Coluna Vitor Vogas
“Estarrecedor”: o desabafo do auditor fiscal que descobriu esquema dentro da própria secretaria
Investigação que desvendou fraude de R$ 120 milhões e levou à prisão Rogélio Pegoretti começou em 2020, em um núcleo da própria Secretaria de Estado da Fazenda

Rogélio Pegoretti, ex-secretário estadual da Fazenda, foi preso na operação
“É estarrecedor e vergonhoso.” Com esses adjetivos, o auditor fiscal Michel Francisco da Silva descreve sua sensação ao descobrir a participação de um colega e até do próprio chefe no milionário esquema de fraudes tributárias que ele mesmo estava ajudando a desvendar, no curso da Operação Decanter.
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A operação, que prendeu nesta terça-feira (12) o ex-secretário estadual da Fazenda Rogelio Pegoretti (PSB), começou, ironicamente, dentro da própria Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz). Foi na Receita Estadual, vinculada à Sefaz, que surgiram as primeiras suspeitas acerca de um milionário esquema de sonegação fiscal praticado por empresas do setor de comércio de vinhos. Após puxarem o fio do novelo em meados de 2020, auditores fiscais do Estado levaram os seus fortes indícios ao conhecimento do Ministério Público Estadual (MPES), que então, em parceria com a Receita Estadual, aprofundou as investigações.
Por meio de interceptação telefônica e telemática, além da quebra dos sigilos fiscal e bancário, a equipe de investigadores chegou a robustos indícios de participação de dois agentes do governo estadual na outra ponta da organização criminosa: um auditor fiscal de carreira e o então secretário Rogélio Pegoretti. Para garantir a perpetuação do esquema, que gerou um rombo da ordem de R$ 120 milhões ao erário do Espírito Santo, ambos receberiam vantagens indevidas (propina) dos empresários sonegadores.
Portanto, a certa altura de 2021, os auditores da Receita Estadual que haviam iniciado a operação se depararam com a inquietante conclusão de que uma das peças-chave da suposta quadrilha investigada por eles era ninguém menos que… o chefe deles na própria secretaria. Um desses auditores de carreira é Miguel Francisco da Silva, citado no início deste texto, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Receita Estadual.
Nossa pergunta para ele foi: como ele se sentiu, pessoalmente, ao constatar que eles estavam investigando o próprio chefe (ou, no mínimo, uma quadrilha com suposta participação do próprio chefe)? Michel respondeu que mal conseguiu trabalhar no dia dessa descoberta, de tão “atônito” que ficou:
“O papel do poder público burocrático é na proteção do interesse público. É difícil dissociar neste momento a pessoa e o agente público. Mas eu tenho uma formação muito rigorosa nesse sentido, e minha fidelidade é ao povo. Então, vai haver o processo criminal, vai haver a averiguação das responsabilidades de fato. Mas é estarrecedor, é vergonhoso. E, no dia em que isso foi constatado, eu posso dizer que fiquei atônito. Eu me sentei na frente do computador lá na secretaria. Eu sabia o que tinha que fazer, mas eu não consegui trabalhar, porque fiquei atônito.”
O auditor explica que, quando ele e colegas começaram a suspeitar de crimes tributários no segmento de vinhos, a fiscalização da Receita Estadual estava concentrada nos empresários, como compete ao órgão, e que eles não tinham ideia de que a operação culminaria com a descoberta da participação de agentes públicos instalados na própria Sefaz:
“Num primeiro momento, a nossa fiscalização estava em cima só de empresas. A gente não tinha nem ideia de que ia culminar nisso. Só depois, no final de 2020, a gente consegue convencer o MPES de que realmente existia uma quadrilha. Aí começa a parte criminal e, nessa parte criminal, é que a gente descobre a participação de agentes públicos.”
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