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Gestão de crise: reputação é um eco e se você não cuida dela direito, vira sussurro

O consultor em comunicação estratégica Lucas Rezende faz uma análise sobre o valor da reputação e o efeito da rapidez em gerir escândalos

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Gestão de Crise. Foto: Freepik

Não foram raras as vezes em que meu telefone tocou e, do outro lado da linha, estava um cliente em apuros narrando situações delicadíssimas. Já ouvi de quase tudo: busca e apreensão, prisão, fuga, cancelamentos de shows, denúncias e outras intempéries. Como não sou advogado nem policial, meu número é o acionado por um motivo simples: desde que o mundo é mundo, personalidades, políticos e grandes marcas gerenciam suas crises para sobreviver – ou tentar. Como, após tantos escândalos, Neymar segue sendo um ídolo? E o Carrefour continua lotado de clientes? E os negros ainda frequentam o Starbucks? Em comum, todos souberam gerenciar seus escândalos – porque há uma ciência por trás disso. E no mundo em que 90% dos lares brasileiros estão conectados à internet, agir com assertividade nunca foi tão precioso para garantir o dia de amanhã.

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Disse que gerenciar crises é uma arte “desde que o mundo é mundo” porque foi no início da década de 80 que o Tylenol, analgésico líder de vendas nos Estados Unidos, mostrou como se faz. Óbitos começaram a surgir em Chicago após a ingestão do comprimido. A perícia inicial concluiu que as cápsulas estavam contaminadas com cianeto – o bastante para jogar a reputação do Tylenol no chão. Num ato até então pouco praticado na época, a empresa abriu as portas de sua fábrica para que os investigadores pudessem acompanhar o processo de fabricação. Além disso, representantes aram a visitar hospitais e a se aproximar da imprensa, aumentando a transparência com o caso.

O tempo ou e a polícia concluiu que os medicamentos haviam sido adulterados quando já estavam nas gôndolas das farmácias, inocentando o laboratório. Mas o Tylenol não parou por aí: lançou novas cápsulas com estrutura impenetrável. Deu tão certo que, se bobear, você tomou um desses essa semana mesmo – e sem cianeto. Uma boa gestão de crise se faz assim: demonstrando remorso, responsabilidade e reparação.

O Starbucks também soube istrar grandes problemas depois que dois homens negros, que estavam numa loja sem consumidor e esperando um amigo, foram convidados a se retirar. Como se recusaram, a polícia foi chamada e os homens deixaram o local algemados. Tudo foi gravado. Os funcionários envolvidos foram demitidos? Sim. Uma tradicional nota de resposta foi emitida? Também. Mas o pulo do gato veio depois: o Starbucks fechou, por uma tarde, todas as suas 8 mil lojas nos Estados Unidos para que os 175 mil funcionários fossem treinados sobre como combater o racismo. Repetindo: remorso, responsabilidade e reparação.

Todos somos uma vitrine, sendo F’s ou CNPJ’s. E estamos sendo assistidos a todo momento por 82% dos usuários – número de internautas que seguem alguma marca no Instagram. Aqui mora um plus para o problema: as redes sociais, mais do que nunca, são uma pólvora para espalhar notícias. Com um clique, todos compartilham, comentam, dão sua opinião, atacam, crucificam – e pronto, a tragédia está desenhada. Crises nascem de forma mais fácil do que antes. Por isso, cada vez mais, é importante ter agilidade na resposta. Costumo falar sempre que, num mar de versões, que fiquem com a sua. E quanto mais tarde você chega, mais contaminada estará a cena.

É claro que reputações bem construídas e consolidadas não desmoronam tão facilmente. O Carrefour, por exemplo, já se viu em meio a manchetes horríveis, e continua vendendo de vento em popa por conta de ocupar um fatia de mercado gigantesca, por ter uma origem internacional e vender o básico: alimento. Por outro lado, cansei de ver camisas com o nome do Neymar expostas em lugares de destaque em vitrines da Champs-Élysées, mesmo após todos os episódios que conhecemos envolvendo o atacante.

Por isso é importante construir autoridade a longo prazo. Discursos soam mais confiáveis da boca de pessoas confiáveis – daí a escolha do porta-voz de uma crise ser definidora. E ter um exército nessa hora conta muito. Marcas e personalidades que conquistam seus clientes ou seguidores transformam eles em “love brands” – que atuam tanto como defensores e também como fiéis compradores ou acompanhantes depois da tempestade. Se a sua construção de reputação já não vai muito bem, o número de detratores só tende a ser maior, dificultando um recomeço.

Na hora da crise, tudo importa: se você é lento ou rápido demais para se manifestar. Se você aparece em público ou não – e com que roupa, com qual semblante e em qual lugar. Seus hábitos nos dias seguintes. Seu comportamento na internet. Sua verdade e sua capacidade de “mea–culpa”. Finalizo lembrando uma frase do Molière que diz assim: “Reputação é um eco”. Concordo, porque se você não souber cuidar dela direito, pode virar um mero sussurro.


*Lucas Rezende é consultor em comunicação estratégica. Especialista em gestão de reputação e gerenciamento de crises.

 

 

 


Plural. Foto: Freepik

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