fbpx

Coluna Vitor Vogas

Sob protestos, novas regras para licença ambiental vão a votação na Ales

Projeto elaborado por Rigoni e enviado por Casagrande muda as normas de licenciamento ambiental para empreendimentos no ES. Tem o apoio de empresários e do presidente Marcelo Santos, mas enfrenta enorme resistência de servidores do Estado

Publicado

em

Da esquerda para a direita: Renato Casagrande, Fabrício Gandini, Marcelo Santos e Felipe Rigoni

Imensamente aguardadas pelo setor produtivo, mas rejeitadas na mesma proporção por ambientalistas e servidores públicos estaduais, novas regras para a concessão de licenças ambientais no Espírito Santo devem ser votadas nesta segunda-feira (11) no plenário da Assembleia Legislativa, sob fortes protestos liderados pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado do Espírito Santo (Sindipúblicos).

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

Protocolado no dia 27 de novembro, o projeto de lei complementar nº 56 de 2023 (PLC 56/23) é assinado pelo governador Renato Casagrande (PSB), mas a verdadeira mente por trás da proposição é o secretário estadual do Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União Brasil), ex-deputado federal de orientação liberal.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do Vítor Vogas.

O projeto pode ser considerado a grande marca da gestão de Rigoni até agora na Secretaria de Estado do Meio Ambiente. A própria escalação de Rigoni por Casagrande, no fim do ano ado, para conduzir a pasta, já indicava uma profunda mudança de rumos na Seama, materializada, por exemplo, no PLC em questão.

A divergência de pontos de vista é gritante. O Governo do Estado fala em “redução de custos”, “maior eficiência dos processos”, “simplificação”, “modernização” e “racionalização” da legislação estadual que disciplina os processos de licenciamento ambiental.

Os servidores falam em “precarização” e “afrouxamento das normas”, com “arrocho de prazos” e enfraquecimento do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Seama), com autonomia técnica, financeira e istrativa.

Tachando o projeto como “PL da Destruição” e fazendo analogias com o episódio do afundamento do solo em Maceió causado pela ação da Brankem em uma mina de extração de sal-gema, o Sindipúblicos mobiliza um grande ato em frente à Assembleia, na tarde desta segunda-feira. O objetivo é cobrar dos deputados a retirada de pauta do PLC 56/2023. Para o sindicato, “o projeto vai na contramão da história, ao flexibilizar a legislação ambiental em favor das grandes empresas poluidoras e degradantes do meio ambiente”.

Por sua vez, representantes da Associação dos Servidores do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Assiema) ameaçam até entrar em greve caso o projeto seja aprovado em regime de urgência. Ao lado de outras 50 entidades, a Assiema e o Sindipúblicos assinam um abaixo-assinado em que pleiteiam a suspensão da tramitação do projeto em regime de urgência.

Mas o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), tem outra inclinação.

Na última sexta-feira (8), após se reunir com representantes de federações e outras entidades empresariais, Marcelo anunciou que pautaria o projeto para votação, sem falta, nesta segunda-feira, em regime de urgência. O próprio presidente é um simpatizante da matéria. No ano ado, Marcelo posicionou-se, inclusive na tribuna da Assembleia, como um grande crítico do Iema e dos procedimentos de análise de licenciamentos ambientais praticados pelo órgão.

Na sessão da última segunda-feira (4), Marcelo anunciou uma nova regra para a votação de projetos em regime de urgência no plenário neste mês de dezembro. Até o fim do ano legislativo, não é mais necessário que um requerimento de urgência seja apresentado e aprovado em plenário. Basicamente, o que Marcelo decidir que será votado em urgência, assim o será.

Preocupado com isso, ainda na última segunda-feira, o deputado Fabrício Gandini (PSD) pediu a Marcelo em plenário para não pautar com urgência o PLC 56/23, a fim de proporcionar maior tempo para discussão com os segmentos diretamente afetados. Gandini falou como presidente da Comissão de Proteção ao Meio Ambiente, sendo secundado pelas deputadas Iriny Lopes (PT), membro do mesmo colegiado, e Camila Valadão (PSol). “Podemos ajudar o governo a melhorar o projeto”, argumentou Gandini, na ocasião.

Organizações que representam os servidores estaduais vão além. Não querem apenas o aprimoramento do projeto, mas sua retirada de pauta ou, se for mesmo a votação, sua rejeição. Para eles, o PLC 56/23 foi elaborado sem diálogo nem com os servidores nem com a sociedade e, caso aprovado, terá impactos negativos para as comunidades quilombolas e ribeirinhas.

A REUNIÃO DA COMISSÃO DO MEIO AMBIENTE

Na última quarta-feira (6), durante reunião ordinária, a Comissão de Proteção ao Meio Ambiente recebeu representantes da Assiema. No dia seguinte (7), atendendo a um pedido da entidade, a comissão convidou o secretário Felipe Rigoni para explicar o projeto no colegiado – o que não se concretizou.

Na reunião da Comissão de Meio Ambiente, de acordo com a assessoria de Gandini, a diretora da Assiema, Silvana Coutinho, destacou por que os servidores do Iema são totalmente contra a aprovação do projeto em regime de urgência:

“O PLC 56/2023 altera as regras de licenciamento ambiental no Estado, trazendo um arrocho nos prazos que o instituto tem hoje para cumprimento do requerimento do licenciamento, mas sem que para isso tenhamos infraestrutura. Hoje, convivemos com precariedades: trabalhamos sem equipamentos de proteção, com uma frota reduzida de veículos e um número diminuto de servidores.”

Silvana sustentou, ainda, que o projeto cria um Conselho de Gestão Ambiental com plenos poderes acima das referências técnicas, composto apenas pelo alto escalão, como diretores-presidentes e secretários. O receio da associação é que isso esvazie o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). “Não existe nesse conselho nenhum tipo de participação, sendo que existe o Consema já estabelecido. Bem ou mal, é paritário, tem a sociedade civil, empresas, governo e ONGs. Não sabemos onde vai parar o Consema com essa proposta.”

A diretora da Assiema avisa que, se o projeto for aprovado em urgência e sem diálogo, os servidores do Iema podem até paralisar as atividades. “Se isso ocorrer, vai ter luta! Vai ter resistência! Vamos fazer manifestações, paralisações, estado de greve, mobilização junto ao Ministério Público e às instâncias federais ligadas ao meio ambiente. Esse afrouxamento das regras é uma contradição, porque o nosso governador tem a pauta ambiental forte e é um dos representantes para o clima.”

Gandini, por seu turno, mantém discurso mais moderado, mas defende maior diálogo com a categoria e maior tempo para tramitação e discussão do projeto que estabelece profundas mudanças nas normas de licenciamento ambiental:

“É preciso ampliar o diálogo. Modernizar uma legislação nunca é ruim. No entanto, precisamos analisar as particularidades de cada órgão. Os servidores trouxeram preocupações que são pertinentes do ponto de vista ambiental. Precisamos dialogar para fazer as emendas necessárias.”

O deputado afirmou que o Governo do Estado não precisa pedir a devolução do projeto. Basta que seja retirada a urgência, mediante um acordo político, para que a proposta possa ser melhor analisada durante o recesso parlamentar e votada com calma, em fevereiro, na retomada dos trabalhos.

A REUNIÃO DE MARCELO COM EMPRESÁRIOS

Na tarde da última sexta-feira (8), Marcelo Santos reuniu-se na Assembleia com os representantes das principais empresas e entidades empresariais capixabas. Um dos pontos da pauta foi exatamente o PLC 56/23, considerado fundamental pelo setor produtivo para o aumento da competitividade e o desenvolvimento econômico local.

Marcelo não apenas se declarou partidário das mudanças nas normas de licenciamento como reivindicou parcela da paternidade do projeto de lei complementar. Segundo o presidente da Assembleia, estudos conduzidos por ele quando presidia a Comissão de Infraestrutura serviram de base para a elaboração do texto:

“Tenho profundo conhecimento do teor e da importância do projeto, desde quando liderei, na legislatura ada, um grupo de trabalho, dentro do Governo do Estado, negociando com os setores público e privado o projeto de desburocratização das obras que estavam paralisadas no Estado. Esse trabalho resultou não só em um livro, mas é a base do projeto do licenciamento ambiental. A matéria não quer criar entraves, não altera critérios, apenas altera processos, para que a lei de crimes ambientais seja rigorosamente cumprida em nosso estado”, defendeu.

Durante a reunião, a presidente da Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), Cris Samorini, também se manifestou a favor da aprovação: “O licenciamento ambiental é um tema sensível, e a indústria já cuida criteriosamente do aspecto ambiental. O Espírito Santo está se atualizando, e a expectativa é muito positiva quanto à aprovação”.

O presidente do movimento ES em Ação, Nailson Dalla Bernardina, declarou que “o projeto do licenciamento reorganiza os processos, trazendo mais previsibilidade e respeitando todos os aspectos ligados ao meio ambiente”.

Também participaram do encontro os deputados Capitão Assumção, Pablo Muribeca (Republicanos) e Alexandre Xambinho (Podemos), atual presidente da Comissão de Infraestrutura do Legislativo Estadual.

ENTENDA O PROJETO: A JUSTIFICATIVA OFICIAL DO GOVERNO

Na justificativa do projeto enviado e assinado por Casagrande, o governador afirma que a proposta visa “racionalizar o procedimento de licenciamento no Espírito Santo, de modo a reduzir custos de transação e atrair eficiência na análise dos pedidos de licenciamento”.

Alegando que o projeto está alinhado à Constituição Federal, Casagrande argumenta que “é necessário incorporar à realidade licenciadora capixaba as melhores práticas nacionais e internacionais relativas ao tema, principalmente quanto à instituição de procedimentos licenciadores ambientais por adesão e compromisso e simplificados”.

Licenciamento por adesão (empreendimentos de pequeno porte)

O licenciamento por adesão, segundo o governador, já é “boa prática ambiental em diversos estados brasileiros”.

“Elevar tal questão ao plano legislativo é de suma importância para conferir segurança jurídica ao interessado e aos servidores que efetuam as operações de licenciamento ambiental. Nessa modalidade de licença, o interessado preenche relatórios de caracterização do empreendimento e se certifica que a atividade a ser exercida se enquadra na qualificação ambiental de atividade de baixo porte ou pequeno potencial poluidor, e a licença é imediatamente exarada pelo órgão”.

Licença ambiental simplificada (empreendimentos de médio porte)

O projeto também visa introduzir a modalidade de “licença ambiental simplificada”. Esta será aplicada “para os empreendimentos de médio potencial poluidor ou médio porte”. “Aqui”, explica Casagrande, “o interessado ará por exame istrativo, anotando as peculiaridades do empreendimento, medidas mitigadoras, dentre outros fatores”.

Prazo de análise

Consta na justificativa: “a análise pelo órgão ambiental não superará 60 dias, e a licença será aplicada para atividades de decente porte, mas que não reclamam a licença trifásica”.

Novos tipos de licenças

Ficam criadas as seguintes licenças ambientais: Licença Ambiental de Fauna (LAF), Licença de Desativação e Recuperação (LDR), Licença Provisória de Operação (LPO) e Autorização para Alteração de Projeto (AAP).

Conciliação e desjudicialização

Segundo o governador, “propõem-se, ainda, parâmetros para a celebração de termos de conduta, cassação de prática ou ajuste, de modo a fomentar a conciliação de controvérsias ambientais, mediante termos transacionados, em que istração e istrado comprometem-se em direitos e obrigações”.

A ideia é “incorporar boa prática na justiça negociada/transacionada ao panorama ambiental do Estado. Incentiva-se a desjudicialização, conciliação e mediação através de tais termos, que podem reduzir multas e juros”.

Comissão de Análise de Projetos Prioritários

O projeto estabelece a criação de uma Comissão de Análise de Projetos Prioritários de Licenciamento Ambiental (CAPPLA), “com a intenção de identificar e, consequentemente, dar um tratamento prioritário e especial a determinados projetos que pretendam se instalar no Estado, em razão da contribuição para a expansão, modernização e diversificação dos setores produtivos”.

Conselho de Gestão Ambiental

O projeto cria, ainda, o Conselho de Gestão Ambiental, “órgão deliberativo e normativo, em que todas as autoridades licenciadoras e de gestão dos recursos hídricos do Espírito Santo atuarão de forma integrada e transversal, com o objetivo de uniformizar entendimentos e regulamentações”.

O QUE ALEGA O SINDIPÚBLICOS

Já o Sindipúblicos diz ser contra o PLC 56/23 por quatro motivos. Segundo o sindicato:

1. A elaboração do projeto careceria de transparência e participação da sociedade. Segundo o sindicato, nem mesmo os servidores do Iema teriam sido consultados para a modernização da legislação ambiental.

2. O projeto enfraqueceria os mecanismos de controle social, retirando a obrigatoriedade de realização de audiências públicas no processo de licenciamento e esvaziando o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). Isso porque será constituído um Conselho de Gestão Ambiental, definido pelo sindicato como “um clã de notáveis com superpoderes no processo de licenciamento” e “com direito a jetom”.

3. O PLC 56/23 atingiria a autonomia do Iema como autoridade ambiental, pois, segundo o Sindipúblicos, “possibilita o autolicenciamento e a renovação automática de licenças ambientais”. Ainda de acordo com o sindicato, “a legislação proposta impede que o Iema embargue um empreendimento em caso de flagrante dano ao meio ambiente”.

4. A proposta, para o Sindipúblicos, gera insegurança e risco para os povos tradicionais que habitam o Espírito Santo, como os ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores e demais grupos sociais que têm o meio ambiente como um elemento fundante da sua forma de vida.

REQUERIMENTOS DE URGÊNCIA E EMENDAS

O projeto já conta com três requerimentos de urgência, assinados por dez deputados – o que nos permite deduzir pelo menos nove votos favoráveis, além de Marcelo Santos, que só vota em caso de empate.

Os autores dos pedidos são Marcelo, o líder do governo, Dary Pagung (PSB), Mazinho dos Anjos (PSDB), Bruno Resende (União Brasil), Coronel Weliton (PTB), Capitão Assumção (PL), Callegari (PL), Danilo Bahiense (PL), Lucas Polese (PL) e Zé Preto (PL). Os cinco deputados do PL assinam dois desses pedidos.

Já foram apresentadas seis emendas ao projeto, de autoria dos deputados Marcelo Santos, Mazinho dos Anjos, Lucas Polese e Iriny Lopes.

* Com informações da assessoria do Sindipúblicos, de Marcelo Santos e de Fabrício Gandini.