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Coluna Vitor Vogas

“Sou boi de piranha”, diz autor da denúncia contra Armandinho

Oficialmente, Câmara abriu processo que pode cassar vereador preso. Mas autor da denúncia agora diz que foi usado e enganado. Veja o que pode acontecer

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Armandinho Fontoura está preso há mais de 100 dias. Crédito: Reprodução Facebook

“Zé Coxinha”. A informação não é confirmada, mas, segundo um conhecido dele, esse seria o apelido do empresário Sandro Luiz da Rocha. Realmente é o nome com o qual foi salvo o contato dele em uma agenda telefônica, tal como me foi ado.

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O nome não poderia ser mais irônico, ou equivocado mesmo.

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Primeiro, porque “Zé Coxinha” pode fazer com que acabe em pizza, antes mesmo de esquentar, o processo disciplinar aberto na Câmara de Vitória contra o vereador Armandinho Fontoura (Podemos) na última quarta-feira (5), em conturbada sessão da Corregedoria-Geral da Casa. Segundo, porque o cidadão protagonizou cenas de “pastelão” durante a sessão em que o órgão disciplinar da Casa abriu o processo contra Armandinho.

itido pelo corregedor-geral da Câmara, o vereador Leonardo Monjardim (Patriota), o processo por quebra de decoro parlamentar em face de Armandinho foi oficialmente instaurado pela Corregedoria e já tem até relatora: a vereadora Karla Coser (PT), sorteada na mesma sessão. Os prazos já estão correndo.

O processo foi originado por uma representação contra Armandinho protocolada na Câmara de Vitória no fim de março, de autoria de Sandro Rocha – ou, oficialmente, de autoria dele. O nome dele está lá. O endereço dele está lá; de igual modo, seu e-mail, seu número de F e (mais importante de tudo) sua no fim da denúncia, na qual se pleiteia nada menos que a cassação do mandato de Armandinho.

Em tese, esse pode mesmo ser o desfecho do processo disciplinar, se for essa a decisão do plenário da Câmara na última etapa de um processo que mal começou. Mas talvez este nem chegue perto disso, por obra do próprio autor, ou suposto autor da denúncia.

Para perplexidade geral, Sandro da Rocha, vulgo Zé Coxinha, até então pouco mais que um nome, baixou em pessoa no plenário da Câmara na sessão da Corregedoria na quarta, e chegou causando impacto com as suas declarações.

Basicamente, embora seu nome e seus dados constem lá, ele negou ser o verdadeiro autor da denúncia contra Armandinho. Afirmou ter sido vítima de uma armação, um golpe, um embuste, um estelionato; que assinou pela metade um documento, ou deu uma meia (?!?), acreditando tratar-se de um requerimento de audiência pública relativa ao caso de Armandinho; que foi ludibriado pelas pessoas que o abordaram; que não leu e nada sabe sobre a representação contra Armandinho; em suma, que foi usado como autor da denúncia por alguém que não queria aparecer nesse papel.

Isso tudo foi dito por ele, em palavras similares, nos bastidores da sessão. Está gravado em vídeos feitos por terceiros. Um deles, inclusive, foi publicado no Instagram e circula pelas redes sociais.

Durante a sessão propriamente dita, Sandro da Rocha não teve direito ao uso da palavra oficialmente, pois predominou o entendimento de que não era o momento para isso e de que, se ele alega não ser o autor real da ação, cabe a ele agora provar o que está dizendo nos autos, juntando ao processo documentos que provem a falsidade ideológica, como terá oportunidade de fazer.

Sandro da Rocha chegou ao plenário de bermudas e, para poder entrar e assistir à sessão da Corregedoria, trocou de roupa com outra pessoa – daí o momento “pastelão”. Durante a reunião, impossibilitado de falar, ele escreveu numa folha de papel que não era o autor da denúncia contra Armandinho. A declaração chegou a ser lida pelo corregedor-geral, mas não fez a menor diferença em termos processuais: o processo foi instaurado.

Para tirar a limpo esta história, liguei para o próprio Sandro da Rocha, aliás Zé Coxinha, na manhã de ontem (6). Ele me atendeu apressadamente, querendo cortar logo a ligação, mas deu declarações importantes, que confirmam e reforçam o que foi dito por ele na véspera:

“Sou um boi de piranha! Essa foi a sacanagem que fizeram com o meu nome”, desabafou.

“Boi de piranha” é uma expressão forte. Literalmente, remete àquele boi mais fraquinho da boiada, sacrificado por vaqueiros que precisam tocar um rebanho no delicadíssimo momento da travessia de um rio infestado por um cardume do famoso peixe carnívoro: as piranhas atacam em peso esse boi, enquanto os demais atravessam à outra margem em segurança.

Portanto, a declaração de Sandro da Rocha para mim reforça a narrativa dele de que, na realidade, ele foi usado por terceiros, interessados na perda definitiva do mandato de Armandinho, preso desde 15 de dezembro por decisão do ministro Alexandre de Moraes e afastado do mandato desde 1º de janeiro por decisão da Justiça Estadual.

Mas Sandro da Rocha disse mais em nossa breve conversa telefônica:

“Me disseram que haveria uma audiência pública para saber a situação em que ficaria o vereador Armandinho. Foi o que me disseram. Depois me aram que o meu nome estava lá como autor de representação, mas eu não sabia de nada. Não li processo, não fiz nada, simplesmente colocaram meu nome. Foi uma sacanagem o que fizeram.”

Sem especificar as providências jurídicas tomadas (boletim de ocorrência, constituição de advogado etc.), ele completou: “Estou correndo atrás disso na Justiça, para conseguir ter a minha paz. Não posso falar mais”, interrompeu e desligou, antes que eu pudesse prosseguir. Depois, não atendeu mais às ligações nem respondeu às mensagens por Whatsapp.

Chico Hosken

Um detalhe que sobressai das breves mas contundentes declarações de Sandro da Rocha é o uso do sujeito indeterminado, na terceira pessoa do plural: “Fizeram”, “me disseram”, “me aram”, “colocaram meu nome”.

Aliás, o momento em que lhe perguntei quem o havia abordado foi justamente o gatilho para ele encerrar o telefonema e, desse ponto em diante, “mergulhar”.

No entanto, informações readas por pessoas que participaram da conturbada reunião da Corregedoria na quarta dão conta do seguinte:

Sandro da Rocha teria dito ter sido procurado por pessoas ligadas ao gabinete do vereador Chico Hosken (Podemos). Por outra decisão judicial, Hosken assumiu o mandato na Câmara de Vitória no lugar de Armandinho em janeiro, por ser seu primeiro suplente. Como tal, seria o maior interessado na cassação definitiva do vereador.

Questionado por mim sobre isso na noite de quarta-feira, o próprio Chico Hosken desafiou Sandro da Rocha a provar essa conexão:

“Ele falou isso?!? Então vai ter que provar o que está falando. Eu não tenho nada a ver com isso. Está na conta dele, deixa ele resolver. Deixa a polícia investigar. Se ele estiver falando algo verdadeiro, Deus o abençoe. Se estiver mentindo, a mentira nunca fica encoberta, porque Deus não deixa. Então deixa rolar, deixa ele se virar. Se eu for chamado em algum momento para falar, eu vou falar. Foi ele quem assinou, agora está dizendo que não assinou, então agora é com ele. É ele com a Câmara.”

O que acontece agora?!?

Especificamente no processo disciplinar que agora corre na Câmara de Vitória, Armandinho é representado pelo advogado Fernando Dilen.

Diante das afirmações de Sandro da Rocha, Dilen entende que o processo deve ser anulado. “A defesa entende que o processo é nulo desde sua origem. Pretendemos demonstrar isso aos integrantes da Corregedoria quando formos intimados.”

Para pedir a anulação, a defesa deve juntar aos autos do processo material comprobatório da alegada fraude (ou até crime de falsidade ideológica). Se os elementos juntados ao processo forem poderosos o bastante, o advogado talvez consiga “matar o processo na raiz”.

No âmbito da Corregedoria da Câmara, o processo seguirá o rito de tramitação estabelecido pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar aprovado em plenário no último dia 28 e promulgado no dia seguinte.

O que o Código prevê é o seguinte:

Uma vez itida a denúncia e instaurado o processo disciplinar contra Armandinho, como de fato foi feito na última quarta-feira, o corregedor-geral (Leonardo Monjardim) deve notificar imediatamente a defesa de Armandinho. Segundo Monjardim, isso será feito por edital publicado na imprensa nos próximos dias, já que Armandinho está preso e o advogado dele ainda não foi constituído nos autos.

A defesa, então, terá prazo de dez dias para apresentar as suas alegações preliminares.

Uma vez apresentada a defesa, a relatora do processo nessa fase, Karla Coser, terá prazo de cinco dias para apresentar um relatório, sugerindo o arquivamento do processo ou determinada pena.

Apresentado o relatório da relatora, a Corregedoria, formada por cinco membros titulares, terá prazo de cinco dias para apreciar e votar o relatório de Karla.

Se o relatório for pelo arquivamento e for aprovado, o processo morrerá ali. Armandinho estará “de boas” (na medida do possível, para alguém que está preso há mais de 100 dias etc.).

Mas, se a relatora entender que o processo deve prosseguir e se esse parecer for aprovado no órgão, ar-se-á à fase da “instrução processual”. Será sorteado, então, um(a) novo relator(a), responsável a partir daí por toda a condução do processo (como se fosse um juiz mesmo): oitiva de testemunhas, realização de diligências, pedido de envio de documentos etc.

Dúvida: suspensão dos prazos

Tudo isso eu reproduzi conforme está escrito no Código de Ética da Câmara. É exatamente o que diz o Código.

Entretanto, um fato novo gerou muita confusão, aliás aumentou a confusão que já era grande, na fatídica sessão da Corregedoria na última quarta-feira.

Diante das novas alegações de Sandro da Rocha pouco antes e durante a sessão, mesmo não feitas de forma oficial, o corregedor-geral, Leonardo Monjardim, achou por bem suspender por 30 dias a tramitação processual para que o autor da representação, ou suposto autor, possa provar o que agora está dizendo.

O problema é que essa “suspensão” gerou uma dúvida enorme para muita gente.

Confesso que eu sinceramente não entendi. Mas não fui o único. Até membros da Corregedoria ficaram confusos. Isso não está previsto no Código de Ética.

Por exemplo: quando exatamente começam a contar esses 30 dias? Agora, imediatamente? Ou só depois que o advogado de Armandinho apresentar sua defesa preliminar e que a relatora, Karla Coser, apresentar o seu relatório preliminar?

O corregedor-geral, Leonardo Monjardim, deu à coluna duas respostas importantes:

1) “Provavelmente, vamos suspender o processo por 30 dias depois do parecer da Karla Coser.”

2) “Sandro da Rocha não incluiu nada por escrito nos autos. Então, isso não interfere em nada. O processo segue o rito normal.”

Karla Coser

Nessa quinta-feira (5), perguntei à própria Karla Coser sobre o rito daqui para a frente e também se ela avalia que, diante das declarações de Sandro da Rocha, o processo pode cair em nulidade. A resposta dela:

“Juridicamente falando, só existe o que está no processo. Na sessão da Corregedoria na última quarta-feira, houve uma discussão a respeito da autoria da representação. Isso ainda não foi posto no processo. O Sandro da Rocha não protocolou nenhum documento questionando a autoria. Por estar relatora do processo, não posso falar com a imprensa sobre possível nulidade”, declarou a vereadora.

“O que posso dizer é que, hoje, não há nada sobre isso oficialmente, nos autos do processo disciplinar na Corregedoria. Hoje, não há nenhum indício de irregularidade, e a autoria está confirmada. Então, no momento, o processo segue normalmente. Nós só vamos nos posicionar sobre isso nos autos, se formos provocados no decorrer do processo”, completou a relatora.

Adendo: tudo muito esquisito…

Por dever de ofício (pois é tarefa extremamente chata), li a representação completa contra Armandinho Fontoura. Está muito bem fundamentada. Nenhum advogado assina a peça, somente Sandro da Rocha. Mas é trabalho de um profissional (ou vários). Não é obra de um “Zé das Couves”. Muito menos de um “Zé Coxinha”…

Ele pode, como agora alega, ter sido enganado antes da apresentação da denúncia? Pode. Mas também pode ter topado apresentar a denúncia em seu nome e depois, por algum motivo (coação, ameaças etc.), ter se arrependido e mudado radicalmente a narrativa? Também pode.

A história toda é tão escabrosa, mas tão escabrosa, que todas as hipóteses são válidas.

Mas o fato concreto é que o processo contra Armandinho na Câmara está oficialmente aberto, e agora cabe à defesa dele o defender… e a Sandro da Rocha, provar tudo o que está afirmando.