Coluna Vitor Vogas
Dia histórico no MDB: pela 1ª vez, Lelo e Rose medem forças no voto
Os bastidores da convenção dessa quinta (21), os maiores trunfos de cada chapa, os desafios de quem vencer, o que realmente está em jogo e a cronologia da disputa desde 2018. E mais: o apoio mais surpreendente de Lelo Coimbra

Lelo Coimbra e Rose de Freitas disputam a presidência do MDB nesta quinta-feira (21/09/2023)
O ex-deputado federal Lelo Coimbra (ligado a Paulo Hartung) e a ex-senadora Rose de Freitas (aliada de Casagrande) se consolidaram nas últimas duas décadas como grandes rivais e concorrentes internos no MDB. No âmbito do partido, “Lelo versus Rose” é, sem dúvida, o maior “clássico” contemporâneo do Espírito Santo. A bem da verdade, porém, esse “duelo clássico” é também inédito: apesar da longeva disputa travada nos bastidores entre os notórios arquirrivais, Lelo e Rose nunca disputaram de fato, no voto, o comando estadual do MDB. Nunca até este momento.
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Nesta quinta-feira (21), pela primeira vez na história, Lelo e Rose vão medir forças em eleição interna pela presidência do MDB no Espírito Santo, na aguardada convenção estadual do partido, marcada para as 10 horas, no cerimonial Oásis, em Santa Lúcia, e a ser decidida pelo voto dos delegados dos diretórios municipais da sigla. Independentemente do resultado, já se pode dizer que esse “choque-rei” (e rainha) representará um marco histórico e democrático para o MDB capixaba.
Presidente da Comissão Estadual Provisória instituída pela direção nacional da sigla em março de 2021, Rose busca permanecer na presidência, mas agora por vontade das bases, vindo à frente da chapa da situação: a “Reconstrução”.
Lelo, por sua vez, encabeça a chapa “União e Ação”, que representa a oposição interna à liderança de Rose. É a chapa desafiante.
O vencedor presidirá o novo Diretório Estadual e a nova Comissão Executiva Regional do MDB no Espírito Santo, a primeira a ser eleita e constituída, em caráter permanente, após os anos de turbulência em que o partido mergulhou no Estado desde as eleições gerais de 2018.
O voto dos convencionais será secreto, o que amplia as possibilidades de traições e surpresas, em uma disputa que, segundo emedebistas, pode ser bem acirrada. Até se chegar à convenção, houve um longo caminho pontuado por tensão, reviravoltas e uma guerra de narrativas entre os dois lados envolvidos na contenda, intensificada na última semana.
Os convulsivos últimos dias
Por decisão da Executiva Nacional do MDB lavrada em ata no dia 8 de março, os órgãos regionais de direção teriam de realizar as respectivas convenções estaduais até 31 de outubro. Presidente estadual do MDB de 2006 a 2020, Lelo quer recuperar o posto e sempre defendeu a realização da convenção, liderando a oposição interna a Rose.
A atual presidente do MDB-ES não convocou a convenção até 31 de agosto. Em entrevista à coluna, publicada em 24 de agosto, declarou que a realizaria até 15 de setembro e que trabalhava pela união do partido.
No dia 12 de setembro, Lelo e Rose se reuniram. A ex-senadora buscou um acordo com o ex-deputado, para que os dois realizassem a convenção compondo uma chapa de consenso. Sem interesse em chapa única, Lelo cobrou de Rose a convocação da convenção, para disputa entre as chapas.
Na manhã do dia seguinte (13), o Diário Oficial do Estado e o jornal A Tribuna publicaram um edital de convenção assinado por Lelo e pelos presidentes de 16 Executivas Municipais do MDB, marcando-a para o dia 21, na Assembleia Legislativa. Foi uma forma de pressionar Rose a tomar a mesma atitude. Nessa data, tanto Lelo como Rose registraram as respectivas chapas na sede do MDB-ES, em Vitória.
Como presidente estadual do MDB, Rose não reconheceu esse edital de Lelo. No mesmo dia, após as 18 horas, os classificados do site de A Gazeta trouxeram edital assinado por ela, convocando a convenção estadual também para o dia 21, mas no cerimonial Oásis. No dia seguinte (14), o Diário Oficial e A Tribuna também publicaram o edital firmado pela ex-senadora.
Já no dia 15, Lelo e seus 16 aliados publicaram no Diário Oficial e em A Tribuna uma errata do próprio edital, adequando-o aos termos de Rose: mudaram o local da convenção para o Oásis, conforme ela havia determinado. Assim, os dois editais foram “unificados”.
No mesmo dia, em reunião virtual, os membros da Comissão Estadual Provisória, Lelo e Rose inclusos, chegaram a um entendimento: os dois lados concordaram em realizar a convenção no dia 21, das 10h às 14h, no Oásis, e as duas chapas se reconheceram mutuamente. Os dois toparam ir para a disputa direta, no voto.
As vantagens de Lelo
O resultado da disputa desta quinta é imprevisível, mas os dois lados teriam alguns trunfos para garantir a vitória – ou, pelo menos, acreditam ter.
Pelo lado de Lelo, aposta-se no desgaste atribuído a Rose e, destacadamente, na aspiração das bases do partido por mudança imediata no comando. De norte a sul do Estado, alegam, haveria uma insatisfação represada por parte da militância com a condução dada ao partido pela ex-senadora. Com a votação secreta, essa alegada insatisfação poderia desaguar silenciosamente na urna, no momento da votação.
A chapa de Lelo ainda teria a vantagem de reunir a maioria dos principais militantes “históricos” do MDB, entre os quais o ex-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim Roberto Valadão, baluarte da luta contra a ditadura militar (1964-1985).
Valadão está na chapa de Lelo como candidato a delegado capixaba na Convenção Nacional do MDB. O ex-prefeito completou 85 anos nesta quarta-feira (20) e recebeu um cartão de felicitações do ex-presidente da República Michel Temer, líder nacional da legenda.
Luzia com o ex-deputado
Mas o apoio mais surpreendente à chapa de Lelo provém de alguém que, na verdade, não integra os quadros do MDB atualmente. Militante do partido por cerca de duas décadas e amicíssima de longa data de Rose, a ex-senadora e ex-deputada estadual Luzia Toledo decidiu apoiar a chapa de oposição no que está a seu alcance.
Insatisfeita com o trabalho de Rose à frente do MDB-ES, Luzia está entre os filiados que precisaram deixar a sigla no limite do prazo para disputar as eleições do ano ado. Foi para o Republicanos. Não conseguiu eleger-se deputada estadual. Após o pleito, saiu do Republicanos.
Hoje sem partido, Luzia está no leme da Diretoria de Turismo Companhia de Desenvolvimento, Turismo e Inovação de Vitória, na istração de Lorenzo Pazolini (Republicanos). Luzia tem feito seus contatos com velhos companheiros de MDB, na tentativa de influir nos votos de alguns correligionários.
As vantagens de Rose
Por outro lado, Rose chegaria à convenção como favorita à presidência. Em primeiro lugar, não se pode perder de vista que ela tem nas mãos as rédeas da convenção. Na condição de presidente estadual, foi ela mesma quem conduziu pessoalmente o processo de constituição das novas Comissões Executivas nos municípios nos últimos dois anos, sobretudo de março para cá – e até os últimos dias, inclusive.
Ao menos em tese, os representantes dor órgãos municipais recém-estabelecidos estão sob influência política de Rose. E são exatamente os delegados indicados pelas Executivas Municipais que terão direito a voto na convenção.
A influência no Estado e em Brasília
Outro ponto que pesa a favor de Rose é a aliança e a proximidade política mantidas por ela com o governo de Renato Casagrande (PSB). Reservadamente, aliados de Lelo acusam pressões emanadas do Palácio Anchieta, via emissários do governador, diretamente sobre delegados do MDB nos municípios ou sobre prefeitos que têm contato direto com tais delegados.
Mas não se trata apenas disso. Uma leitura possível é que, independentemente do seu estilo de condução sobre o MDB, Rose hoje teria “mais a entregar” que Lelo para os emedebistas em geral, principalmente no interior do Estado, sobretudo para aqueles com ambições de crescimento político e eleitoral nos respectivos redutos.
Sem mandato desde 2018, o ex-deputado ficou com um raio de influência limitado na política local nestes últimos anos, muito longe dos centros de poder e decisão, mais ainda em virtude do afastamento voluntário de Hartung do cenário político local.
Os municípios, é óbvio, principalmente os menores, dependem sumamente das entregas e investimentos do Governo Estadual e do Governo Federal. Rose, vale lembrar, não apenas mantém trânsito livre na istração de Casagrande como preserva bons canais de interlocução em Brasília.
Isso vale tanto em relação ao Congresso – além das décadas de mandatos como deputada e senadora, Rose atualmente é assessora do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – como também ao governo de Lula (PT), apoiado por ela em 2022.
Tudo isso está na mesa.
Os desafios do/a vencedor(a)
Quem quer que seja o vencedor da convenção, terá pela frente dois enormes desafios: reunificar as correntes internas, a fim de organizar e preparar o partido para as eleições municipais do ano que vem, e reerguer o MDB dos escombros políticos deixados por anos de cisões internas e pelos pleitos de 2020 e 2022 em nível estadual.
Desde 2018, o partido vive seu pior momento no Espírito Santo. Nas eleições do ano ado, colheu o pior resultado de sua história no Estado.
Até o último governo de Paulo Hartung (2015-2018), o MDB viveu dias de vigor e viço no Espírito Santo. Naquela quadra, chegou a somar sete dos 30 deputados estaduais. De 2019 para cá, o partido mergulhou em crise vertiginosa. O marco inaugural da queda foi a decisão de Hartung de não concorrer à reeleição, anunciada em julho de 2018. Para completar, no fim daquele ano, o então governador desfiliou-se.
Foi a deixa para o início de um biênio no qual o partido foi dominado pela luta política entre Lelo, então presidente estadual, e o também ex-deputado federal Marcelino Fraga, que queria retornar à presidência.
Deixando fraturas expostas, a batalha política desdobrou-se em guerra jurídica. No dia 24 de março de 2020, o grupo de Marcelino chegou a realizar por conta própria uma convenção mambembe na Praça Getúlio Vargas, no Centro de Vitória, com direito a uma urna improvisada, de papelão. Testemunhada por este colunista, a “convenção” foi anulada por Lelo, pela Executiva Nacional do MDB e, posteriormente, pela Justiça.
Em 11 de março de 2020, buscando pôr ordem na casa, a direção nacional do MDB, presidida pelo deputado federal Baleia Rossi (SP), nomeou uma comissão interventora no Espírito Santo, composta por cinco emedebistas de outros estados. Oito meses depois, em plena pandemia, realizou-se a eleição municipal de 2020, na qual o partido foi muito mal votado no Estado. Para ficar em um exemplo, não fez nem mesmo um vereador em Vitória.
Em março de 2021, a Executiva Nacional do MDB decidiu formar uma Comissão Provisória no Espírito Santo, designando Rose de Freitas para presidir o órgão. Após agem pelo Podemos, pelo qual disputou sem sucesso a eleição ao Governo do Estado em 2018, Rose acabara de voltar às fileiras do MDB – e esse foi um dos ingredientes do acordo.
A princípio, o mandato da Comissão Provisória teria duração de três meses, mas, após ter sido reconduzida algumas vezes pela direção nacional, Rose está cumprindo o 10º triênio no cargo (30 meses, ou dois anos e meio). Precisamente nesta quinta-feira, dia da convenção, encerra-se o atual mandato.
Pior momento em 2022
Com o MDB-ES sob a direção de Rose, ela mesma candidatou-se a senadora em 2022, pela coligação de Casagrande, mas não conseguiu renovar o mandato.
Após uma expressiva debandada de quadros, o partido lançou uma chapa muito modesta de candidatos a deputado estadual e nem sequer registrou chapa para a Câmara dos Deputados. Pela primeira vez na história, o MDB do Espírito Santo ficou sem nenhum representante parlamentar, em nenhuma Casa Legislativa estadual ou federal.
Logicamente, na disputa de narrativas, cada lado tem a própria versão sobre os motivos dessa acentuada fragilização política.
Para os aliados de Lelo, a principal explicação seria a condução de Rose, que, concentrada na própria reeleição, não teria organizado e preparado as bases do partido para o pleito de 2022.
Os de Rose alegam, por sua vez, que a ex-senadora assumiu o partido em um momento crítico e em situação idem, resultante da briga de Lelo com Marcelino – e gerado, lá na origem, por Hartung.
Fato é que, após anos de enfraquecimento, o MDB hoje atravessa, no Espírito Santo, seu momento mais difícil e delicado.
Seja Rose ou seja Lelo o vencedor, o próximo presidente terá de trabalhar para voltar a fortalecer a sigla e colocá-la, em solo capixaba, em patamar mais condizente com a grandeza da história do partido e seu porte em outras unidades da federação.
Coincidência I
Uma grande coincidência merece registro: tirando a convenção estadual do PT em 2019, o cerimonial Oásis foi palco justamente da última grande convenção estadual de um grande partido no Espírito Santo, com disputa real entre duas chapas: no fim de 2017, a chapa liderada pelo então vice-governador César Colnago derrotou no voto a do então prefeito de Vila Velha, Max Filho, na disputa pela presidência estadual do PSDB.
Oásis? Onde?!?
É uma bela ironia o nome desse cerimonial, aparentemente fadado a sediar disputas partidárias marcantes. A expressão é meio redundante, mas o substantivo “oásis” costuma ser seguido do complemento nominal “de tranquilidade”. É, provavelmente, o que não se verá nesta quinta-feira no local.
Coincidência II
Os protagonistas dessa convenção do MDB também estiveram presentes naquela que é, possivelmente, até os dias de hoje, a mais importante convenção de um partido político no Espírito Santo desde a redemocratização do país: a realizada pelo PSDB em 1998, na qual José Ignácio derrotou Paulo Hartung, ganhando assim o direito de concorrer ao Palácio Anchieta pela legenda naquele ano.
Hartung acabou disputando a cadeira do Espírito Santo no Senado, também pelo PSDB. Ambos tiveram êxito nas urnas.
Por ironias da história política, tanto Rose como Lelo ficaram do lado de Hartung naquela convenção, vencida por Ignácio e marcada por fortes denúncias de irregularidades.
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