Dia a dia
Sem pernas e um braço, paraskatista do ES sonha com Olimpíadas
Kassy Jhones possui títulos nacionais e internacionais de Skate Downhill

Paraskatista capixaba Kassy Jhones. Foto: Arquivo pessoal
O desejo de correr e sentir o vento contra a pele sempre foi um sonho para Kassy Jhones. Ainda na infância, ele não aceitava ver seu irmão e amigos correndo livremente de bicicleta enquanto ele apenas assistia. Kassy sabia que sua condição o impossibilitaria de se divertir como as outras crianças. Nascera prematuro, com sete meses, sem as duas pernas e um braço. Se aceitasse o que o destino lhe havia preparado, aria a vida observando a diversão alheia. Mas foi sua força de vontade que lhe deu as asas da liberdade. Kassy Jhones Mendes Rocha tem hoje 23 anos e é um dos primeiros paratletas de skate downhill do Brasil, dono de títulos nacionais e internacionais.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Ele nasceu com malformação devido ao medicamento talidomida, que foi muito popular em todo o mundo nos anos 1950 e 1960, utilizado pela sua mãe durante a gestação. O medicamento é indicado como sedativo, anti-inflamatório e hipnótico. Porém, deve ser evitado durante a gravidez porque pode causar a má formação e até mesmo a ausência de membros nos fetos. “Minha família morava na roça e minha mãe não tinha muita instrução. Até hoje tentamos provar que o problema foi causado pelo remédio, mas a empresa responsável pelo medicamento diz que foi um problema genético”.

Por não possuir as pernas, Kassy precisava de ajuda de outros atletas para frear durante as competições. Foto: Arquivo pessoal
Sem as pernas, Kassy conta que aos dois anos aprendeu a se arrastar para poder andar pela casa. “Nasci no interior, em Pancas. E sempre foi muito complicado ver as outras pessoas com as duas pernas e mais triste ainda ver crianças brincando. Isso não entrava na minha cabeça. Então meus pais me levavam para nadar. Inclusive, aprendi a nadar em um rio. Com o ar do tempo, fui me adaptando e nunca tive desculpas para não fazer algo. Pelo contrário, sempre dava um jeito para brincar”.
Por volta dos três anos de idade, a família se mudou para Nova Rosa da Penha, em Cariacica. Eles viveram por lá até seu 16 anos, quando o pai foi morto em uma tentativa de assalto. No ano seguinte, se mudaram para Nova Brasília, também em Cariacica. Foi então que sua vida ganhou uma nova direção. “Eu estava no 2° ano do Ensino Médio e meu primo me levava para a escola de cadeira de rodas. Um amigo nosso que nos acompanhava andava de skate. E naquele dia eu pedi a ele para dar uma volta. Ninguém viu problema nenhum naquilo. Eu subi no skate e com um impulso percorri de seis a sete metros. Nunca tinha sentido aquela sensação de liberdade, foi inexplicável. Não sabia que aquilo era possível de verdade”.

A maior velocidade que Kassy atingiu em um skate foi de 65km/h. Foto: Arquivo pessoal
Daquele dia em diante, mesmo contrariando sua mãe, Kassy conta que onde quer que fosse, ia de skate. E pela falta de experiência e de equipamentos de proteção, um dia se acidentou. A mãe o proibiu de praticar o esporte, mas o castigo durou apenas dois meses. Daquele dia em diante, ou a frequentar as pistas com os amigos de três a quatro vezes por semana. Vídeos compartilhados nas redes sociais despertaram a atenção de skatistas no Brasil inteiro. Em 2017, ele recebeu o primeiro convite para se apresentar em um torneio, nada menos que uma etapa do Circuito Mundial de Downhill, realizado em Nova Lima, Minas Gerais. E no ano seguinte, conquistou seu primeiro título oficial, o de campeão brasileiro da modalidade.
Como o próprio nome já diz, essa é uma competição em que os atletas descem ladeiras em alta velocidade podendo ultraar os 120km/kh. “Quanto mais pesado é o atleta, mais velocidade ele alcança. Sem as pernas, acabo sendo muito leve. Minha velocidade mais alta foi 65km/h. Além disso, não consigo fazer o slide, manobra utilizada para frear o skate, por isso precisava da ajuda de outro skatista durante a descida. Mas em 2019, um australiano que fabrica freios de skate conheceu meus vídeos e criou um equipamento próprio para mim. E hoje já posso andar sozinho, como um atleta de verdade”, conta Kassy.

Kassy Jhones nos EUA com o troféu BadAss. Foto: Arquivo pessoal
E 2019 foi de fato um bom ano para o capixaba. Em setembro, ele foi para os Estados Unidos onde participou de uma competição internacional para pessoas com deficiências. A viagem foi custeada com recursos próprios, poupados ao longo de dois anos, com o apoio também de amigos e a comunidade onde mora em Nova Brasília. “Éramos três atletas. Um paraplégico e o outro não tinha os pés. Eles foram melhores do que eu, terminei a prova em terceiro lugar. Mesmo assim não deixaram eu voltar para casa de mãos vazias, recebi o título de “BadAss” (casca grossa). Foi um verdadeiro sonho realizado”.
Às vésperas das Paralímpiadas, que começam nesta terça-feira (24), Kassy Jones é a prova viva de que a superação dos obstáculos está atrelada à força de vontade das pessoas. “O Skate Downhill não é um esporte olímpico. Mas com a visibilidade que o Skate conquistou nas Olimpíadas e a movimentação que já existe nos bastidores, quem sabe em um próximo evento ele não seja incluído. Até lá, vou continuar me esforçando, dando sempre o meu melhor. Até porque, nunca tive desculpas para não fazer algo. E não existe nada melhor que a sensação de liberdade quando subo em um skate”.
