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Coluna Vitor Vogas

Eder x Luciana: o racha na cúpula e o cenário inicial da eleição no MPES

Antes de um embate entre “situação” e “oposição”, inaugurou-se um autêntico duelo entre criatura e criador: Luciana decidiu medir forças com Eder Pontes

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Da esquerda para a direita: Danilo Raposo Lirio, Luciana Andrade e Francisco Berdeal (fev./2023). Foto: MPES

A lista se seis candidatos inscritos para concorrer ao comando do Ministério Público Estadual (MPES) na eleição de março traz, à primeira vista, uma divisão exata: três candidatos de oposição (Marcello Queiroz, Maria Clara Mendonça e Pedro Ivo Sousa) ante três postulantes oriundos da alta cúpula do MPES na atual gestão, comandada pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade: os promotores de Justiça Francisco Berdeal e Danilo Raposo Lirio e o procurador de Justiça Josemar Moreira. Os três atuam diretamente na istração Superior da PGJ. São, respectivamente, secretário-geral do Gabinete, chefe de apoio ao Gabinete e subprocurador-geral de Justiça Judicial. O “Gabinete” é o da própria Luciana.

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No entanto, dentro desse segundo grupo – ou seja, no interior do “Gabinete” –, existe uma disputa à parte que é preciso observar antes de tudo. É essa, na verdade, a primeira e mais importante informação proporcionada pela lista de concorrentes à vaga de Luciana: antes de um embate entre “situação” e “oposição”, o que estamos presenciando é um autêntico duelo entre criatura e criador: na disputa deflagrada por sua sucessão, Luciana Andrade decidiu medir forças com Eder Pontes.

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Com Berdeal E Raposo Lirio no páreo – e, ainda por cima, Josemar Moreira –, temos a certeza definitiva de que o grupo de Luciana, liderado há mais de uma década pelo hoje desembargador, chega ao batente da disputa absolutamente incoeso. A lista expõe a divisão. É a prova definitiva de um racha já bastante comentado desde o ano ado.

Politicamente – e me desculpe a doutora Luciana, pela referência criacionista e sabidamente machista –, a atual PGJ nasceu da costela de seu antecessor no cargo, no Jardim do Eder. Todavia, como estamos a jogar com as palavras, é preciso resgatar a raiz etimológica do nome da chefe do MPES, que tem origem latina e deriva do substantivo lux (luz).

Ora, Eder até pode ter lançado a primeira luz sobre o caminho político da então pupila (Fiat lux!). Mas nada mais natural que, uma vez no cargo, ela mesma se tenha feito luz, criando uma flama política própria e procurando, agora, libertar-se da sombra do criador. Como? Dando à luz uma candidatura sua, não de Eder, não do “grupo de Eder” – do qual ela mesma se origina –, mas gerada e nutrida politicamente por ela, na condição de atual chefe do MPES a influir pessoalmente na própria sucessão e nos rumos da instituição comandada por ela (não por outro) nos últimos quatro anos. É legítimo, é até natural… Mas o candidato de um não é o do outro.

E então os dois colidiram. Dessa colisão, o grupo saiu rachado. Há dúvidas se vai se reagrupar após esse processo eleitoral, ou se ficarão sequelas para além da eleição interna. Tudo dependerá do resultado, mas… não será surpreendente se, ao cabo do processo, tivermos que ar a falar não mais de um grupo Eder/Luciana, mas do grupo de Eder de um lado (formado pelos que lhe mantêm lealdade incondicional) e do grupo de Luciana do outro (composto pelos dissidentes daquele, reorganizados em torno da nova liderança interna da atual PGJ).

Objetivamente, Luciana preferia lançar Francisco Berdeal como representante do grupo sobre o qual tem influência e, o que é mais importante, da istração liderada por ela. Berdeal é o seu candidato.

Eder preferia lançar Danilo Raposo Lirio como representante da istração sobre a qual preserva influência e, o que é mais importante, do grupo liderado por ele. Raposo Lirio é o seu candidato.

Os dois não chegaram a um acordo. Mesmo sabendo da predileção de Eder por Raposo Lirio, Luciana não abriu mão da prerrogativa de lançar e patrocinar o seu próprio candidato. Eder, por sua vez, não abdicou de bancar – a distância – o nome preferido por ele.

A cisão ficou flagrante, publicamente indisfarçável, em meados de outubro e novembro. Num primeiro episódio – não testemunhado pela coluna, mas corroborado por inúmeros relatos –, durante o Congresso do MPES, Eder e Raposo Lirio praticamente lançaram a pré-candidatura do segundo em almoço num pomposo restaurante situado na Praia do Canto, com a presença de muito membros convidados para a ocasião. Berdeal não participou. Luciana também não. Há versões conflitantes quanto a ela ter sido ou não convidada, mas o fato é que ela não participou. E sua ausência foi emblemática.

Aí veio, no meio de novembro, o episódio em que o promotor de Justiça Marcelo Lemos Vieira entregou a Luciana o cargo de chefe do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, ocupado por ele há muitos anos. Ele acabaria ficando no cargo, mas a rusga exteriorizou de vez uma tensão que vinha se acentuando nos meses anteriores e que não dava mais para abafar. A a de pressão apitou. A rachadura na parede se expandiu e se deu a ver às visitas… O quadro colocado por cima já não bastava para ocultá-la.

Nas semanas seguintes, houve tentativas de acordo, mas os dois lados não chegaram a um consenso.

O que não está acontecendo?

É claro, alguns observadores externos podem aventar que o lançamento de duas ou três candidaturas oriundas da alta cúpula da atual gestão do MPES obedeça a uma estratégia tanto de Luciana como de Eder. Afinal, é importante sempre lembrar que, na votação marcada para o dia 22 de março, cada membro (promotor ou procurador de Justiça) poderá votar em até três dos seis concorrentes. Fica a critério de cada um: o eleitor pode anular, votar em branco, votar em três, em dois ou em somente um candidato (o chamado “voto camarão”).

Por isso, em tese, um mesmo grupo lançar dois candidatos pode ser interpretado como uma estratégia visando ampliar as chances de que pelo menos um deles venha a integrar a lista tríplice (apostar em mais de um cavalo), ou até cultivando a esperança de que os dois ingressem na lista a ser encaminhada ao governador, dobrando as chances do grupo na escolha final do chefe do Executivo Estadual.

Há precedentes no ado de procuradores-gerais de Justiça que lançaram três ou até mais candidatos oriundos do próprio grupo no início do processo eleitoral, para testar a força de cada um ao longo da campanha e, na reta final, pôr toda a sua influência e prestígio a serviço do que vingou.

Fernando Zardini fez isso com Eder em 2012. E o próprio Eder, em 2020, chegou a se inscrever no processo para buscar a reeleição (seria seu quarto biênio, com um intervalo para a gestão de Elda Spedo em 2016-2018), ao lado de alguns aliados. Com o processo avançado, constatando a força adquirida pela candidatura de Luciana, o então PGJ retirou a candidatura e emprestou seu apoio à aliada (cavalo escolhido por ele na reta final da corrida).

Definitivamente, porém, não estamos diante de nenhuma dessas hipóteses. O lançamento de Berdeal e de Raposo Lirio não atende a nenhum tipo de estratégia em comum ou conjunta. Menos ainda o lançamento da candidatura de Josemar, a terceira oriunda da alta cúpula e que, segundo relatos internos, pode ser considerada avulsa. As de Berdeal e Raposo Lirio não são candidaturas complementares. São concorrentes mesmo. Movimentos separados, conduzidos pelos respectivos patronos.

Portanto, não há que se falar em três candidatos de oposição e três da situação. Não há que se falar em “candidatos da situação”. Há o candidato de Luciana, o de Eder e Josemar num voo solo.

Reforça essa constatação uma leitura partilhada por atores internos do MPES: como ambos possuem perfis muito diferentes, acredita-se que poucos votarão em Berdeal e em Raposo Lirio ao mesmo tempo. Quem votar em Berdeal dificilmente votará em Raposo Lirio, e vice-versa.

Nesse caso, se houvesse uma estratégia casada, mais interessante seria, possivelmente, lançar uma candidatura única com o selo de “candidato da situação”. Tanto os eleitores de Eder como os de Luciana, mesmo não curtindo muito a cara do escolhido, não hesitariam em lhe conferir um dos seus três votos possíveis. Afinal, aquele seria “o candidato da situação”. Com essa unificação de forças e concentração dos votos, o felizardo já estaria na lista tríplice. Isso, é claro, como estratégia coesa do grupo Eder/Luciana. Mas não há mais essa coesão.

Por que o grupo de Eder não quis Berdeal?

O grupo de Eder considera que Francisco Berdeal, embora muito prestigiado por Luciana Andrade em sua gestão, não tem o DNA político do grupo.

Na verdade, ele juntou-se ao grupo depois, com a dinastia já em andamento, abraçado que foi por Luciana. Além de terem entrado juntos no MPES, os dois mantêm uma relação de amizade muito estreita, que transcende a esfera profissional. São considerados amicíssimos.

Apesar de ser mais jovem na idade, Raposo Lirio é mais antigo no grupo político. Entre ederistas, a sensação é de que, colocando Berdeal na frente, Luciana estaria desrespeitando a “ordem de antiguidade” e fazendo-o “furar a fila” no grupo, na qual Raposo Lirio teria a preferência.

E aí precisamos falar sobre o pupilo de Eder Pontes.

A cria política de Eder

Danilo Raposo Lirio é discípulo político de Eder Pontes. Ao longo dos anos, o atual desembargador foi investindo nele, moldando-o, treinando-o para assumir o posto, preparando-o para ser o herdeiro do trono.

Bacharel em Direito pela UVV e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV, Raposo Lirio ou bem jovem em concurso para o MPES e, considerado um garoto prodígio, logo chamou a atenção de Eder pelo profundo conhecimento jurídico.

Enxergando potencial no jovem promotor colatinense, o então procurador-geral de Justiça tratou de puxá-lo para cima e para perto de si, assentando-o em cargos de assessoria jurídica na alta cúpula do MPES. Ajudando Eder na elaboração de peças jurídicas, ele chegou a exercer o cargo de gerente-geral e secretário-geral do Gabinete (este último, hoje, ocupado por Berdeal).

A precocidade do protegé de Eder produziu um fato inusitado: aos 40 anos, o promotor de Justiça se lança agora ao comando do MPES tendo acumulado uma experiência de uma década em cargos da istração Superior da instituição. Dito de outro modo, a maior parte dos 13 anos de carreira do ainda jovem promotor de piso não se deu no chão da fábrica das comarcas, mas no andar de cima do MPES, assessorando diretamente os representantes do grupo de Eder que aram pela PGJ (o próprio Eder, Elda, Eder de novo e, desde 2020, Luciana).

Esse tempo em que ele está no gabinete da PGJ praticamente coincide com os 12 anos em que o grupo originado de Eder ali chegou e se instalou. Nos primeiros anos, Eder foi lhe delegando responsabilidades cada vez maiores. A certo ponto, o discípulo ou a atuar como emissário de Eder no mundo político, representando-o na interlocução com membros de outros Poderes e acumulando traquejo nesse jogo (imprescindível para qualquer um que queira chefiar o órgão).

Não se sabe até que ponto isto se deu por influência de Eder (o pupilo que se adapta à personalidade do mestre, ando a refleti-la), até que ponto se deu o contrário (Eder o teria ungido exatamente por ver muito de si no pupilo), mas o fato é que o estilo de Danilo Raposo Lirio faz lembrar muito o do hoje desembargador: para alguns, sanguíneo e “brigador”, predisposto ao confronto mesmo quando não há necessidade; para outros, combativo e “lutador”, sempre pronto a enfrentar adversários na defesa da instituição e dos interesses de seus membros.

Para aliados de Eder (os que lhe permanecem mais leais), esse seria um ativo importante para Raposo Lirio e que faltaria precisamente em seu rival no andar de cima do MPES. Muito mais afeito à conciliação que ao embate, o favorito de Luciana não apresentaria, pelo menos não ainda, a força política necessária para assumir o comando do MPES.

No exercício do cargo, por mais afável que seja, você está acima de tudo defendendo a própria instituição e a categoria, cujos interesses não raro colidem com os de gente bastante poderosa em outros Poderes, instituições e na sociedade civil. Em tais situações, é preciso um pulso firme que, na visão de ederistas, faltaria a Berdeal, mas sobraria a Raposo Lirio.

Luciana e seus aliados mais próximos discordam. Entendem que Raposo seria sanguíneo até demais, que esse estilo não ajuda nem agrega para o MPES (nem na atual istração nem na próxima) e que espírito conciliador não é sinônimo de fraqueza (a própria Luciana, é preciso dizer, apesar do estilo publicamente mais ameno, foi bastante firme por vezes em sua atuação de bastidores).

O que florescerá disso tudo?

Em seus anos como PGJ (2012-2016; 2018-2020), Eder Pontes engoliu Maquiavel, que ensina ao príncipe de Florença: para reinar, você precisa ser amado ou temido por seus governados. Forjando um mix de amor e temor, Eder ressignificou de maneira peculiar a lição do fundador da Ciência Política moderna e, à frente do MPES, aplicou sua releitura muito própria: fez-se “príncipe” amado pelos seus, mas temido pelos de fora. De Florença, agora, o ensinamento é retransmitido a Lirio, nova criação do Jardim do Eder.

Não farei como aquele advogado que, em sustentação oral diante do Pleno do STF, confundiu “O Príncipe” com “O Pequeno Príncipe”, pensador florentino renascentista com romancista francês contemporâneo… Mas, já que o sobrenome do candidato o permite (praticamente clama pela associação), Eder cativou Raposo (Lirio, não a rosa) e se tornou pessoalmente responsável por ele e por seu crescimento político.

A discrição de ambos

Um ponto, porém, os dois candidatos têm em comum: a discrição.

Como dito, a atuação de Raposo Lirio, circunscrita ao gabinete da PGJ na maior parte de sua carreira, nunca exigiu exposição na mídia e na sociedade. Ao contrário, isso até poderia atrapalhá-lo. Para se ter uma ideia, eu mesmo esbarrei em inesperada dificuldade para encontrar uma reles fotografia publicável dele na rede, até ser socorrido ontem pela sua recém-contratada assessoria de imprensa. Agora, com a campanha apenas deflagrada, saindo da sombra política de Eder e da sombra institucional do gabinete, ele terá de se expor.

O mesmo vale de certa forma para Francisco Berdeal, mas com uma grande diferença: a exposição. Em eventos políticos no Estado, o promotor é figurinha fácil, visto com frequência em solenidades do próprio MPES ou dos Três Poderes (e até de entidades como a Findes), ou ao lado de Luciana Andrade ou em seu lugar, representando institucionalmente a atual gestão do MPES.

Ao longo de 2023, essas aparições públicas se intensificaram. Luciana ou a aumentar a exposição de seu escolhido, em mais um sinal inconteste de que ele já é há um bom tempo sua aposta pessoal para a sucessão. Para o mercado político, ficou marcada a impressão de que Berdeal é sinônimo de Luciana: onde ela não está, lá está ele em seu nome.

Por outro lado, o atual secretário-geral do Gabinete da PGJ está longe de ser uma figura expansiva. Em tais ocasiões, ele sempre se manteve discreto na ausência de Luciana ou, estando ela presente, um o atrás da chefe, à sua sombra. É de falar pouco e dá pouquíssimas entrevistas. Agora, também terá de sair da sombra política de Luciana e da institucional do gabinete, para fazer política e pedir votos para si.