória, no dia 23 de julho), a retórica do presidente (e da primeira-dama, Michelle Bolsonaro) apela para um infantiloide maniqueísmo que é a atualização piorada daquele “nós contra eles” do PT anos atrás. Segundo os Bolsonaro, a eleição deste ano é “uma luta do bem contra o mal”. E o “mal”, é claro, deve ser extirpado da “Nação do Senhor”.

Ao longo desta cobertura eleitoral, em mais de uma oportunidade, ouvi pastores, em pretensas orações, pedirem ao Senhor para “nos livrar da ‘maldita esquerda’”. É uma “oração” com muito ódio no coração. Religião no estilo Padre Kelmon, enviesada e enfiada em uma guerra ideológica.

Ou seria “sem viés ideológico”?

Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.