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Justiça manda jornal esclarecer que juiz fez intervenções em audiência de Mari Ferrer

Julgamento da influencer Mari Ferrer (Foto web: Reprodução)
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Na ação, o juiz sustenta que o veículo ‘abusou do direito de informar’ ao sintetizar a argumentação apresentada por ele na sentença na tese batizada de ‘estupro culposo’, inexistente no Código Penal, e omitir intervenções feitas em favor da influenciadora e contra os insultos do advogado responsável pela defesa do empresário.
A primeira decisão, proferida na sexta-feira, 11, em caráter liminar pela juíza substituta Cleni Serly Rauen Vieira, determina que o portal esclareça que a expressão ‘estupro culposo’ não foi citada na sentença e que o juiz Rudson Marcos fez intervenções para manter a ordem, esclarecimentos à vítima e advertências ao advogado, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
“Ao perlustrar os fundamentos da sentença, não é possível extrair a conclusão de que nela se tenha afirmado a existência do tal ‘estupro culposo’, seja de forma expressa, seja por dedução, indução, analogia ou interpretação”, escreveu a juíza.
Sobre o vídeo, ela observou: “Em uma análise sumária, as rés exibiram trechos com vários recortes, de modo que a versão final apresentada leva a crer que a vítima foi alvo de descaso por parte do juiz, que pareceu omitir-se diante das manifestações exacerbadas do referido causídico àquela”.
Antes da judicialização do caso, o Intercept chegou a atualizar a matéria informando que a expressão ‘estupro culposo’ foi usada para resumir o caso e explicá-lo ao público leigo. “O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo”, explicou o veículo. A atualização não foi considerada satisfatória pela magistrada.
A mesma a juíza que já havia determinado, também na sexta-feira, 11, que as reportagens fossem retificadas para esclarecer que o promotor Thiago Carriço de Oliveira, responsável pela investigação do caso, não usou a expressão ‘estupro culposo’ para pedir que o empresário fosse inocentado. Assim como o juiz Ruson Marcos, Carriço também virou alvo de reclamação disciplinar, no caso dele apresentada pelos conselheiros nacionais do Ministério Público (CNMP) à Corregedoria da instituição.
Relembre o caso
Durante a audiência, o advogado Claudio Gastão Filho, que defende o empresário André Camargo Aranha, utilizou fotos publicadas pela influenciadora nas redes sociais para atacá-la e insinuar que ela teria mentido para ganhar fama com o processo.
“Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem”, afirmou.
As imagens foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil, gerando repercussão sobre os limites da atuação da defesa do réu em casos de estupro. Segundo especialistas ouvidos pelo blog, o caso expôs a ‘velha história de que a palavra de uma mulher é medida de acordo com sua conduta sexual e pela régua moral’ e reforça que em muitos processos envolvendo violência de gênero há desmerecimento da palavra da vítima.
COM A PALAVRA, O JUIZ RUDSON MARCOS
NOTA DE ESCLARECIMENTO JUIZ RUDSON MARCOS
Sobre a tutela antecipatória proferida pela 3ª Vara Cível de Florianópolis, que determina a retificação de notícias veiculadas pelos meios de comunicação NDmais e The Intercept Brasil (partes na ação 5080008-63.2020.8.24.0023/SC), o Juiz Rudson Marcos informa que a decisão da Justiça reconhece a imediata e necessária correção dos equívocos nas reportagens, de uso de falsa informação como se fosse o embasamento da sentença do magistrado, assim como de veiculação de trechos de uma audiência em que intervenções do Juiz foram suprimidas e desconsideradas, para atribuir a ele uma postura negligente.
A reparação faz-se impreterível diante da repercussão inalcançável do tema, cujas reportagens afirmam em títulos e chamadas sensacionalistas que o juiz teria embasado sua sentença penal em “tese inventada” ou “inovação jurídica” de “estupro culposo”.
A decisão sobre a tutela em favor do Juiz ressalta que “não é possível extrair da sentença a conclusão de que nela se tenha afirmado a existência do tal ‘estupro culposo’, seja de forma expressa, seja por dedução, indução, analogia ou interpretação”. E acrescenta que a decisão do Juiz Rudson Marcos tem “afirmação expressa de que o crime de estupro de vulnerável não prevê modalidade culposa, o que foi omitido pela reportagem”.
Refutando a alegação de que a expressão “estupro culposo” seria um artifício para melhor esclarecer ao público leigo, consta na decisão sobre a tutela que este também é um equívoco, visto que a expressão é “uma conclusão inverídica” e que não se pode “qualificar de inédito algo que não foi dito”.
Portanto, registra o teor da decisão de deferimento da tutela: “De forma secundária, a concessão imediata da tutela também possui caráter de interesse público, pelo direito dos cidadãos, como um todo, ao o à informação lídima e fidedigna sobre a atuação jurisdicional”.
A retificação determinada pela Justiça deve ocorrer no sentido de que, diferentemente do que foi divulgado, fique dito publicamente, e na mesma medida em que foi originalmente veiculado, que a expressão “estupro culposo” não foi citada, tampouco foi fundamento da sentença criminal de 51 páginas.
A decisão também menciona que o Juiz realizou várias intervenções para manutenção da ordem, esclarecimentos à vítima e advertências à defesa na audiência de instrução e julgamento, que foi dividida em dois atos, realizados nos dias 20 e 27 de Julho de 2020, com duração de cerca de 300 (trezentos) minutos, dos quais mais da metade do tempo foi destinado à oitiva da vítima, tendo sido constatada a manipulação do trecho que veio a público, onde foram suprimidas as intervenções do Juiz.
Consta, ainda, do despacho proferido pelo Juízo da 3ª Vara Cível de Florianópolis: “Ocorre que, pelo que se verifica em uma análise sumária, as rés exibiram trechos com vários recortes, de modo que a versão final apresentada leva a crer que a vítima foi alvo de descaso por parte do juiz, que pareceu omitir-se diante das manifestações exacerbadas do referido causídico àquela. Todavia, ao avaliar o decorrer do ato, nota-se que as rés omitiram relevantes intervenções do magistrado como presidente do ato”.
Foi determinado que a ação 5080008-63.2020.8.24.0023/SC tramite sob segredo de justiça, sendo apenas ível de divulgação a decisão que deferiu a tutela antecipatória, para que a retratação se torne possível nos moldes definidos pelo Poder Judiciário.
Recomenda-se que se aplique cautela e prudência na divulgação de informações técnicas pela imprensa, especialmente quando estão fora da expertise de quem escreve e englobam complexidade fática e jurídica, tal como se exige o cuidado do operador do Direito, ao aplicar a Lei Penal. O jornalista, portanto, é responsável pela informação que divulga, de acordo com o compromisso inerente da profissão com a verdade e a ética profissional, especialmente acerca da decisão final de um processo judicial.
No caso em questão, a tutela antecipatória menciona que “observa-se a prática de jornalismo sensacionalista, desprovido de seriedade e respeito às instituições e sem compromisso com a correta divulgação dos fatos e com a imparcialidade”.
Por fim, com esta medida judicial, o Juiz Rudson Marcos, que atua há 20 anos na magistratura catarinense, sem nenhuma mácula, e que tem sido alvo de graves ofensas, ameaças, discursos de ódio e fake news, espera reparar minimamente a sua honra, reputação, imagem pessoal e sanar impactos sobre a carreira profissional, todas dimensões lesadas por notícias que não condizem com a realidade.
SAVOY & GARAY ASSESSORIA JURÍDICA
COM A PALAVRA, O SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DE SANTA CATARINA E A FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina (SJSC) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se solidarizam com a jornalista Schirlei Alves após tomar conhecimento, através de veículo de imprensa da Capital catarinense, de processo judicial contra a repórter no exercício da profissão.
A Jornalista está sendo processada, por dano moral, por causa da publicação de reportagem no Intercept Brasil sobre o caso Mariana Ferrer e a sessão de julgamento em que o acusado foi absolvido. O caso ganhou repercussão nacional pelos comentários pejorativos e humilhantes contra a vítima, durante o julgamento, e pela tese apresentada pelo promotor e acatada pelo juiz, de que não teria havido dolo (intenção) do acusado ao ter praticado conjunção carnal com a jovem no camarote de um beach club em Jurerê Internacional.
O Intercept Brasil fez uma análise da decisão e usou a expressão ‘estupro culposo’ para resumir o caso e explicá-lo ao público leigo, mas sem declarar que a expressão foi usada de forma literal no processo.
A judicialização de casos como o presente contra jornalista pode ocasionar a desqualificação do livre exercício da profissão, confundindo a opinião pública e estimulando, mesmo que involuntariamente, manifestações agressivas contra profissionais da comunicação. Schirlei tem sido alvo de constantes ataques em suas redes.
O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina colocou a sua Assessoria Jurídica à disposição de Schirlei e reitera seu compromisso na defesa do direito fundamental de o à informação.
A tentativa de criar obstáculos ou intimidar jornalistas no exercício pleno do direito de informar e reportar fatos de relevante interesse público, por pessoas ou corporações, é algo que se opõe à liberdade de imprensa e um desserviço à democracia
Os jornalistas, suas entidades e as organizações democráticas da sociedade não vão permitir que o jornalismo seja amordaçado ou criminalizado.
Toda solidariedade e apoio à jornalista Schirlei Alves e aos que lutam pelos valores da liberdade de imprensa, alicerce fundamental da democracia.
Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina e Federação Nacional dos Jornalistas
Estadão Conteúdo
