Coluna Vitor Vogas
Assembleia vai mudar regra para que Torino possa assumir cargo
Em projeto de sua autoria, Marcelo Santos propõe fim de exigência de diploma para que ex-deputado ocupe cargo na Secretaria de Comunicação da Casa

Marcelo Santos apresentou projeto sob medida para Torino Marques
Sem mandato desde fevereiro, o ex-deputado estadual Torino Marques (PTB) foi nomeado para assumir o cargo comissionado de supervisor de Redação Integrada/Jornalismo na Assembleia Legislativa, ligado à Secretaria de Comunicação, conforme ato assinado pelo presidente da Casa, Marcelo Santos (Podemos), e publicado no Diário do Poder Legislativo no dia 18 de maio. Ganhou o cargo, mas ainda não levou, isto é, não tomou posse.
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Como alertamos aqui na coluna, Torino não cumpre um pré-requisito obrigatório para preenchimento da função para a qual foi nomeado: não tem curso superior completo. A regra interna da Assembleia é clara: o ocupante do cargo em questão precisa não apenas ter ensino superior completo como apresentar diploma específico em “Comunicação Social, Jornalismo ou congênere”.
Mas não por muito tempo.
Se o regramento interno diz isso, ora, “mude-se o regramento interno”. Confirmando uma previsão também feita aqui pela coluna, é exatamente o que a Assembleia fará, dando um “jeitinho legislativo” para que Torino possa assumir e exercer o cargo sem óbice algum.
Nesta terça-feira (6), Marcelo Santos apresentou um projeto de resolução que altera em vários pontos o Regimento Interno e outras resoluções vigentes na Assembleia. Entre elas, a Resolução nº 2.890, de 2010, que discrimina os cargos comissionados ligados à istração da Casa e a área de atuação, atribuições, escolaridade, qualificação e demais requisitos para se exercer cada um.
Uma das mudanças propostas foi feita sob medida para atender Torino, retirando o atual impedimento e “resolvendo o problema” do ex-deputado: no lugar da exigência de diploma em Jornalismo (que ele não tem), o supervisor de Redação Integrada/Jornalismo poderá apresentar registro profissional de jornalista (o que ele tem). “Seus problemas acabaram.”
No artigo 10º, o projeto de resolução de Marcelo modifica o grau de escolaridade e a qualificação exigidos para o cargo, previstos no Anexo V da Resolução 2.890/2010 (e incluídos pela Resolução 4.238/2015), que ará a vigorar assim:
59-A. Supervisor de Redação Integrada/Jornalismo
[…]
59-A.2. Escolaridade: Curso Superior completo ou Ensino Médio completo com Registro Profissional de Jornalista.
59-A.3. Qualificação: Curso Superior em Comunicação Social, Jornalismo ou congênere; e/ou Registro Profissional de Jornalista.
O registro profissional como alternativa ao diploma (partes grifadas) é acrescentado pela nova redação dada à resolução por Marcelo Santos.
Na sessão plenária desta terça-feira (6), requerimento de urgência apresentado pela Mesa Diretora (Marcelo) foi aprovado em plenário. Em tese, o projeto já pode ser pautado e votado nessa quarta-feira (7). Deverá ar tranquilamente.
Delegado abriu o caminho
O projeto de Marcelo acolhe quase integralmente uma indicação protocolada pelo deputado Delegado Danilo Bahiense (PL) no dia 29 de maio, sugerindo à Mesa Diretora que mudasse o regramento interno da Assembleia exatamente como agora será feito, permitindo que o cargo de secretário de Redação Integrada/Jornalismo possa ser exercido mediante apresentação de registro profissional de jornalista. O nome de Torino não é citado na indicação de Bahiense, mas esta também foi feita sob medida para o ex-parlamentar.
Na verdade, a indicação de Bahiense era ainda mais “frouxa”, já que sugeria a supressão total do trecho que especificava a escolaridade necessária para o cargo.
Torino e Bahiense chegaram juntos à Assembleia na eleição de 2018, pelo mesmo partido, o PSL, sigla pela qual Jair Bolsonaro chegou à Presidência no mesmo ano. Os dois foram colegas na bancada do PSL, da direita bolsonarista e da oposição ao governo Casagrande (PSB).
Casuísmo na veia
Como já ponderei aqui, não me cabe avaliar a competência do jornalista Torino Marques nem estou colocando em dúvida sua capacidade técnica para exercer o cargo. Além do registro profissional, suas quatro décadas de exercício do jornalismo em emissoras de rádio e televisão não deixam dúvida quanto à sua experiência prática na área. Não se trata disso.
A questão é que, neste episódio, fica aquela marca indelével do casuísmo, da acomodação das regras e leis a situações concretas, em benefício de amigos e aliados.
Seguindo à risca o que diz a Resolução 2.890/2010, o ex-deputado foi nomeado para um cargo que simplesmente não poderia exercer. Mas “seus problemas acabaram”. A lei será alterada, adaptada e “ajustada” especificamente para atender à necessidade de um aliado político de Marcelo e outros deputados – nesse caso, com o sarrafo sendo colocado mais para baixo.
A lei não será modificada para exigir maior qualificação nem melhor formação acadêmica.
Novo jabuti
Pela amplitude do projeto, a variedade de temas tratados e o espaço muito pequeno dedicado ao cargo a ser ocupado pelo ex-deputado, a “Emenda Torino” pode ser considerada mais um jabuti em um projeto de resolução apresentado por Marcelo Santos.
A justificativa do projeto tem duas páginas, mas em ponto algum menciona especificamente esse cargo. O mais perto que chega disso é neste trecho:
“Assim, o presente Projeto realiza as adequações necessárias no bojo da Resolução nº 2.890/2010, a fim de ajustá-la às referidas transformações, bem como propõe a alteração da qualificação necessária para o exercício de determinados cargos, considerando as atribuições dos mesmos.”
Na verdade, o principal objetivo do projeto é prover e estruturar melhor três espaços da Assembleia: a Procuradoria Especial da Mulher, criada em 2017, no primeiro ano da presidência do ex-deputado Erick Musso (Republicanos); a Comissão Permanente de Proteção à Criança e ao Adolescente, criada em fevereiro deste ano por outra resolução de Marcelo Santos; e a Comissão Permanente de Proteção e Bem-Estar dos Animais, criada em 19 de abril, também por resolução de autoria do atual presidente. Foi nesta última, aliás, que se embutiu o jabuti do vale-alimentação para os deputados.
Para melhor estruturar esses três espaços, o novo projeto de Marcelo extingue quatro cargos comissionados ligados à Mesa Diretora: coordenador especial de Infraestrutura e Logística, coordenador especial de Segurança Legislativa, supervisor de Gabinete da Secretaria de Comunicação Social e supervisor de Redação de Atas e Apanhamentos de Debates.
No lugar deles, são criados três cargos com nível de supervisor (o da Procuradoria Especial da Mulher, o da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente e o da Comissão de Proteção e Bem-Estar dos Animais), além de três cargos de assessor sênior da Secretaria e outros seis de assessor júnior da Secretaria.
O acréscimo de despesas na folha de pagamento com a transformação dos cargos será de R$ 43.950,08 mensais, o equivalente a R$ 527.400,96 por ano. Segundo a justificativa, a Assembleia tem disponibilidade orçamentária e financeira para isso.
O salário de Torino
Como supervisor de Redação Integrada/Jornalismo, Torino Marques receberá R$ 5.368,76 para cumprir jornada de 40 horas semanais, mais tíquete-alimentação de R$ 1.829,79 e os outros benefícios pagos aos servidores do Legislativo Estadual.
