Dia a dia
Tragédia de Mariana completa 6 anos: reparação de danos depende de novo acordo
Um novo documento está sendo discutido com a mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Regência, foz do rio Doce – Foto: Chico Guedes
“A gente tirava tudo do rio. A agem da lama acabou com a nossa renda e nosso lazer. Recebemos a indenização e ficamos sem auxílio. Compramos nossa casa e agora vivemos de ajuda com cesta básica”.
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Esse é o desabafo da pescadora Joselita Maria de Jesus Correia, moradora de Colatina, que perdeu seu ofício e a renda da família quando 39 milhões de m3 de rejeitos de mineração da barragem de Fundão, em Mariana (MG) da Samarco, começaram a se deslocar pela bacia do rio Doce até a foz em Regência, Linhares, no dia 05 de novembro de 2015. Um percurso de 670km. Ao longo do caminho, a lama provocou 19 mortes, destruiu parte da natureza e afetou a vida de pessoas de 39 municípios – de Minas Gerais e Espírito Santo – ao longo da bacia do rio.
Nenhum responsável pela tragédia foi punido ou preso. Das 21 pessoas denunciadas criminalmente pelo Ministério Público Federal (MPF), apenas cinco ainda se encontram no processo que apura as mortes, inundação e crimes ambientais.
Muitos atingidos ainda não foram reconhecidos; as prometidas assessorias técnicas aos impactados não tiveram contrato assinado; e ainda há dúvidas sobre a qualidade da água e do pescado.
Agora, seis anos depois e dois acordos firmados, um novo documento está sendo discutido com a mediação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir que as reparações e compensações cheguem aos atingidos.
Outro movimento para acelerar a reparação vem dos governadores do Espírito Santo, Renato Casagrande, e de Minas Gerais, Romeu Zema, que querem uma repactuação do acordo, em um modelo que os estados ariam a receber os recursos diretamente para realização dos programas, sem ar pela fundação Renova. Os governadores consideram o modelo atual altamente burocrático e com muitas instâncias de aprovação.
Fim do auxílio
Sem poder trabalhar, pois “ninguém mais confia na água e nem nos peixes”, a pescadora Joselita e família sobrevivia com o auxílio financeiro emergencial (AFE) pago mensalmente, mas esse pagamento foi interrompido quando ela aceitou a indenização intermediada pela Justiça, paga até agora a 18 mil pessoas no Espírito Santo, totalizando R$ 1,83 bilhão.
Com a indenização ela conseguiu comprar uma casa, pagou uma cirurgia que precisava fazer e quitou dívidas feitas após o rompimento da barragem. O dinheiro acabou e agora a família vive com ajuda de outras pessoas e doação de cesta básica. “Pelo menos do aluguel consegui sair”.
E muitos atingidos estão na mesma situação da pescadora e sua família, segundo Heider Boza, da coordenação estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Espírito Santo. Segundo ele, o sistema simplificado pela Justiça se tornou a via única de o à indenização. Os pescadores do rio receberam entre R$ 23 mil e R$ 80 mil e os do mar de R$ 80 mil até R$ 200 mil, mas ainda incide descontos.
“Temos muitos casos de famílias de pescadores que por questões econômicas pegaram a indenização, perderam o AFE e agora estão ando bastante dificuldade. É uma bola de neve, a pessoa pega a indenização por necessidade, perde a renda mensal e fica prejudicada porque as condições da pesca no rio não foram retomadas, não há retomada produtiva do trabalho”, detalha.
Entidades ainda buscam maior participação dos atingidos
Entidades como os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas têm trabalhado nos últimos anos buscando uma maior participação dos atingidos na tomada de decisões da governança e nos programas de reparação e compensação dos danos do rompimento da barragem. Há três anos tem sido discutida a implementação do TAC Governança com a participação de assessorias técnicas para ajudar os atingidos. Elas levaram meses para serem escolhidas, mas ainda não começaram a trabalhar devido a um ime financeiro.
“Com o auxílio das assessorias as comunidades vão ter mais autonomia e mais informação para dialogar com as empresas e transformar as suas demandas em ações e projetos. Chegamos em 2021 sem a efetivação do direito de assessoria e sem direto de efetivação de participação social e o à informação. A assessoria seria o canal mais adequado. E com a pandemia, vimos uma forte desmobilização dos atingidos, que foram acometidos por outra crise. A vulnerabilidade aumentou e concomitantemente temos forte movimento de judicialização das indenizações”, explica Rafael Portela, defensor público do Espírito Santo.
Nesse momento, a defensoria tem preocupação com o encerramento dos cadastros e a falta de reconhecimento de algumas regiões como atingidos, mesmo seis anos depois. A quitação final dos danos – prevista quando o atingido aceita a indenização paga via Justiça – é outra preocupação da Defensoria. Assim como o caso da pescadora Joselita, Rafael destaca que milhares de pessoas que receberam que estão tendo o auxilio cortado e que vão ficar muito mais desprotegidas, sem ações mais efetivas para retomada das condições que essas famílias tinham antes da agem da lama.
Sobre a iniciativa dos estados para desenvolverem os projetos de reparação, Portela considera uma boa iniciativa. “Vejo de uma forma muito positiva os estados buscarem ter mais protagonismo no processo de reparação. Entendo que o protagonismo nos estados em buscarem guiar a repactuação num papel maior na medida em que a criação da fundação Renova se revelou disfuncional e acabou gerando conflito de atribuições. Certos programas são políticas públicas e a Renova acaba tendo uma visão guiada pela ótica empresarial”, avalia o defensor público.
O que diz a Renova
A Fundação Renova esclarece que as indenizações e Auxílios Financeiros Emergenciais (AFEs) pagos a 336 mil pessoas de Minas Gerais e do Espírito Santo pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), chegaram a R$ 6,5 bilhões em setembro deste ano, um aumento de mais de 100% em relação ao valor pago até dezembro de 2020.
A implementação do Sistema Indenizatório Simplificado, a partir de decisão da 12ª Vara Federal, permitiu o pagamento para casos em que havia dificuldade na comprovação dos danos, contribuindo para a aceleração dos pagamentos. Em um ano, 35 mil atingidos receberam um total de R$ 3,4 bilhões em indenizações.
Neste mês de setembro, mais de 8 mil pessoas foram beneficiadas, atingindo mais de R$ 800 milhões em pagamentos.
O total de pessoas indenizadas no Espírito Santo por meio do Sistema Indenizatório Simplificado chegou a 18,3 mil pessoas de sete localidades e o valor desembolsado, a mais de R$ 1,83 bilhão até setembro.
