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Em silêncio, crianças pedem socorro. O que vamos fazer?

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O nome dela é Lúcia. É Maria. É Carla. O dele é José. É Luiz. É Carlos… São muitos nomes, todos mantidos sob sigilo. E nenhuma face. Têm como ponto comum o sofrimento silencioso, transformado em grito ouvido por todo o país a partir da revelação do caso da menina de 10 anos, estuprada pelo tio, em São Mateus. É impossível não se colocar no lugar dela, não imaginar como deveria ser acordar, levantar, viver mais um dia. O duro é tomar conhecimento das muitas repetições do caso país afora. No Brasil, são seis internações diárias por aborto envolvendo meninas de 10 a 14 anos, grávidas após terem sido estupradas. A cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no Brasil. O país registra, em média, 26 mil partos de mães com idades entre 10 a 14 anos por ano. Foram 32 mil abortos envolvendo crianças nessa faixa etária desde 2008. Esses números são uma compilação de dados oficiais e de textos da BBC. O portal ES360 revelou, nesta terça-feira, o registro de 313 estupros de crianças no Espírito Santo em 2020. Os dados oficiais estão longe da realidade: apenas 7,5% das vítimas levam o fato até a polícia, de acordo com a Pesquisa Nacional de Vitimização do Ministério da Justiça, de 2013. Um quadro assustador, cujo impacto e dor só não são maiores por conta da ação de grupos de amparo social, de direitos humanos, ONGs e estruturas oficiais, como os Conselhos Tutelares. Trabalho louvável, mas de alcance ainda limitado diante da dimensão do problema.

São milhares de crianças traumatizadas, com infância prejudicada, destruída. Pode-se argumentar a omissão do estado com a falácia do crime doméstico, silencioso, onde a mão do amparo oficial não chega. Mentira. As crianças não têm conhecimento da possibilidade de buscar ajuda, vêem nelas próprias uma culpa inexistente. E se recolhem, se encolhem, assumem comportamentos compulsivos, mesmo aparentemente elogiáveis, como a troca das brincadeiras infantis pelo excesso de leitura de livros. Não sabem a quem recorrer porque, entre outros motivos, não foram orientadas sobre seu corpo. E isso é questão de educação. Sim. Educação sexual, tão execrada e deturpada por extremistas religiosos, de ideias muito parecidas com a daquelas pessoas postadas na frente do hospital em Recife, buscando impedir o procedimento de interrupção de gravidez da menina de 10 anos, a quem chamavam de “assassina”.

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Educação não é tudo. Mas é um início. Campanhas de orientação são necessárias. Informação eficiente, capaz de chegar às crianças são fundamentais. Orientação para pais e professores para identificar os sinais de abuso são primordiais. Mas o principal de tudo é a vontade de enfrentar o problema. E isso, infelizmente, está longe das prioridades de figuras públicas como Damares Alves, por exemplo. Apoiados num discurso pretensamente conservador, mas concretamente retrógrado, grupos religiosos radicais querem impor seus devaneios à uma realidade concreta. Em pleno ano de 2020, questionam uma lei aprovada em 1940.

Diante desse quadro, a sociedade precisa continuar cobrando. Cobrando intensamente. Cobrando ações, políticas públicas, campanhas, orientação, amparo social. E essas ações devem ser pensadas imediatamente. Hoje. Porque mais um dia começou. E ele não será nada fácil para Lúcia, para Maria, para Carla, para José, para Luiz, para Carlos…

Antonio Carlos Leite

Antonio Carlos tem 32 anos de jornalismo. E um tempo bem maior no acompanhamento das notícias. Já viu muitos acontecimentos espantosos. Mas sempre se sente surpreendido por novos fatos, porque o inesperado é a maior qualidade das coberturas jornalísticas. E também da vida...

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