Coluna Vitor Vogas
A estratégia de Audifax para crescer na reta final da campanha ao governo
Ponto a ponto, coluna disseca a estratégia do ex-prefeito da Serra para minar Casagrande, exposta em sua entrevista à BandNews FM nesta terça-feira (20)

Audifax em campanha em Vitória. Foto: Reprodução Facebook
Disse Audifax Barcelos (Rede) nesta terça-feira (20), em entrevista à BandNews FM: “Tenho batido muito nessa tecla de que eu sou gestor e o atual governador não é gestor”. E tem mesmo.
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Posso ter me perdido na contagem (e olha que eu realmente contei), mas, em 25 minutos de perguntas e respostas, o ex-prefeito da Serra mencionou pelo menos meia-dúzia de vezes que Renato Casagrande (PSB) não é gestor, ao contrário dele.
Repetiu uma dúzia de vezes, como um mantra, que o atual governo tem recursos sobrando em caixa e não fez o que deveria ter feito nos últimos quatro anos, mesmo tendo dinheiro para gastar. Afirmou cinco vezes que o atual governador “está aí há oito anos e não fez o que tinha que fazer”. E, em dois momentos, atalhou que não há “novos desafios” no Espírito Santo, mas os mesmos desafios de antes, não solucionados pela atual istração.
O combo está quase todo presente neste fragmento de uma resposta do candidato: “Dinheiro tem, e estou batendo muito nessa tecla, e não usa porque não é gestor. Não é por causa de pandemia, não é por causa de chuva. É porque é lento mesmo, é porque não tem equipe, é porque não é gestor, por isso é que não gastou. Isso é verdade. E eu, se Deus quiser, vou ter a oportunidade de falar isso olhando no olho do governador.”
A estratégia escolhida por Audifax para crescer nesta reta final de campanha não poderia estar mais cristalina, e ele usou a entrevista à BandNews para fixar ainda mais o seu discurso, já presente em sua propaganda eleitoral e em seus posts nas redes sociais. A estratégia para chegar ao 2º turno contra o atual governador consiste em procurar miná-lo, golpeando-o por algumas frentes que se combinam.
O eixo do discurso, para buscar se distinguir de Casagrande, é a ideia de que o socialista não é um público competente (simplificadamente, “não é gestor” e ponto). Para provar essa ideia central, Audifax reitera o argumento de que o governo Casagrande só se preocupou em guardar o dinheiro do contribuinte, em vez de gastá-lo naquilo que a população necessitava.
“Dinheiro público é pra melhorar a vida das pessoas. Não é pra fazer poupança”, disse ele no horário eleitoral da última segunda-feira (19). Na entrevista à BandNews, repetiu essa ideia à exaustão, usando formulações como “[o governo] está cheio do dinheiro”, “dinheiro tem e tá sobrando”, “é tanto dinheiro sobrando”, “é muito dinheiro sobrando”, “repito: dinheiro tem pra melhorar”, “tá guardando não sei pra quê”, entre outras variações do mesmo tema.
Para embasar o argumento, o candidato apresenta números. Uma série de números. Tem um na mente para cada tema, e cada resposta é uma oportunidade de reforçar o argumento central.
Segurança pública? “Não gastou nem 80% do que estava previsto no Orçamento Estadual para gastar na área.”
Saúde? “O governo estadual tem a obrigação de gastar na saúde 12% de tudo o que arrecada por ano. Mas o atual governo só diminuiu o percentual. E isso em plena pandemia! Em 2018, o Estado gastou 18% da receita total em saúde. Em 2019, 17%. Em 2020, 16%. E, em 2021, só 14%!”
Concursos públicos? “É claro! O Estado pode gastar até 55% [da receita corrente líquida com folha de pagamento]. Hoje só gasta um pouco mais de 30%.”
Mas o número mais importante, também repetido ad nauseam pelo candidato, é o da famosa “poupança” feita por Casagrande a partir do superavit registrado pelo Governo do Estado nos últimos anos (despesa total menor que a receita total num exercício = dinheiro no caixa do Tesouro Estadual para o ano seguinte).
Em recente post no Facebook, Audifax afirmou que o governo Casagrande tem hoje “6 bi parados na poupança”. À BandNews, o ex-prefeito da Serra repetiu esse número, conforme já havia feito em entrevista à TV Capixaba, concedida em agosto, e a outros órgãos de imprensa.
Para dar ao ouvinte uma noção mais palpável do que está em discussão, Audifax traduziu o número em obras concretas. Segundo ele, com esses R$ 6 bilhões “parados”, o governo poderia construir 60 hospitais, ou 1.500 super creches como as 19 que ele inaugurou na Serra.
Nas próprias entrevistas, convidado a comentar esse número, o governador não o desmente, mas faz questão de acrescentar uma informação: segundo ele, metade dessa quantia já está empenhada para cobrir compromissos já assumidos por seu governo (obras contratadas etc.), de modo que livres, livres mesmo, haveria cerca de R$ 3 bilhões.
Para Audifax, ainda é muito. E, subindo o tom contra o principal adversário – bom lembrar que Casagrande é franco favorito em pesquisas, com chances de ganhar no 1º turno –, o candidato da Rede começou a qualificar o governo Casagrande e o próprio governador como “desumanos”. Nem é preciso dizer o quanto o adjetivo é forte.
A “desumanidade”, é claro, sob a perspectiva de Audifax, estaria na opção por “guardar dinheiro” em vez de priorizar o atendimento às necessidades da população.
Já teve sua oportunidade
O cerne do discurso de Audifax (“ele não é gestor”) também se fundamenta no argumento de que Casagrande já está no governo há oito anos – o que é verdade, somando-se as suas duas agens pelo Palácio Anchieta, de 2011 a 2014 e de 2019 até agora, mas com o detalhe, jamais mencionado, de que entre as duas houve o terceiro governo Paulo Hartung.
Veja-se, por exemplo, a resposta de Audifax a uma pergunta que lhe fiz sobre a meta assumida por Casagrande de deixar o Espírito Santo entre os cinco estados brasileiros menos violentos:
“Com todo o respeito ao atual governador, ele teve oito anos para fazer e não fez. Me desculpa. Quem não fez em oito não vai fazer em nove nem em dez. É uma questão de raciocínio simples. É subestimar a nossa inteligência, a inteligência da população.”
Para ilustrar o “teve tempo, mas não fez”, Audifax lista algumas promessas não cumpridas por Casagrande. Cita o aquaviário ainda não reinaugurado, a frota do Transcol com ar-condicionado, entre outras – sempre com o adendo: “mesmo tendo dinheiro pra fazer”.
Indo um pouco além, o ex-prefeito da Serra afirmou na entrevista que “tem corrupção no atual governo” e, em outra variação do mesmo tema, deixou o que pode ser interpretado como uma insinuação relacionada não a “não uso” nem a “mau uso”, mas a “malversação de recursos públicos”:
“Dinheiro tem. Tá sobrando dinheiro. A gente não sabe se tá guardando pra quê. Se não tá usando na saúde, se não tá usando na segurança, tá botando esse dinheiro onde? Tá guardando esse dinheiro pra quê?”
No mesmo tom, o candidato da Rede afirmou que a regulação das vagas para consultas e exames de especialidades na rede de saúde estadual “tá um caso de polícia”: “Tem interferência política, da classe política, pra furar fila”, denunciou.
Não há “novos desafios”
Por fim, Audifax está buscando quebrar as pernas do mote maior da campanha de Casagrande. Para neutralizar a ideia de que um terceiro mandato para ele (o segundo em sequência) poderia ser “mais do mesmo”, os marqueteiros do governador estão chamando o “daqui pra frente” de “novas ideias para novos desafios”.
Visando a desconstruir esse discurso, Audifax retruca que os desafios estão postos há muito tempo, são os mesmos desde o primeiro governo de Casagrande – ou até há mais tempo ainda, se recuarmos até os primeiros governos de Hartung. Trata-se, portanto, dos velhos desafios ainda não resolvidos, enquanto o governo tem dinheiro em caixa que poderia ter investido para resolver os urgentes problemas atuais.
“Os desafios são os mesmos. Essa conversa de ‘novos’ desafios, conversa fiada, me desculpa. Os nossos desafios são basicamente os mesmos”, opinou Audifax, na BandNews.
Conclusão
Se “tempo é dinheiro”, Audifax está argumentando que Casagrande tinha os dois e não soube aproveitá-los.
A questão é que desafiantes do governador – não só Audifax como Guerino e Aridelmo – estão batendo tanto nessa tecla que ele está se vendo obrigado a responder sobre isso e explicar o porquê da poupança a cada entrevista concedida na campanha.
Em algum grau, esse debate já deve estar chegando à população. Resta saber de que maneira está chegando e qual versão vai prevalecer nessa disputa de narrativas: a acusação de Audifax, detalhada acima, ou a defesa de Casagrande, de que poupou por responsabilidade, para fazer frente a contingências, e que nem por isso deixou de fazer “os maiores investimentos que o Espírito Santo já viu”.
Se este debate se tornar mesmo decisivo, pode até determinar as chances de vitória de Casagrande no 1º turno. Ou, logicamente, o crescimento de Audifax nesta reta final.
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