Coluna Vitor Vogas
Processo de cassação contra Armandinho dá o decisivo na Câmara
Relatório de Karla Coser foi aprovado pela Corregedoria, que rachou de vez: dois vereadores renunciaram, enquanto Luiz Emanuel deu voto devastador

Armando Fontoura quase virou presidente da Câmara de Vitória. Foto: assessoria do vereador
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O processo por quebra de decoro parlamentar contra Armandinho Fontoura (Podemos) deu um o fundamental na manhã desta terça-feira (21), e agora o vereador corre risco ainda maior de ter o mandato cassado. Em sessão da Corregedoria Geral, a vereadora Karla Coser (PT), relatora do processo nessa fase, votou pela issibilidade e recomendou a pena de cassação do mandato do vereador ao fim da instrução probatória. O voto da relatora foi aprovado pela maioria dos membros do órgão (três dos cinco votos possíveis).
O relatório de Karla foi acompanhado pelos vereadores Luiz Emanuel (Republicanos) e Leonardo Monjardim (Patriota), corregedor-geral da Câmara. Os outros dois membros, André Brandino (PSC) e Davi Esmael (PSD), se abstiveram, mas, antes da votação, fizeram falas discordando de argumentos da relatora. Após a votação, ambos renunciaram às posições ocupadas na Corregedoria. Foi o ápice de uma sessão que explicitou uma profunda divisão entre os membros.
Armandinho está preso desde o dia 15 de dezembro, a pedido da procuradora-geral de Justiça do Espírito Santo, Luciana de Andrade, acolhido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator no STF dos inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos (todos sigilosos). Desde o início de janeiro, o vereador está afastado do mandato, por decisão da Justiça Estadual.
No dia 5 de abril, a Corregedoria instaurou o processo disciplinar contra Armandinho, a partir de uma denúncia protocolada pelo empresário Sandro da Rocha (PSB). A tramitação até aqui foi conturbada, pois o autor formal da denúncia mudou de versão algumas vezes, negando ser o verdadeiro autor e alegando, por fim, ter sido envolvido em uma trama. Apesar das reviravoltas, o corregedor-geral manteve a issão da denúncia, Armandinho foi notificado na prisão, seu advogado apresentou defesa prévia, e a relatora apresentou hoje seu voto, favorável à cassação.
Robusta, a representação enumera diversos episódios em que Armandinho, segundo o denunciante, atacou instituições como o Poder Judiciário e o Ministério Público Estadual, bem como a honra de alguns de seus representantes, em pronunciamentos feitos da tribuna em sessões plenárias ou como presidente da extinta I da Cesan.
Agora, com a aprovação do relatório de Karla Coser, cabe à Corregedoria sortear entre seus membros um novo relator, que terá 30 dias, prorrogáveis por igual prazo, para instruir o processo (convocar e ouvir testemunhas, requerer e reunir documentos etc.).
Discordando do que classificou como “antecipação do julgamento”, Davi Esmael anunciou a sua saída do órgão. “O julgamento já foi feito. A decisão já está tomada. A instrução é desnecessária. O trio [Karla, Monjardim e Luiz Emanuel] já está com convicção formada. Por isso, dou por encerrada a minha participação nesta importante instância de apuração da conduta dos vereadores”, justificou o vereador, secundado por André Brandino: “Esta Corregedoria está prejudicada. No formato que está, não me sinto confortável para permanecer”.
Karla Coser objetou: “Abandonar a Corregedoria neste momento é falta de coragem, vereadores, de ter responsabilidade na hora de decidir e de colocar a cara a tapa”.
Luiz Emanuel faz pronunciamento devastador
O voto mais devastador contra Armandinho partiu de Luiz Emanuel, que, da tribuna, pareceu botar para fora algo “entalado na garganta” há cerca de uma década. “O senhor vereador Armando Fontoura é um criminoso! Vou provar”, afirmou o vereador.
Luiz já foi chefe de Armandinho na própria Câmara de Vitória. Como o vereador recordou, no início de 2013, ele nomeou o então estudante em seu gabinete, como assessor parlamentar. Pouco tempo depois, conforme o relato de Luiz, ele exonerou Armandinho, ao descobrir que o então assessor estava batendo ponto sem trabalhar de fato.
À época, o atual corregedor-geral da Câmara, Leonardo Monjardim, era chefe de gabinete de Luiz, que fez questão de resgatar o episódio (não mencionado na denúncia), justificando-se assim: “O histórico de alguém que a pela Câmara e comete ilicitudes antes de se tornar vereador precisa ser levado em conta neste momento”.
Devido ao histórico de inimizade entre Armandinho e Luiz, o advogado do primeiro, Fernando Dilen, alegou a suspeição e o impedimento do segundo para participar do julgamento do processo. Em seu relatório, Karla Coser rejeitou essa tese. Luiz também se defendeu da tribuna:
“O advogado comete um grande equívoco. Meu julgamento é absolutamente técnico, não pessoal nem político. Ao longo dos meus três mandatos, ninguém ouviu nenhuma fala minha atacando o vereador. O contrário é verdadeiro. É minha maturidade de homem, pai e político que me torna neste momento absolutamente imparcial. Não tenho sentimento nenhum de revanche contra ninguém.”
Luiz argumentou que, na verdade, o que se deu nos últimos anos foi o contrário: ele, sim, foi sistematicamente perseguido por Armandinho desde o dia em que o exonerou. “Até hoje tenho dúvidas se ele pagou a dívida dele com a Câmara. Depois desse dia fui sumariamente perseguido por esse sujeito”, afirmou Luiz, citando, por exemplo, matérias contra ele publicadas em um jornal de bairro da Praia do Canto, reduto de Armandinho: “Publicava atrocidades a meu respeito”.
Fazendo ressalvas a prisões por “crime de opinião”, Luiz ponderou que o que está em julgamento na Corregedoria não é a prisão de Armando Fontoura, mas as condutas imputadas a ele na denúncia apresentada ao órgão. “Não sou a favor da prisão por crime de opinião, o que não significa que posso ferir a honra de ninguém. E aí você começa a separar erros que não podem ser cometidos.”
Luiz acusou a “formação de uma quadrilha liderada por esse moço, que envolve o Jackson Rangel [também preso pela Polícia Federal no dia 15 de dezembro, na mesma operação em que Armandinho foi preso]. Era uma milícia digital ativista que tinha como único propósito ass a reputação das pessoas. O que ele fez comigo ele fez com a procuradora-geral de Justiça, fez com o atual deputado Tyago Hoffmann, fez com empresários desta cidade algumas vezes. Não que a Cesan não deva ser investigada, mas, pelo modo como ele tocava as coisas, a I virou quase expressão de uma chantagem que se estabelecia entre a Câmara de Vitória e a Cesan.”
itindo que a denúncia de Sandro da Rocha foi confusa, Luiz citou outro caso incluído na representação: a investigação aberta pelo MPES contra Armandinho em 2021 por suspeita de apropriação de salários de assessores (rachadinha), a qual levou o vereador a atacar da tribuna o promotor de Justiça à frente da apuração. “Começam a aparecer os indícios da quebra de decoro parlamentar”, detonou o vereador do Republicanos.
O adversário político de Armandinho ainda apontou “a falta de decência para usar o Parlamento”. “Pela liturgia deste cargo, pelo respeito que temos que ter pelo cargo de vereador, temos que fazer o máximo para errar menos. Infelizmente tem alguns que não se preocupam em errar menos. Se esmeram em errar demais. Esquecem que estão aqui como exemplos daquilo que se fala e daquilo que se faz.”
Por fim, Luiz disse ter “convicção de que Sandro da Rocha foi pressionado” a mudar sua versão. “Tanto é que nem está aqui hoje.”
Para Davi, Luiz é suspeito no caso
Antes de se abster de votar e de renunciar ao posto no órgão disciplinar da Câmara, Davi Esmael condenou “excessos da Corregedoria” e, declarando-se o maior amigo de Luiz Emanuel na Casa, opinou que o colega deveria, sim, se dar por impedido de participar do julgamento interno de Armandinho. “A inimizade existe. Acho que quebra a imparcialidade.”
Ressalvando que discorda de uma série de “declarações infelizes” tecidas por Armandinho, Davi evocou, sem citar o conceito, a inimputabilidade de parlamentares por opiniões proferidas. “Muitas vezes presenciei aqui falas graves que o vereador Armandinho fez, mas é preciso assegurar o direito de ele as fazer. Foram declarações infelizes, que não deveriam ser tecidas. Questionamentos ao Judiciário capixaba, que merece a nossa confiança.”
Davi ainda discordou da “antecipação de voto pela cassação”, por parte de Karla Coser. Porém, tecnicamente, o próprio Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, aprovado e promulgado em março, estabelece que o relator ou relatora precisa se manifestar acerca da pena nesta etapa, ao opinar sobre a issibilidade do processo. “Não foi antecipação, mas cumprimento de uma obrigação”, defendeu-se Karla.
Atualização: Karla sorteada de novo
Após a publicação deste texto, a Corregedoria da Câmara sorteou entre seus membros o relator do processo contra Armandinho na fase de instrução processual. Mais uma vez, a vereadora Karla Coser foi sorteada. A bola continua nos pés dela.
