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Grãos de ouro: os segredos de mulheres que produzem cafés premiados

Conheça a história de Eliane, Ivone e Ana Lúcia, que participam do grupo Pó de Mulheres, no sul do estado, e vendem os cafés especiais por meio da cooperativa Cafesul

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Eliane Rodrigues, cafeicultora. Foto: Reprodução.

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O que torna um café especial? Para os consumidores, a resposta pode ser abstrata. Está na forma de coar, moer ou, então, na de degustar. Cada um tem um jeito de preparar a bebida – e uma ocasião, também.

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Companheiro inseparável para iniciar o dia. Ao longo do trabalho a pausa é certa: preciso de um café! E, não menos, saborear lentamente em casa ou em uma cafeteria. O fato é que, independente das ocasiões, o café está presente com sabores diferenciados no dia a dia de qualquer pessoa.

Existe uma infinidade de processos que o tornam especial, antes mesmo de chegar às xícaras. Os sabores e aromas diferenciados dependem de mãos trabalhadoras que separam, e dos olhos atentos que escolhem minuciosamente cada grão.

“A sensação de fazer o café é muito prazerosa, você se apaixona. Fazer aquele café bonito, cheiroso”.

“Top, coisa maravilhosa. O cheiro é maravilhoso quando o terreiro está cheio, é muito bom”.

“Depende de ter muito amor, muita paciência, muita dedicação. Tem que gostar mesmo do que faz”.

Essas são algumas das frases ditas pelas cafeicultoras entrevistadas para essa reportagem.

Eliane, Ivone e Ana Lúcia são produtoras de cafés conilon especiais no município de Muqui, região sul do Espírito Santo. As três começaram na vida cafeeira com a produção familiar. Mas, viram que podiam ir além. Os grãos diferenciados, conhecidos somente entre amigos e família, começaram a ganhar força quando elas se juntaram e, com o apoio da Cafesul, cooperativa que atende a região, embarcaram no desafio de se dedicar exclusivamente a esse tipo de cultivo.

Café normal ou especial?

Para entender a diferença, os cafés que facilmente são encontrados nas gôndolas são aqueles produzidos e vendidos em grande escala, com coloração forte e um amargor mais presente. Há uma gama vasta de marcas ao redor do mundo. É o café tradicional.

Já o especial beira o perfeccionismo, foge da coloração escura e do amargor. Alguns podem ser até mais doces ou com sabores que lembram outras frutas. Isso tudo é possível porque existe uma busca pela qualidade que começa na colheita e depende, inclusive, do clima.

Escolher os melhores grãos, secar o café durante dias, doar 100% do tempo para tirar qualquer defeito que possa afetar na qualidade  são alguns dos segredos que resultam num sabor diferenciado.

Por conta dessa diferença, a Ana Lúcia de Castro Landi, que é cafeicultura, precisou dividir a produção na fazenda junto com o marido para dar conta dos cafés especiais.

“O nosso acordo foi o seguinte: ele ficou mais com a parte da lavoura e eu peguei mais a parte do café a partir do momento que ele entrou no terreiro. Geralmente, o verde se torna o café tradicional, esses cafés de mercado. E o grão maduro, aquela coisa maravilhosa, se torna especial”, conta.

E é um processo demorado. Os grãos precisam ser escolhidos a dedo. “Eu tenho que entrar catando café, separando os grãos verdes dos maduros. Mas aqui temos uma facilidade muito grande que é descascar o café com um maquinário. Existem os contratempos do clima que, às vezes, interferem muito na qualidade. Não quer dizer que eu fiz um café ruim”, explica Ana.

Terreiro de café no sítio de Ana Lúcia Landi. Foto: Reprodução.

Os diferentes sabores

Um dos detalhes principais que torna o café especial ou goumert, como já o tratam, é, justamente, o sabor. Eliane Rodrigues, que produz café especial há quase uma década, conta que os diferentes sabores podem remeter até mesmo às memórias de infância. “Muitas vezes, o diferenciado é a colheita. Colher os grãos bem maduros é o que faz o sabor do café lembrar de uma fruta ou de uma coisa que você comeu lá na infância, volta no tempo”.

No caso da Eliane, o café é ainda mais especial. Ela conta com uma produção orgânica, sem aditivos químicos. “Eu também produzo café orgânico. Por ser orgânico, já é um café que não tem química alguma. É um café diferenciado. É bem vantajoso você saber que está colhendo um produto 100% natural, sem química”, explica.

O maquinário para auxiliar na separação dos grãos e espaço para ampliar a produção não são a realidade de todas as produtoras. Ivone Machado começou recentemente na produção de café especial. Com estrutura pequena, ela leva quase dois meses para produzir 60 quilos de café.

“A colheita é feita de forma selecionada. Você vai catando dos pés que estão maduros a dedo, um por um. Para a gente que não tem maquinário, cata a dedo. Com a estrutura que eu tenho, pequena, para eu fazer um saco de café leva mais de mês”, conta.

O café da Ivone, inclusive, já foi reconhecido na Semana Internacional do Café de Belo Horizonte, em 2019, e deu fôlego para que ela continuasse nas lavouras. “Quando teve a prova dos cafés das mulheres, um japonês saiu da sala e perguntou ‘quem é Ivone?’, eu chorei de emoção ao saber que meu trabalho foi reconhecido. Ele falou que o café estava muito bom, eu chorei de emoção”.

Produção de café conilon no Espírito Santo

A maior produção de café conilon do Brasil acontece em terras capixabas, de acordo com o Instituto de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). Ela corresponde a 70% de toda produção nacional, sendo os municípios da região norte e noroeste que mais se destacam.

Fazendo um recorte dos dados, a localização onde Ana Lúcia, Eliane e a Ivone estão representa a menor produção de café conilon no Espírito Santo. É na região Sul Caparaó, composta por 20 municípios, dentre eles Muqui, que possui 9% da produção, o equivalente a 916 mil sacas de café por ano. Na maior região produtora deste café, a título de comparação, são 4 milhões de sacas por ano. Em contrapartida, importante salientar, é o sul capixaba que se destaca na larga produtividade do Arábica.

O Pó de Mulheres

O delicado trabalho das mulheres que decidiram produzir os cafés especiais chegou e conquistou espaço na cooperativa Cafesul. Lá, elas se uniram e criaram o Póde Mulheres, um grupo formado somente por produtoras de conilon especial.

Natércia Bueno, coordenadora do grupo, conta que o mercado demandou tanto que a expectativa da próxima safra é de alcançar mais sacas produzidas pelo Póde Mulheres. A cooperativa, inclusive, ou a ensacar também essa linha de cafés especiais.

“A Cafesul, nos últimos quatro anos, obteve aumento de de 30% no volume de cafés especiais. A previsão é de 2 mil sacas de especiais nessa safra e, dessas, 30% a 35% de café das mulheres”, explica. Para a Cafesul, a expectativa de produção dos especiais é de 2 mil sacas na próxima safra, sendo que cerca de 700 delas produzidas somente por mulheres.

É nessa produção tímida que os melhores grãos de café são escolhidos e vendidos para a cooperativa. De lá, são levados para outros estabelecimentos, até chegar às xícaras, canecas ou copos, como cada um prefere. “Nós compramos os cafés em grãos crus especiais das mulheres e industrializamos, produzimos a marca Pó de Mulheres. Vendemos para cafeterias, padarias, supermercados, delicatessens. Isso distribuídos em Muqui, Mimoso, Cachoeiro, Vitória e Vila Velha”, afirma Natércia.

Café especial feito por mulheres ganha espaço no sul do estado

Já se foram dez anos que a produção de cafés especiais cruzou o caminho dessas mulheres cafeicultoras de Muqui, que viram uma oportunidade de crescer junto com a família no campo. E o cooperativismo nessa história é a força para que o trabalho do Póde Mulheres, por exemplo, alcance todas as fronteiras dentro e fora do estado. Até porque é a partir da cooperativa que elas conseguem vender seus cafés e aperfeiçoar as técnicas.

“A gente acaba negociando com a cooperativa. Geralmente, a cooperativa paga um pouco acima do mercado, a gente tá alcançando um valor legal”, conta Ana Lúcia. “E isso faz com que a gente vá criando laços, fazendo novas amizades, colhendo muito conhecimento. A gente leva uma vida bem alegre, se encontra, e isso nos motiva cada vez mais a fazer parte do grupo”, completa Eliane.

Impossível não sentir vontade de experimentar um café especial depois de entender todo esse trabalhoso processo, não é mesmo? Eles podem ser comprados pelo site da Cafesul.  Ah, e ao saborear, lembre da Ana Lúcia, da Eliane e da Ivone, elas são só algumas das mulheres que tornam possível conhecer os diversos sabores, aromas e cores desse tão valioso grão.