Coluna Vitor Vogas
E agora, MDB? Saiba como foi a convenção que já entrou para a história
O inacreditável resultado; o que Rose e Lelo decidiram fazer; o que disseram à militância; as perguntas ainda sem resposta; o que opinam advogados

Ao centro o rapaz (mais alto) que exibia os votos não esconde a perplexidade ao se dar conta do empate entre Rose e Lelo. Crédito: Vitor Vogas
“Empatou?!? Não!”, irou-se o rapaz encarregado de exibir para o auditório as cédulas com o voto de cada delegado. Totalmente espontânea, a reação traduz a perplexidade compartilhada por todos os presentes à convenção estadual do MDB, realizada em um cerimonial do bairro Santa Lúcia, nessa quinta-feira (21). Aparentemente, mesmo quando Rose de Freitas e Lelo Coimbra concordam em resolver democraticamente, pelo voto dos correligionários, a disputa pelo comando estadual do MDB, o azar não deixa.
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Havia 58 filiados com direito a voto, representando 53 municípios capixabas. Mas apenas 54 votaram. E os votantes se dividiram rigorosamente ao meio: cada chapa obteve exatos 27 votos.
Com esse resultado, o partido entrou em um ime no Espírito Santo – ou aprofundou o já existente. No momento, ninguém sabe dizer quem será o(a) próximo(a) presidente estadual.
Rose chegou à convenção como candidata da situação, à frente da chapa “Reconstrução”. Ela é presidente do órgão diretivo provisório do MDB estadual desde março de 2021. Lelo, o desafiante, encabeçou a chapa “União e Ação”, concentrando a oposição interna a Rose.
Cada chapa foi formada por 71 membros titulares, número exato de emedebistas que devem compor o Diretório Estadual. Essa votação, portanto, foi para a escolha do novo Diretório. A princípio, conforme prevê o Estatuto do MDB, as 71 cadeiras deveriam ser distribuídas entre as duas chapas, proporcionalmente à votação obtida por cada uma. A chapa vencedora (se tivesse havido uma) teria o direito de ocupar a maioria dos assentos.
No o seguinte, sempre de acordo com o regulamento partidário, os 71 membros desse Diretório recém-constituído teriam de se reunir, sob a presidência do membro mais velho, para eleger a instância máxima decisória do MDB no Espírito Santo: a nova Executiva Regional, formada por 13 membros e presidida pelo/a candidato/a vitorioso/a (Rose ou Lelo).
O novo Diretório teria prazo de cinco dias para eleger a nova Executiva, mas, via de regra, isso é feito logo na sequência, como último ato da convenção.
Nada disso foi feito, porém. Nem sequer se ou à distribuição das 71 vagas para formação do novo Diretório. Paramos no 27 a 27 – um empate inesperado, quase inacreditável, que simboliza o absurdo equilíbrio de forças entre Rose e Lelo no momento, bem como os dias de cisão vividos pelo MDB-ES, literalmente dividido ao meio.

Cédula de votação usada na convenção do MDB-ES. Crédito: Vitor Vogas
Travando a sequência do processo, a fantástica igualdade matemática suscitou uma série de dúvidas: E agora? Se ninguém fez maioria, quem terá a hegemonia do Diretório? Por conseguinte, quem terá o controle da Executiva? Mais importante: quem será o/a próximo/a presidente?
Falando aos convencionais e demais militantes do partido, Rose chegou a evocar um critério de desempate que a priori lhe daria preferência, por ser ela mais velha que o adversário (Rose tem 74 anos; Lelo, 69). Segundo a ex-senadora, a legislação brasileira prevê que, em caso de empate entre dois ou mais candidatos, o de idade mais avançada ficará com o cargo em disputa. Por esse critério, ela teria o direito legal de tomar posse ali mesmo como presidente eleita.
Esse, porém, é outro foco de controvérsia. Logo após a convenção, o advogado da chapa de Lelo, Sirlei Almeida, argumentou que a idade dos candidatos não pode ser tomada por critério de desempate no caso concreto, uma vez que não existe essa previsão no Estatuto do MDB, instrumento soberano no que diz respeito às regras das convenções do partido.
Especialistas em Direito Eleitoral consultados pela coluna também têm um entendimento diverso ao manifestado por Rose (na última seção desta publicação, detalhamos o que eles explicam). O advogado do MDB-ES, Rodrigo Barcellos, preferiu não se manifestar.
De todo modo, Rose declarou aos presentes que não quer se valer desse critério para definir o resultado da convenção. A bem da verdade, esse posicionamento ficou um tanto dúbio, pois, interrompendo o início da fala de Lelo, a ex-senadora também chegou a dizer que não estava abrindo mão de tal prerrogativa.
Portanto, não ficou completamente claro para os presentes até que ponto Rose está disposta a abdicar desse critério (se este for, de fato, preponderante) para resolver o que ela mesma definiu como “um imbróglio deveras importante”.
Como ficaram as coisas, então?
Logo após a contagem dos votos e a proclamação do resultado, Rose e Lelo conversaram alguns minutos em separado. Depois disso, anunciaram à militância e à imprensa que, nos próximos dias, buscarão entre si um entendimento, isto é, a construção de um acordo, para a definição dos ocupantes do próximo Diretório Regional, da próxima Comissão Executiva e do próximo presidente da Executiva.

Lelo e Rose conversam à parte para decidirem o que fazer, logo após o encerramento da contagem dos votos. Crédito: Vitor Vogas
A construção desse acordo, segundo ambos, será mediada pela Executiva Nacional do MDB, presidida pelo deputado federal Baleia Rossi (SP). Os dois buscarão a arbitragem da direção nacional.
Ambos afirmaram que procurarão chegar a esse entendimento nos próximos cinco dias. Segundo Rose, esse prazo pode ser prorrogado.
Do início ao fim da convenção, de sua fala introdutória aos filiados à entrevista final à imprensa, ando pelo já mencionado discurso, Rose enfatizou o seu empenho pessoal na busca pela pacificação do MDB no Espírito Santo. Usou reiteradamente palavras como “paz”, “entendimento”, “apaziguamento” e “trégua”:
“Vamos reconstruir juntos, Lelo! Eu quero reconstruir junto. […] Estou aqui para fazer trégua. Trégua! Foi um empate. Nós não podemos desconhecer isso. Posso usar a prerrogativa da idade? Posso! Mas eu não quero. Eu quero usar a prerrogativa de apaziguamento”, disse a Lelo, perante a militância.
Rose ainda fez questão de negar com veemência que o MDB esteja “destruído” no Espírito Santo.
Em discurso e em entrevista à imprensa, a ex-senadora sinalizou que quer fazer uma “composição política” com Lelo e que a construção desse almejado entendimento pode ar pela unificação da sua chapa com a do oponente, dando origem a uma chapa de consenso, com representação igualitária na futura direção do partido no Espírito Santo.
Aliás, Rose ressaltou que esse na verdade sempre foi o seu desejo no processo: em reunião no último dia 12, ela chegou a propor a Lelo uma chapa única montada a quatro mãos. O rival recusou a proposta e fez questão de bater chapa e ir para a disputa no voto.
No entanto, mesmo que vingue esse formato de “unificação”, “consenso” e “entendimento”, a grande questão que jaz sem resposta é: qual dos dois ficará com a presidência da nova Executiva?
Indagados sobre isso ao término da convenção, nem Lelo nem Rose deram à imprensa uma resposta assertiva. No fundo, cada um deles a deseja. A conferir o desenrolar dos fatos nos próximos dias.
E quem assume o partido de imediato?
Há, ainda, outra questão mais imediata a se responder e resolver.
O mandato de Rose como presidente do órgão diretivo provisório do MDB-ES (aliás, o de todo o órgão) venceu à meia-noite dessa quinta para esta sexta-feira. Já terá expirado quando este texto for publicado, o que enseja outra grande interrogação:
Enquanto Lelo e Rose buscam essa solução consensual para o imbróglio, a quem tocará a presidência do MDB no Espírito Santo a partir desta sexta-feira e nos próximos dias?
A princípio, se o novo Diretório tivesse mesmo sido constituído, a presidência interina caberia ao mais velho dos 71 membros, apontado por todos como José Maria Pimenta*.

José Maria Pimenta. Crédito: Vitor Vogas
Aos 77 anos, Pimenta é militante histórico do MDB e servidor aposentado da Assembleia Legislativa. Faz parte da chapa de Lelo. Quando Rose foi candidata ao Senado em 2014, Pimenta chegou a ser registrado como o seu 1º suplente, mas depois foi substituído pelo empresário Luiz Osvaldo Pastore.
A questão é que o Diretório nem sequer chegou a ser formado, o que dá margem a que o MDB estadual fique temporariamente acéfalo a partir desta sexta-feira, expirado que está o mandato da comissão provisória presidida por Rose.
Tanto Lelo como Rose reconhecem que o resultado da votação é uma evidência inequívoca de que o MDB está dividido no Espírito Santo. Alguém discordaria?

No canto direito, Rose beija Lelo na bochecha.
O que Rose e Lelo realmente disseram
Creio que, neste caso, para o/a leitor(a) compreender melhor os pontos de vista de Rose e Lelo, melhor é deixar os dois atores falarem livremente. Por isso, reproduzo abaixo os principais trechos dos discursos feitos por ambos diante de seus correligionários, como um diálogo perante uma plateia formada por apoiadores dos dois lados:
ROSE
Vamos direto ao Baleia Rossi. Lelo goza do apoio e do prestígio do Baleia, tanto que está na Nacional, e nós também. Eu sou a mais velha. A lei me garante que eu assuma aqui e agora.
[Irrompem aplausos de “rosistas”]
ROSE
Mas quero fazer uma proposta que é uma proposta de nós dois, não tem autoria. Aqui ninguém é melhor que ninguém. Eu sou mais velha. Queria ser mais nova, hoje pelo menos. Mas temos cinco dias, pelo Regimento. […] Vamos levar o resultado da convenção, assinado por mim, por Lelo e pelos advogados, ao TRE, para que possa ser objeto de consulta a qualquer momento. Quero propor um entendimento. Meu mandato termina à meia-noite. Amanhã terei que me dirigir ao presidente nacional, porque quero que ele arbitre essa decisão. […] Quem seria presidente até estabelecermos as regras finais seria o Pimenta, porque ele é o mais velho, no caso de abertura da vacância. O que proponho não é isso. Queria pedir que a gente use esses cinco dias para que a Nacional decida sobre essa questão, que é regimental, como é regimental eu tomar posse agora. Não estou fazendo. Vamos usar esse tempo para conversarmos e nos entendermos.
LELO
Esse entendimento nesse formato é natural. A Rose abre mão da prerrogativa da idade…
ROSE [interrompendo Lelo]
Espera aí. Não estou abrindo mão da prerrogativa, não. Presta atenção. As palavras entre nós sempre foram um problema. Então vou repetir: eu estou propondo levar o resultado ao TRE, para que seja homologado o resultado dessa convenção. [O que] proponho é o seguinte: estou preservando o que a lei me dá direito, mas quero me entender com Lelo Coimbra. Está claro isso? Quero me entender com Lelo. Quero fazer uma composição política. E isso sem soçobrar sequelas que possam vir da sua boca ou da minha. Da minha não virão. É isso o que estou lhe propondo.
LELO
Ao longo desse período, nós conversamos aqui para a ideia de uma interlocução entre nós dois. Naturalmente, a Executiva Nacional vai estar presente nessa interlocução, porque, a partir de hoje, à meia-noite, há uma vacância da direção. Então esse entendimento tem que ser calçado e homologado junto com a Executiva Nacional, na figura do Baleia [Rossi]. Quando Baleia conversou comigo sobre essa disputa, eu falei que o ideal dessa disputa era nós fazermos a medida através do voto. A medida através do voto está presente, então ela nos recomenda essa direção. E a Rose, ao propor essa direção, nós vamos estar conversando com esse formato. […] Então fica aqui acordado entre nós dois um campo de conversa no âmbito do partido.
ROSE
Se formos seguir os prazos legais e cabais, teremos que fazer isso até terça-feira. E, se formos seguir o que determina a legislação, eu teria que tomar posse agora.
[Neste momento, apoiadores de Rose irrompem em gritos de “Toma posse!”]
ROSE
Eu quero que vocês aceitem a proposta que vou fazer agora. […] E vamos reconstruir juntos, Lelo. Eu quero reconstruir junto. […] Estou aqui para fazer trégua. Trégua! Foi um empate. Nós não podemos desconhecer isso. Posso usar a prerrogativa da idade? Posso! Mas eu não quero. Eu quero usar a prerrogativa de apaziguamento. Vamos pôr o peão no chão e acalmar. […] Teremos cinco dias e mais tempo, se necessário, vamos falar com a Nacional daqui a pouco, para que a gente consiga essa paz, para o bem do MDB. Vocês podem me apoiar com essa proposta?
[Irrompem aplausos tímidos na plateia, denotando frustração coletiva das duas claques]
ROSE
Não existe um eleito aqui, nem pela idade. Não existe por nada. E eu e Lelo estaremos sentados dia e noite até a terça-feira e mais um tempo, se necessário, para conseguirmos essa convivência que deve levar ao crescimento do MDB e ao respeito de todos. […] Minha proposta é o entendimento. Não terá nova convenção. Se tiver nova convenção, essa briga não vai acabar nunca. “Essa briga”, não. Como é que a gente pode chamar isso?
[Rose dá o microfone para Lelo]
LELO
Essa busca dos melhores caminhos.
ROSE
Ô, Lelo, você tá bonzinho, hein!
[Risadas da plateia]
ROSE
Então, na busca dos melhores caminhos, eu posso dar a mão para o Lelo aqui?
[E os dois se dão as mãos e erguem os braços]
ROSE
Vamos à paz do MDB, se Deus quiser!

Rose e Lelo dão-se as mãos
O que dizem os especialistas?
De fato, como apontam os advogados Marcelo Nunes e Ludgero Liberato, especialistas em Direito Eleitoral, existe previsão legal, tanto no Código Eleitoral Brasileiro como na Lei das Eleições, de adoção do critério de idade para desempatar eleições.
Porém, segundo Marcelo Nunes, essa regra se aplica exclusivamente aos processos eleitorais (de vereador a presidente da República) regidos pela Justiça Eleitoral. Eleição partidária seria um caso à parte, interna corporis. Nesse caso, segundo ele, prevalecerá o que dispõe o Estatuto do partido em questão.
O advogado Ludgero Liberato acrescenta que a atividade e o funcionamento dos partidos políticos no Brasil é regida pela Lei Federal 9.096/1995, a Lei dos Partidos Políticos, e que a Constituição Federal confere às agremiações partidárias autonomia para se autorregularem.
“A regra é a autonomia do partido. O critério de desempate por idade só pode ser aplicado se essa regra estiver expressa no Estatuto do MDB. Isso a menos que o Estatuto remeta essa questão a alguma legislação federal, em ‘casos omissos’ ou algo assim. Do contrário, a solução tem de ser partidária”, opina o especialista.
Disponível no site do partido, o Estatuto do MDB trata “Das Convenções e dos Diretórios” do artigo 21 ao 32. Do artigo 78 ao 80, trata especificamente “Da Convenção Estadual”. Do 81 ao 85, trata “Do Diretório Estadual”. Do 86 ao 87, “Da Comissão Executiva Estadual”.
Não há nenhuma menção a critério de desempate.
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* Integrante da chapa de Lelo e membro nato da chapa de Rose por já ter sido presidente estadual, o ex-prefeito de Cachoeiro Roberto Valadão tem 85 anos, mas não compareceu à convenção.
