Coluna Vitor Vogas
Duelo marcado: Lelo e Rose vão disputar no voto o comando do MDB-ES
Nesta sexta (15) os dois lados chegaram a um entendimento político, com reconhecimento mútuo das duas chapas. Convenção será na próxima quinta (21). Para garanti-la, Lelo cedeu e topou duelar no campo de Rose. Coluna explica e recapitula o imbróglio que marcou a semana

Lelo Coimbra e Rose de Freitas
Até o século XIX, para resolver suas diferenças, cavaleiros costumavam seguir uma convenção social que soa muito estranha em nossos dias: marcavam entre si um duelo. O evento deveria obedecer a todo um código de conduta, rituais e até regras de etiqueta. Um querelante definia a arma com que o dois duelariam, enquanto o outro tinha o direito de escolher o local da contenda.
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Descontado o lapso de dois séculos (além do fato de que mulheres não tomavam parte em tais querelas), é mais ou menos o que teremos daqui a seis dias no MDB do Espírito Santo: a ex-senadora Rose de Freitas e o ex-deputado federal Lelo Coimbra concordaram em duelar pelo comando do partido no Estado, em convenção marcada para a próxima quinta-feira (21), na qual será eleito o próximo Diretório Estadual.
Para isso, os dois também chegaram a um acordo quanto à arma a ser usada: os votos dos convencionais, disputados desde já por ambos. É, de todas as armas possíveis, certamente a mais democrática. Quanto ao local e ao horário do duelo, prevaleceu a vontade de Rose, atual presidente da Comissão Executiva Estadual Provisória: a disputa entre as respectivas chapas ocorrerá no cerimonial Oásis, em Santa Lúcia, Vitória, das 10 horas às 14 horas.
Para garantir a realização da convenção, Lelo cedeu e topou duelar no local determinado pela arquirrival interna – após ele próprio e 16 dirigentes municipais do MDB terem marcado por conta própria uma convenção no mesmo dia e quase no mesmo horário, mas na sede da Assembleia Legislativa.
“Onde for possível eu topo, independentemente do local. O mais importante para mim é que realmente haja a convenção”, explica Lelo. “Não tenho nenhuma pretensão de ser ‘protagonista de edital’ nem ‘dono de convenção’. Só quero que ela ocorra de maneira livre e democrática e que o resultado seja o resultado do desejo das pessoas.”
Nesta sexta-feira (15), após a confusão que marcou os últimos dias, Rose (a defensora do título) e Lelo (o desafiante) chegaram a um entendimento político para assegurar a convenção e a disputa no voto. O acordo a pelo reconhecimento mútuo das respectivas chapas, já devidamente registradas. Rose lidera a chapa “Reconstrução”, enquanto Lelo encabeça a “União e Ação”. Rose reconhece a legitimidade da chapa de Lelo, e vice-versa.
O dado concreto, então, é que tanto Lelo como Rose concordam em ir para a disputa no voto dos convencionais. Portanto, a menos que haja mais uma imprevista reviravolta, haverá disputa pelo Diretório e pela presidência do MDB no Espírito, na próxima quinta, no cerimonial Oásis. É o cenário que hoje está posto, faltando só a definição de alguns detalhes.
Justamente para ajustar os termos da disputa e regulamentar o processo nos próximos dias, os dois lados concordaram também em constituírem uma “minicomissão” com representação paritária, formada pelos respectivos representantes jurídicos: pelo lado de Lelo, o advogado Sirlei Almeida; pelo de Rose, o advogado Rodrigo Barcellos Gonçalves, que também é o representante legal da Executiva Estadual Provisória do MDB.
Nos próximos dias, trabalhando a quatro mãos, os dois devem estabelecer as normas e procedimentos que vão reger a eleição interna, formalizando tudo em documentos com ampla publicidade. A primeira tarefa da dupla é escrutinar cada um dos 71 nomes inscritos nas duas chapas, para verificar a eventual existência de componentes em desacordo com as regras estatutárias (por exemplo, alguém que não esteja com a filiação em dia).
O entendimento político entre os grupos de Rose e de Lelo foi selado em reunião virtual na tarde desta sexta-feira (15), com a participação dos atuais membros da Executiva Estadual Provisória do MDB, entre os quais eles próprios.
“Foi realizada uma reunião online entre todos os membros da Executiva Provisória Estadual. Homologamos a existência de uma só convenção e a existência das duas chapas”, contou Lelo à coluna.
A própria Rose confirmou, por volta das 16h30: “Acabei de colocar isso em votação na reunião da Comissão. A chapa dele e a nossa já foram aceitas. Haverá a convenção na próxima quinta-feira, das 10h às 14h, no cerimonial Oásis. As duas já estão registradas e serão levadas a voto”.
Os dois se mostraram igualmente otimistas quanto ao desfecho do certame: “Estou confiante na vitória”, diz Lelo. “Acreditamos ter a maioria e vamos a voto”, contrapõe Rose.
Se esta sexta-feira foi o dia da distensão e da produção de um consenso político, o mesmo não se pode dizer dos anteriores, marcados por profundas alterações de cenário a cada 24 horas.
Nos últimos três dias, o Diário Oficial do Estado (DIO) e os Classificados do jornal A Tribuna viraram praticamente páginas de um folhetim à parte do MDB-ES, assinado, alternadamente, por Lelo e Rose. Abaixo o recapitulamos.
A novela dos últimos dias
Conforme ata de reunião realizada no dia 8 de março, a Executiva Nacional do MDB, presidida pelo deputado federal Baleia Rossi (SP), determinou que as direções estaduais da sigla tinham até o dia 31 de agosto para realizarem as respectivas convenções – antes da convenção nacional, em outubro.
No Espírito Santo, por designação da Nacional, Rose preside a Executiva Estadual Provisória desde março de 2021, já tendo sido reconduzida algumas vezes ao cargo. No fim de julho – meio profeticamente, como agora se percebe –, Lelo deu a este espaço uma entrevista na qual lançou sua candidatura à presidência estadual do MDB e declarou: “Vai ter disputa”.
Desde então, ele e Rose vinham conversando entre si, e cada qual, separadamente, com Baleia Rossi. Rose buscava a construção de um acordo político com Lelo. À coluna, no fim de agosto, declarou que trabalhava pela união do MDB-ES. Não foi possível. O ex-deputado não abriu mão nem arredou pé da sua tese: a nova direção estadual do partido teria de ser escolhida em convenção, na disputa entre as chapas pelo voto dos convencionais.
Agosto acabou e Rose não convocou a convenção. Na referida entrevista à coluna, chegou a dizer que o faria até o dia 15 de setembro (hoje).
Terça-feira (12): a reunião de Lelo com Rose
Na noite da última terça-feira, Lelo e Rose reuniram-se longamente na sede do MDB-ES, no Edifício Arábica, na Enseada do Suá, na presença do advogado do partido, Rodrigo Barcellos Gonçalves. O ex-deputado cobrou da ex-senadora a marcação da convenção. Os dois não chegaram a um entendimento.
Quarta-feira (13): Lelo lança sua carta na manga
Na manhã do dia seguinte, para surpresa geral, o Diário Oficial do Estado e os Classificados de A Tribuna trouxeram um edital de convocação da convenção estadual do MDB-ES, assinado por Lelo, na condição de membro da Estadual Provisória, e pelos presidentes da Executiva da sigla em 16 municípios do interior.
Arrogando-se legitimidade, o grupo evocou um artigo do Estatuto do MDB que permite a 1/3 das Executivas Municipais convocar convenção estadual em caráter extraordinário.
Era a carta na manga que Lelo já havia preparado antes mesmo da reunião com Rose na véspera – seguro de que ela não lançaria o edital por conta própria. No linguajar popular, ele deu um balão na rival.
A convocação de Lelo foi feita para o dia 21, das 9h às 14h, na Assembleia Legislativa.
Quinta-feira (14): a reação de Rose
Já na noite de quarta, assinando como presidente estadual e em nome da Executiva Provisória, Rose fez publicar no site de A Gazeta (seção “Publicidade Legal – Editais e Avisos”) edital com a mesma finalidade daquele de Lelo, mas sobrepondo-se ao dele. Convocou a convenção estadual para o mesmo dia, horário parecido (das 10h às 14h), mas em local diferente: o cerimonial Oásis, que dista dois quilômetros da Assembleia. O arquivo da publicação de A Gazeta foi assinado digitalmente às 18:55:40.
Na manhã seguinte, Rose publicou o mesmo edital no DIO e nos Classificados de A Tribuna.
Como presidente estadual, Rose não reconheceu a legalidade do edital publicado na véspera por Lelo, conforme afirmou à coluna nesta sexta-feira:
“Lelo fez o edital dele de uma maneira que não atendeu aos requisitos. Ele incluiu 16 diretórios, mas não mandou para cá a de nenhum. Alguns deles nem sequer foram consultados. Portanto, eu indeferi. E, como já estava em andamento a nossa convocação da convenção, foi essa a que prevaleceu.”
Lelo diverge. Para ele, não fosse a pressão exercida por seu grupo ao se antecipar a Rose e convocar a convenção por conta própria, ela jamais o teria feito.
“Meu único objetivo desde o início é o de garantir que a convenção seja mesmo realizada. Isso é o que realmente importa para mim. Nunca quis submeter as pessoas ao desconforto de participarem de duas convenções. Isso não existe! Só fiz esse movimento porque Rose claramente não queria convocar a convenção, do contrário ela nem teria feito. Inclusive foi ruim para mim do ponto de vista estratégico: como ela deu sinais claros de que não publicaria o edital, eu tive que expor parte dos apoios e votos que reúno, para poder garantir a convenção.”
Rebatendo as alegações de Lelo de que ela só estaria “empurrando com a barriga” e que nunca pretendeu de fato marcar convenção alguma, Rose afirma justamente o contrário:
“Quando Lelo mandou para cá um pedido de convenção, nós tínhamos tido várias reuniões. Atendendo a um pedido da direção nacional inclusive, eu tentava fazer um entendimento para fazermos uma convenção mais pacificada. No fim das contas, acabamos sem entendimento. Durante todo o tempo, porém, ele sabia que a convenção seria convocada. Nunca houve a possibilidade de eu não convocar a convenção.”
De todo modo, aparentemente, a pressão exercida por Lelo surtiu algum efeito e, no mínimo, precipitou as coisas – como ele desejava. Por isso, em recuo estratégico, tendo alcançado o que mais queria (a garantia da convenção), o ex-deputado nesta sexta-feira decidiu ceder em um detalhe, publicando o novo capítulo do tribunesco folhetim.
Sexta-feira (14): contrarreação e recuo de Lelo
Nos mesmos veículos – A Tribuna e DIO –, Lelo e os mesmos 16 signatários fizeram publicar uma “errata” do próprio edital, aquele primeiro publicado na antevéspera. A “correção”, no caso, foi manter a data da convenção (21), mas transferi-la para o “local do duelo” escolhido por Rose (o cerimonial Oásis), no horário estipulado por ela (das 10h às 14h). Ou seja, Lelo adaptou-se de bom grado aos termos do edital de Rose.
“Só pus o nosso edital na rua, em primeiro lugar, porque queríamos a convenção. Isso agora está garantido. Segundo, eu precisava fazer uma legalização do processo. Então o que fiz nesta sexta? Publiquei uma errata, unificando as duas convenções. Com esse gesto, dei legalidade à convenção convocada por Rose. Ela pode usar meu edital para que a convenção seja realizada dentro da legalidade.”
Como se nota, num resquício de discordância quanto à “paternidade/maternidade” da convocação, Lelo reivindica que foi Rose quem se adequou aos termos do seu primeiro edital, enquanto a ex-senadora sustenta o inverso: o único edital com real valor legal sempre teria sido o dela, desde o início.
A esta altura, porém, isso pouco importa. Como as duas partes chegaram a um entendimento político, o fato é que a convenção está marcada e será realizada, independentemente de quem a provocou.
Às armas, pois!
Quem tem direito a voto: contas não batem
De acordo com o Estatuto do MDB, têm direito a voto na convenção os delegados das Executivas Municipais constituídas (provisórias não entram na conta), além dos atuais integrantes da Executiva Estadual Provisória. Estes últimos são sete, incluindo Lelo e Rose – então aí não há controvérsia.
Porém, em minhas conversas com os dois concorrentes, surgiu uma importante divergência: as contas de ambos não batem quanto ao número total de Executivas Municipais constituídas, portanto com direito a voto, atualmente no Espírito Santo. Essa informação é de suma importância porque interfere diretamente na quantidade de votantes na quinta-feira. Em última análise, pode decidir a eleição para um lado ou para o outro – ainda mais numa disputa voto a voto.
Pelas contas de Lelo, hoje existem 44 diretórios homologados e registrados no TRE-ES, o que corresponde a um total de 48 delegados municipais com direito a voto na convenção. Isso porque os municípios de Serra e Linhares têm direito a mandar três delegados cada um, já que o tamanho da delegação a que cada Executiva Municipal tem direito depende da votação obtida pelo MDB naquela cidade nas últimas eleições municipais.
Somando-se os setes membros da Estadual Provisória a esses 48 delegados, chegaríamos a um total de 55 eleitores – emedebistas com direito a voto na convenção estadual. Isso, repito, pelas contas de Lelo.
Rose, por sua vez, afirmou à coluna que hoje existem 56 Executivas Municipais constituídas no Espírito Santo.
