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Coluna Vitor Vogas

Busca e apreensão contra Do Val: ele se esforçou demais por isso

Diligentemente, de um modo que só ele mesmo parece não se dar conta, senador tem feito um esforço descomunal para minar o que restava da própria credibilidade diante da opinião pública nacional e até da classe política

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Marcos do Val em reunião da MI dos Atos de 8 de Janeiro de 2023. Crédito: Pedro França/Agência Senado

“Senador Marcos do Val (Podemos) é alvo de mandados de busca e apreensão autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes”. Alguém aí ficou surpreso com o fato? Surpresa talvez tenha sido Moraes ter negado o pedido feito em abril pela Polícia Federal para prender ou afastar o senador, que tem se esforçado muito, mas muito mesmo, de forma obsessiva e politicamente suicida, para perder a liberdade e quiçá o atual mandato – no qual, de maneira inversa, tem mostrado pouquíssimo empenho para representar os interesses reais e prioritários do Espírito Santo e da população capixaba.

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Os mandados cumpridos ontem (15) pela Polícia Federal podem ser apenas o começo de um fim que o próprio Do Val parece diligentemente perseguir. São parte de um inquérito em que ele é investigado pela possível prática dos crimes de divulgação sem justa causa de documento particular ou correspondência confidencial; associação criminosa; tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

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Com o destemor dos santos e dos loucos, o senador tem operosamente se esforçado para arrumar complicações para si mesmo perante a Justiça.

O mandato de Marcos do Val tem sido um ataque diário e ininterrupto a autoridades da República; uma afronta permanente ao ministro do STF que está a investigá-lo e contra quem ele mesmo já itiu ter conspirado. As buscas contra o senador foram deferidas por Moraes porque ele viria tentando obstruir o inquérito que apura os atos terroristas de 8 de janeiro, conduzido pelo ministro no Supremo, e também em razão de postagens antidemocráticas.

Além de ter pedido a convocação de Moraes para depor à MI dos Atos Golpistas, Do Val tem acusado o ministro de tomar medidas inconstitucionais e de ter praticado prevaricação (sem apresentar provas). Na véspera da expedição dos mandados em seu desfavor, provocou gratuitamente o ministro, chamando-o de “traidor da Constituição e da pátria” em suas redes sociais agora suspensas. Não é coisa de ex-instrutor da SWAT. Está mais para kamikaze mesmo.

Vítima de si mesmo, com sua irresistível propensão à autossabotagem, o senador comete muitos erros, reiteradamente. Talvez o maior deles seja o de, a esta altura, ainda acreditar que merece ser acreditado por alguém – salvo pelos fanáticos seguidores em suas agora bloqueadas redes sociais –, depois do que ele mesmo tratou de fazer com a própria imagem e, acima de tudo, com a própria credibilidade: assim como se empenha para se complicar com a Justiça, Do Val tem se esforçado sumamente para se firmar como personagem político caricato e que, simplesmente, não desperta a menor confiança em nada do que diz.

Não que, antes de fevereiro deste ano, o senador fosse sinônimo de compromisso com a verdade ou que inspirasse alta credibilidade. Desde o início do mandato, ele já vinha trabalhando firmemente para desconstruí-la. Todos aqueles posts com teor bastante duvidoso (falemos claramente: desinformação), culminando, é claro, com a defesa apaixonada, sem base factual alguma, do “tratamento precoce” da Covid-19 à base da cloroquina no auge da pandemia, quando nem vacina havia no horizonte…

Aí veio a fatídica madrugada de 2 de fevereiro. Primeiro, numa live com o MBL, Do Val acusou Bolsonaro de ter tentado coagi-lo a participar de uma tentativa de golpe de Estado, proposta que ele teria recusado e, ainda, denunciado. Logo depois, o dia nem tinha raiado, anunciou pelas redes sociais a sua renúncia do mandato. Após o raiar do dia, tratou de se desmentir, dizendo que de jeito nenhum aria o mandato para a suplente.

De volta aos rolos com Bolsonaro, em entrevista dada à revista Veja, o senador contou um enredo surreal, sobre uma trama conspiratória aloprada urdida pelo então deputado Daniel Silveira e exposta a ele no começo de dezembro na presença do então presidente da República, na qual o papel do senador – segundo ele, declinado dias depois – seria gravar uma conversa a sós com Alexandre de Moraes para pegar o ministro em alguma fala comprometedora que pudesse ser usada para anular a eleição de outubro, evitar a posse de Lula e, de quebra, impedir Moraes de prosseguir à frente dos inquéritos que podem incriminar Bolsonaro, por flagrante suspeição para conduzir tais apurações. Na noite do dia 2, Do Val chegou a postar um calendário da Abin dizendo se tratar de um relatório sigiloso (depois apagou a postagem).

No dia seguinte (03/02), em entrevista à CNN, o senador itiu ter “feito um glamour” em sua entrevista à Veja no que dizia respeito à participação pessoal de Bolsonaro na trama relatada por ele. Em uma live, para justificar a série de contradições, afirmou que tudo fazia parte de “uma estratégia para realizar o sonho de todos os brasileiros” e que só estava a aplicar o velho método dos órgãos de inteligência: contar uma versão diferente para cada veículo de imprensa, a fim de confundir o inimigo: “Quem trabalha no setor de inteligência sabe que […] soltamos informações em cada emissora de uma forma, exatamente para ludibriar o inimigo”.

No mesmo dia, após mudar de versão algumas vezes em tempo recorde, Do Val ou a responder a inquérito instaurado por ordem de Moraes, no qual é investigado por coação, falso testemunho e denunciação caluniosa.

Em 8 de fevereiro – um dia após ter divulgado um “atestado de sanidade” assinado por um psiquiatra do Senado –, ao ser abordado pelo ativista Ronny Teles, que filmou e publicou a conversa em seu canal no YouTube, Do Val itiu ter “manipulado informações” por “estratégia”: “Foi estratégico. O resultado está dando certo. Com o tempo, vocês vão saber qual é [meu objetivo], podem ter certeza. O objetivo foi atingido. Claro que eu fiz essa manipulação com notícias desencontradas, mas aí um dia vocês podem entender isso.”

Já no dia 30 de março, data do retorno de Bolsonaro ao Brasil, misturado à claque bolsonarista para receber o ex-presidente no aeroporto, o senador confessou que armou para que Moraes fosse afastado da relatoria dos inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos: “Não se culpem por ter me julgado naquela semana, eu sabia que iam me julgar enquanto traidor. Eu estava trabalhando para blindar o presidente e darmos início à MI [do 8 de janeiro]”, disse no Instagram.

Não sou especialista no assunto, mas perguntem a qualquer criminalista a gravidade dessa declaração e o grau de comprometimento e autoincriminação contido nela.

E, por favor, reflitam comigo:

Imaginem que um cidadão comum, em qualquer situação normal da vida, agisse e desse declarações com esse volume de recuos e aceleradas mudanças de versões, e confessasse, como a coisa mais natural do mundo, que glamourizou, manipulou informações, plantou versões conflitantes com o deliberado intuito de confundir e “ludibriar”… numa palavra, mentiu repetidamente. Que credibilidade gozaria esse cidadão?

Se eu digo para o mundo inteiro que meu chefe cometeu um crime grave, me chamou para conspirar para derrubar seu sucessor no comando da empresa; se anuncio minha demissão para horas depois voltar atrás; se, depois disso, conto um sem-número de versões sobre a suposta conspirata; e se no fim ito que fiz tudo isso apenas para prejudicar o cara da auditoria que está investigando o antigo dono da empresa… Que credibilidade mereço?

Foi, perdoem-me a metáfora, o que fez Marcos do Val. E é o que, desde então, segue fazendo o senador.

Todas aquelas lives… Todos aqueles posts no Instagram com chamada de “URGENTE” em letras garrafais… Todos os blefes estrepitosos, as repetidas alegações de que, em seu poder, há material explosivo para provocar a queda de Lula, derrubar Flávio Dino e ainda mandar para a prisão o ministro da Justiça, por quem desenvolveu especial obsessão… Tudo isso para, no fim das contas, não exibir absolutamente nada, nem um estalinho de São João.

Como seu pior inimigo, o senador entrou numa espiral de delírio da qual não consegue mais sair, com fixação pelo 8 de janeiro e obsessão pela MI, temperada com requintes de paranoia (em uma das lives recentes, chegou a dizer que o governo Lula quer matá-lo). É uma espiral sem saída e sem retorno. Agora fora do ar – e é de se perguntar o que será doravante o mandato de um senador tão dependente delas para existir na política –, suas redes sociais eram só Dino, Lula, Dino, Eliziane Gama, Dino, Lula, Dino, Eliziane Gama, Dino, Lula…

Já estamos quase completando seis meses da segunda metade do seu extenso mandato. A esta altura, já cabe perguntar: vai ser só isso mesmo, até o fim?!? Esse mandato monotemático, e centrado em um tema tão furado?

De um modo que só ele mesmo parece não se dar conta, Do Val tem feito um esforço descomunal para minar o que restava da própria credibilidade diante da opinião pública nacional e mesmo dentro da “comunidade política” de Brasília.

Entre seus pares, não há como dizê-lo de outro jeito, o senador lamentavelmente virou motivo de escárnio coletivo, como provam as vexatórias cenas performadas em reuniões e audiências de comissões temáticas do Congresso, nas quais o senador tem sido alvo de chacotas, zombarias e galhofa por parte de ministro, de senadores e até de deputados federais.

Ora é Dino, galhofeiro, dizendo que, se Do Val é da SWAT, ele mesmo pertence aos Vingadores; ora é o senador Otto Alencar o enquadrando: “Aqui não é delegacia de polícia, não! Se comporte como senador! Vossa Excelência não tem se comportado como senador em outras datas aqui!”; ora é o deputado Duarte Junior a ironizá-lo: “Tem mais versão do que terno!”; ora é o deputado Rogério Correia afirmando, zombeteiro, que “o senador não manja de nada, manja só de outras coisas”…

Quem se colocou nessa posição foi o próprio Do Val, que mostrou e segue a exibir um empenho sobre-humano, realmente de super-herói, em destruir a própria credibilidade – um dos ativos mais caros a qualquer cidadão comum, porém ainda mais importante para homens públicos e representantes do povo, eleitos pelo povo, de quem sempre se espera retidão, consistência, coerência, contenção, moderação, sinceridade, sensatez, equilíbrio e solidez da palavra.

Oito de janeiro: culpar governo Lula e ar pano para Bolsonaro é cinismo

É a primeira vez que me posiciono sobre a “tese” de Do Val e de muitos parlamentares e apoiadores bolsonaristas sobre a depredação da Praça dos Três Poderes e a tentativa de golpe de Estado contra o governo Lula no dia 8 de janeiro: é de um cinismo raramente visto, para não dizer sem precedentes.

Bolsonaro nunca disfarçou suas inclinações golpistas – e sua “autenticidade”, aliás, sempre foi uma das virtudes mais celebradas por seus seguidores. E foi assim, munidos desses espírito, estimulados e “treinados” no golpismo por seu grande líder ao longo de quatro anos no poder, que parte desses mesmos seguidores foi bloquear rodovias e acampar perante quartéis após o 30 de outubro, sob a vista grossa e cúmplice de Bolsonaro e um festival de declarações ambíguas dadas por ele, para clamar por um golpe militar que impedisse a posse do vencedor legítimo das eleições realizadas de forma democrática, culminando com os atos do 8 de janeiro.

Dizer o contrário e, num contorcionismo mental, tentar inverter posições e papéis, tomando vítimas por culpados e vice-versa, é mais que torturar os fatos, é mais que pôr a História pelo avesso… é uma das teses mais cínicas de que se tem notícia na história da Nova República.

Ora, como se pode, dentro das “quatro linhas” da lógica e da capacidade cognitiva humana, culpar o presidente Lula e agentes do governo Lula pela tentativa de golpe contra Lula e o governo Lula, praticada por apoiadores do adversário eleitoral de Lula, inconformados com a vitória de Lula e encorajados a agir daquela maneira aloprada por uma série de declarações e gestos de inconfundível teor antidemocrático feitos pelo antecessor de Lula antes, durante e após a campanha eleitoral?

É “o avesso do avesso do avesso”, cantaria alguém que sofreu muito nas mãos de outros golpistas.

Para não me alongar mais: é como eu ameaçar dezenas de vezes atirar em você, efetuar realmente o disparo e, depois da injusta agressão, ainda afirmar cheio de razão que a culpa de ter levado o tiro foi toda sua, por não ter saído da minha frente e corrido enquanto teve oportunidade, em face das minhas reiteradas ameaças de violência.

Não tem o menor nexo, não faz o menor sentido.