Coluna Vitor Vogas
Eleição no MPES: grupo no poder racha e Eder & Luciana vira Eder x Luciana
Entrega de cargo de Marcelo Lemos é primeira evidência pública da divisão entre atual PGJ e seu padrinho em torno da escolha do candidato à sucessão que vai representar a situação no processo. Clima de tensão interna já era grande e foi acentuado com decisão do promotor fiel a Eder, enquanto opositores lambem os beiços

Luciana de Andrade e Eder Pontes
Sabe aquela rachadura incômoda que aparece de repente na parede? Você dá uma pincelada de tinta. Ela volta a aparecer. Você coloca um vaso de planta na frente. Ela fica ali, maldisfarçada. Chega um momento em que a rachadura cresce tanto que já não é possível escondê-la. Estamos diante de um caso assim.
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A decisão do promotor de Justiça Marcelo Lemos Vieira de entregar o cargo após anos imemoriais à frente do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente (CAOA) é a primeira evidência pública, mas pública mesmo, de algo que já não se pode esconder, disfarçar nem contornar no Ministério Público do Espírito Santo (MPES): a divisão política hoje existente (e crescente) na alta cúpula da instituição…
Mais precisamente, a cisão – ainda que momentânea e reversível – instaurada dentro do grupo historicamente liderado pelo atual desembargador Eder Pontes e hoje representado pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Ferreira de Andrade…
Para ser ainda mais preciso, a fissura entre o próprio Eder e a própria Luciana, causada pela discordância entre ambos sobre quem representará o grupo na próxima eleição para o cargo de procurador-geral de Justiça, como candidato a sucessor da segunda, para dar sequência à dinastia dessa corrente política no MPES, inaugurada no distante ano de 2012.
Eder prefere que o candidato seja Danilo Raposo Lírio; Luciana prefere lançar Francisco Martínez Berdeal – enquanto também trabalha, alternativamente, com os nomes do diretor-geral do MPES, Lidson Fausto da Silva (que ganha fôlego) e do subprocurador-geral de Justiça Judicial, Josemar Moreira (correndo por fora).
Até as paredes do MPES sabem disso e, se pudessem, o atestariam. É o que se comenta há muito dentro e fora da instituição, no meio político capixaba. Segundo inúmeros relatos, Eder já teria inclusive lançado informalmente a pré-candidatura de Raposo, em um almoço promovido num requintado restaurante da Praia do Canto, em outubro.
Tanto Raposo como Berdeal estão instalados ali no andar de cima do MPES, assessorando bem de perto a procuradora-geral de Justiça. De um lado, Luciana tem Raposo como chefe de Apoio do Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ); do outro, tem Berdeal como secretário-geral do Gabinete.
Os pontos de contato, no momento, não vão muito além dessa proximidade física e funcional.
Dentro da instituição, Raposo é considerado aliado histórico de Eder, seu notório afilhado político e seu homem de confiança, portanto ungido por ele para dar continuidade a seu legado, iniciado quando chegou à PGJ em 2012. Por sua lealdade a toda prova, Raposo garantiria e perenização da influência de Eder sobre sua instituição original, muito embora o ex-chefe do MPES atue desde 2021 em outra esfera, o Poder Judiciário Estadual.
Berdeal, por sua vez, é tido como um aliado muito mais próximo, política e pessoalmente, de Luciana Andrade. Obviamente, embora seja ela mesma uma “cria política” de Eder, oriunda do grupo do hoje desembargador, Luciana é, há dois biênios, quem detém o poder no MPES e assina como chefe da instituição, não obstante a perpetuação da influência do seu antecessor.
É lógico e natural que também ela pretenda eleger o seu próprio candidato, escolhido com autonomia e não mais à sombra do padrinho, para manter sua própria influência sobre os rumos do MPES para além do fim do seu mandato – assim como o logrou o próprio Eder.
O mesmo grupo, enfim, está assentado no poder no MPES há mais de uma década (precisamente, 12 anos). Esse grupo cresceu à sombra de Eder, que segue sendo o seu maior líder, ainda que a referida liderança agora seja exercida de maneira mais remota. Luciana, ao que tudo indica, pode estar querendo libertar-se dessa sombra política.
E Marcelo Lemos?
O que tudo isso tem a ver com o gesto de Marcelo Lemos de entregar o cargo de dirigente do Centro de Defesa do Meio Ambiente? Simplesmente tudo.
Segundo todas as fontes ouvidas para esta análise – e foram várias, representando diferentes grupos políticos internos –, o chute no balde dado por Lemos está diretamente relacionado ao processo sucessório que se aproxima e, de forma mais específica, a essa guerra de nervos travada a portas fechadas entre criador e criatura política na escolha do candidato à sucessão.
Todas as fontes da coluna atribuem conexão entre os fatos e corroboram: Lemos é um aliado histórico de Eder, fidelíssimo a ele antes de tudo e de todos. Sempre pertenceu ao grupo de Eder e sua lealdade é a ele, não a Luciana. Ao entregar o cargo no CAOA, evocando vagamente “os últimos acontecimentos”, Lemos trata de marcar sua posição nesse processo – ombreado com Eder, logo com Raposo – num momento de alta tensão política no seio do grupo e do MPES em geral, a qual, se já era grande, agora é maximizada com o gesto do promotor.
Adicionalmente – e aí também pode estar parte da explicação para os “últimos acontecimentos” aludidos por Marcelo Lemos –, A GAZETA trouxe, em reportagem publicada nessa quinta-feira (16), a informação de que o promotor se indispôs com a chefia do MPES por conta da transferência de uma entrevista coletiva relacionada à poluição atmosférica em Vitória pelo famigerado pó preto. Inicialmente, a coletiva estava marcada para o palco de Lemos. Depois, sem maiores explicações, foi transferida para outro local, sem a participação do promotor.
Na prática, isso pode ser interpretado como um modo de desprestigiar Lemos e seu trabalho, retirando-lhe holofotes, quitando-lhe visibilidade e espaço positivo na mídia. Pode ter sido a gota d’água para o promotor. Mas parece razoável supor que a decisão da cúpula do MPES de lhe cortar os microfones tenha resultado de um conflito que já vinha se desenrolando muito anteriormente entre eles.
Ora, tendo sido causa, consequência ou as duas opções ao mesmo tempo, a transferência da entrevista coletiva é mais uma evidência de que já existe há algum tempo um conflito político instalado no grupo de Eder e Luciana.
A “Era Eder” no MPES
O leitor menos familiarizado com os bastidores e a recente história política do Espírito Santo pode estar estranhando um aspecto essencial desta explicação: mas Eder não é desembargador do TJES desde 2021? Como pode seu arbítrio influir de tal maneira numa disputa política interna corporis para a definição do comando de outra instituição?
Estranhar essa constatação seria desconhecer uma verdade imperativa: nos últimos 12 anos, a história do MP no Espírito Santo pode ser resumida como a “Era Eder”; uma era que se iniciou com a chegada dele ao cargo de procurador-geral de Justiça em 2012, sucedendo ao seu hoje colega de Pleno Fernando Zardini; prolongou-se durante a curta agem de Elda Spedo, braço direito de Eder, pela PGJ, no biênio 2016-2018; prosseguiu com o retorno de Eder ao cargo e, de igual modo, com a agem de bastão para Luciana, candidata apoiada por ele em 2020 (após ele desistir de pleitear um quarto mandato em cima do pleito, já tendo registrado candidatura e tudo).
Essa informação é fundamental: desde as origens, Luciana é aliada de Eder e foi com o apoio dele que a então promotora de Justiça chegou ao topo do MPES em 2020. No ano seguinte, Eder chega ao TJES, por escolha do governador Renato Casagrande, preenchendo vaga aberta pelo Quinto Constitucional. Mas a sua influência persistiu, através de Luciana. Com ela no comando do MPES, seu grupo seguiu no poder.
Num autêntico eio eleitoral, Luciana foi reeleita sem adversário algum em 2022. Agora, não pode se reeleger para um terceiro biênio no cargo – hipótese vedada pelo regramento interno do MPES. Por imposição das leis e circunstâncias, é tempo de renovação no órgão – se não do grupo no poder, necessariamente do nome no comando. E, conforme explicado no início, a escolha desse nome é que está tensionando e dividindo o grupo, colocando Eder e Luciana em “lados opostos” – ainda que, a priori, pertençam ao mesmo lado.
Como é exatamente essa eleição
A próxima eleição no MPES deve ocorrer, necessariamente, até princípios de março. A posse do sucessor de Luciana é prevista para o início de maio. Quem vota são os membros da instituição: promotores e procuradores de Justiça.
Para que os interessados na vaga possam se inscrever, a chefe do MPES precisa antes publicar o edital do processo. Em tese, ela pode antecipar o lançamento. Mas poucos apostam que o fará. Mais provável é que segure a medida até o limite do prazo, justamente em virtude do ime dentro do próprio grupo.
Um primeiro detalhe capital: a eleição interna tem por finalidade a formação de uma lista tríplice. Significa dizer que os três candidatos mais votados integrarão essa lista inicial, avançando para a “segunda e decisiva fase do processo”, o que nos leva ao segundo “detalhe” fundamental: quem dá a palavra final é o governador.
E ele não é obrigado a optar pelo candidato mais votado. Fica inteiramente a seu critério – e esse critério, é claro, é fundamentalmente político, ainda que critérios técnicos como avaliação de currículos também se somem na sua tomada de decisão.
Terceiro detalhe essencial: como a votação visa à composição da lista tríplice, cada eleitor pode dar até três votos (mas, se assim preferir, pode marcar dois nomes ou apenas um, no chamado “voto camarão”).
Essa regra é sumamente importante porque aí a coisa fica muito mais complexa: o cálculo político dos grupos se cruza com o matemático, mesclando projeções de cenários eleitorais com análises probabilísticas e combinatórias de votos.
E aqui chegamos a um ponto desta análise em que soa oportuno responder: quem são as outras forças concorrendo nessa disputa e quais são as outras candidaturas já postas ou potenciais, representando grupos de oposição interna ao de Eder e/ou Luciana?
As forças de oposição no páreo
Entre essas forças de oposição, no momento a candidatura mais certa, embora ainda não publicizada, é a da promotora de Justiça Maria Clara Mendonça Perim. Hoje atuando na Promotoria de Justiça Cível da Serra, Maria Clara não pertence e nunca pertenceu ao grupo de Eder.
Ao contrário. Chegou a concorrer com ele pela vaga de desembargador em 2021 – tendo chegado em 2º lugar na votação dos membros do MPES para a formação da lista sêxtupla encaminhada ao TJES, resultado mais que honroso para uma promotora brigando com os “peixes grandes”. Depois, ela foi a 3ª mais votada na lista tríplice definida pelos desembargadores e enviada para Casagrande, que escolheu Eder na cabeça (o mais votado nas duas etapas preliminares).
Na eleição para a PGJ, poucos meses depois, Maria Clara decidiu não concorrer, por estratégia definida com seu grupo. Luciana estava mais forte que nunca; desafiá-la e sofrer uma derrota muito certa àquela altura seria queimar o capital político adquirido com o ótimo resultado para a vaga do Quinto Constitucional no TJES. Em fevereiro de 2022, Luciana foi reconduzida como candidata única (uma verdadeira proeza).
Maria Clara é orientanda de ninguém menos que o ministro do STF Luís Roberto Barroso, no curso de doutorado em Direito Público da Uerj. Em reuniões com colegas de MPES na Grande Vitória e no interior, ela já tem se apresentado como pré-candidata à PGJ, buscando demarcar sua independência no processo.
O outro hoje muito provável candidato de oposição ao grupo de Eder e Luciana, por outro flanco, é o promotor de Justiça Pedro Ivo de Sousa.
Professor da Faculdade de Direito da Ufes e ex-presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP), o filho do procurador de Justiça Eliezer Siqueira de Sousa tem excelente trânsito político entre os pares – e para além das fronteiras do MPES. Diferentemente de Maria Clara, já pertenceu ao grupo político de Eder e Luciana, com o qual rompeu. Também diferentemente da primeira, tem feito uma pré-campanha num estilo muito mais discreto, concentrada nos bastidores.
Correndo por fora, o agora procurador de Justiça Marcello de Souza Queiroz tem sido incentivado por alguns a concorrer novamente. Quando ainda era promotor de Justiça, chegou a desafiar o grupo de Eder Pontes em três ocasiões consecutivas, mas foi derrotado, nesta ordem, por Elda Spedo em 2016, pelo próprio Eder em 2018 e por Luciana em 2020.
Há quem defenda, ainda, a tese de que os três devem se lançar para compor, ainda que não declaradamente, uma “chapa completa de oposição”. Assim, os membros que estiverem muito insatisfeitos com a eternização do grupo de Eder e Luciana no poder e quiserem dar um basta na dinastia terão a opção de fechar uma cédula com três candidatos de oposição, a fim de não dar chance para que um só candidato da situação, seja quem for, chegue sequer à lista tríplice.
As estratégias na mesa da situação
Por outro lado, voltando ao grupo na situação, nada impede que este lance tanto Berdeal quanto Raposo e quiçá até um terceiro candidato – tendo em mente a mesma estratégia de oferecer aos eleitores simpáticos ao grupo de Eder e Luciana uma “chapa completa da situação”.
A questão é que, segundo avaliações internas, tal estratégia, se aplicada pelo grupo no poder, dificilmente dará certo, podendo surtir justamente o efeito contrário, em prejuízo da situação.
Isso porque, apesar de pertencerem a priori ao mesmo grupo Eder/Luciana, Raposo e Berdeal são vistos como donos de estilos radicalmente diferentes (este mais propenso à conciliação, aquele mais dado ao enfrentamento). Isso sem falar no racha entre os cabeças, Eder e Luciana, já devidamente exposto acima.
Por essa e outras razões, quem vota em um dificilmente votará no outro. Mesmo aqueles que são muito favoráveis a Eder e Luciana teriam dificuldade em votar nos dois ao mesmo tempo. Sendo assim, é possível que, lançando os dois candidatos, a situação acabe dividindo entre eles os votos que certamente são da situação.
Só a título de exemplo matemático, em vez de um só candidato fazer, digamos, 200 votos, pode ser que cada um faça 100 votos, ou que um deles alcance 150 deixando o outro com 50. De todo modo, o risco é que nenhum dos dois sequer avance para a lista tríplice, dando-se um abraço dos afogados.
Por esse raciocínio, parece hoje mais sensato que a situação escolha e lance candidatura única para canalizar todos os votos tendentes a ir para a situação; a boa e velha estratégia de concentrar os ovos num só cesto; um nome que magnetize e monopolize os votos que desejam rumar para o mesmo norte.
Neste caso, mesmo o eleitor da situação que não goste tanto de Berdeal, se for ele o candidato do grupo, vai engolir em seco e votar nele, como única opção possível de voto desse lado. Da mesma forma, mesmo aquele eleitor da situação que não curta tanto Raposo, se for este o escolhido pelo grupo, vai respirar fundo e votar nele, como única possibilidade de voto para manter essa tendência no poder.
E é exatamente isso o que explica por que, a esta altura do processo, Eder Pontes e Luciana Andrade estão a se digladiar dessa maneira, brigando pela primazia na indicação do chosen one, o escolhido para ser o eleito pelos pares e, acima de tudo, por Casagrande.
