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Capixaba que chegou a pesar 42kg vence anorexia, se forma em nutrição e lança livro

Foram muitos anos de sofrimento e muitas tentativas de cura, com uma internação hospitalar no caminho

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Nutricionista Flávia Nonato. Foto: Divulgação

Nutricionista Flávia Nonato. Foto: Divulgação

“Começa-se com uma dieta com pouca comida e um vidro de remédios, que não se sabe o que tem dentro. Contudo, as promessas são realmente sedutoras! Esses medicamentos oferecem facilidade e rapidez para a perda de peso. O fato é que a ignorância nos protege e desprotege, ao mesmo tempo. Nunca me veio à razão como que, com tão pouco combustível, eu ficaria tão disposta, feliz, ativa, extrovertida, legal, rápida e totalmente ajustada ao padrão. Eu estava como que encantada com esse novo padrão comportamental. Ele me incluía e me fazia pertencer, caber, encaixar, interagir. O corpo magro, de início, foi para mim a “cereja do bolo”. Doce ilusão”.

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Há 16 anos, Flávia Nonato iniciou a sua batalha contra a anorexia nervosa. Foram muitos anos de sofrimento e muitas tentativas de cura, com uma internação hospitalar no caminho. A luta é eterna, diária e constante. Mas com autoconhecimento e com resiliência, ela tem construído a sua recuperação e superação. Munida de coragem e vigor, decidida a auxiliar o próximo, ela retornou para a sala de aula e se formou em Nutrição. Em 2020, resolveu transformar seu sofrimento com o distúrbio alimentar em um livro.

Aos 26 anos, Flávia morava em Brasília. Com uma filha de pouco mais de um ano nos braços, decidiu buscar ajuda psiquiátrica e iniciar o tratamento contra o distúrbio alimentar. Apesar de ter 1,72m, chegou a pesar 42 quilos quando a situação ficou mais séria. Foi o amor pela filha que a salvou, que a manteve viva por muito tempo. E o apoio imprescindível do pai Marcos Vinícius, sempre presente e em busca de melhores tratamentos para a filha, que a motivou, mas foi sua garra que a fez persistir e hoje ajudar muitas outras pessoas.

“Para mim, esse papo de ‘quero ficar magra e bonita’ foi a desculpa ideal, a máscara, o pretexto e o início do meu quase fim. Negava a comida. Comecei com dieta com pouca comida e um vidro de remédios. Esses medicamentos oferecem facilidade e rapidez para a perda de peso. Eu estava como que encantada com esse novo padrão comportamental. Ele me incluía e me fazia pertencer, caber, encaixar, interagir. O corpo magro, de início, foi para mim a ‘cereja do bolo'”, conta Flávia.

Para ela, a parte boa durou muito pouco. A magreza logo a fez perder a forma e referência dos limites. Existia prazer em dominar a fome. Logo ou a comer o mínimo para apenas sobreviver. E os remédios ganharam espaços cada vez maiores no seu dia a dia. Com os quilos, Flávia diz que também foi perdendo a vontade de viver, já não se reconhecia no espelho, tinha pêlos escuros por todo o corpo, dentes amarelados e já não menstruava mais. Aos poucos foi adoecendo biologicamente e emocionalmente.

Flávia lembra que na tentativa de ar despercebida, começou a usar roupas mais largas para camuflar a magreza. Já não participava mais de encontros sociais e nem familiares. ou a esconder nos bolsos das roupas pedaços de comidas mastigadas, que muitas vezes a obrigavam comer. E durante todo esse sofrimento, foram muitas tentativas de cura, com uma internação hospitalar no caminho.

“É importante entender que o processo de melhora não é linear, não é fácil, não é simples, não é indolor, não é único e não é para sempre. A cura não está na ausência da doença. Isso não existe em um transtorno alimentar grave e incapacitante. Mesmo nesse momento tão difícil, meu pai acreditou em mim. Em todas as consultas e em todo o momento esteve comigo. Ele estudou o assunto para saber como me ajudar. Ele é minha referência e inspiração”, ressaltou a nutricionista.

A internação

Flávia Nonato e o pai Marcus Vinícius. Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Flávia, o diagnóstico de anorexia nervosa veio junto com o rótulo de “uma menina que sentia demais”, ando a ser “a menina doente”. Foram anos em que ela acreditou ser esse o seu “defeito”. Na tentativa de se “consertar”, ela se fechou, e então, afastou a todos. Foi então que veio a internação em uma clínica especializada em transtornos alimentares em São Paulo.

“Foram os exercícios físicos, os melhores hábitos, e muita terapia, que também produzem a tal dopamina e geram prazer, que permitiram que eu vencesse a dependência em anfetaminas. O primeiro o é o reconhecimento do problema e o posicionamento de apropriar-se do processo de melhora. É necessário se livrar de absolutamente tudo que remeta ao antigo vício, ou acione a lembrança da droga. O meu vício em anfetaminas é incompatível com o uso de substâncias estimulantes e que, de alguma forma, permitam que meu organismo reaja acima das próprias capacidades, de maneira acelerada e excessiva. Só me é permitido o café, e pouco”, revela Flávia.

Há 15 anos, a nutricionista é acompanhada pela médica Maria Carmem Viana, por quem nutre um carinho especial. Foi com a ajuda da especialista que ela enfrentou seus monstros, suas dores, fraquezas, vícios e exageros. Onde foi ouvida, se viu acolhida e até mesmo compreendida. Juntas comemoraram as conquistas, avanços e vitórias.

A ressignificação

Devagar, com disciplina, dedicação, esforço, calma e acompanhamento técnico, Flávia iniciou a construção da sua melhor versão. “Iniciei um trabalho de escultura do meu corpo, para que comportasse o tamanho da minha mente, do meu coração e todo o pacote de emoções e sentimentos. Teria que ser maior, não no volume, porque isso me assusta, mas reforçado, potente e robusto. Como já dito antes por alguém, um corpo forte tem uma mente forte”, escreveu.

Foi com a prática do Crossfit, fortalecendo as estruturas, ajeitando a base, estabilizando os reflexos, que Flávia iniciou a jornada na construção da sua versão melhor versão, que garantisse uma vida do seu real tamanho e que a coubesse. “O alto poder de socialização desse esporte, com treinos sempre em grupo, dinâmicos e divertidos, colocou-me junto às pessoas que, assim como eu, precisavam de alguma forma desenvolver capacidades físicas e mentais, como flexibilidade, força e resistência”, disse.

Aos 38 anos, com uma filha adolescente, que já se preparava para cursar medicina, Flávia decidiu voltar à sala de aula para cursar Nutrição. A profissão veio como um propósito de vida. Hoje ela fala sobre uma nutrição de forma leve e prazerosa. A comida que, por anos, foi motivo de medo e doença, agora é um instrumento de trabalho. E ela tem a oportunidade de ajudar pessoas que, assim como ela, am por distúrbios alimentares, com a delicadeza e sensibilidade de quem já vivenciou esse sofrimento.

No livro “Meu amor bipolar”, lançado no ano ado e que, em breve, será disponibilizado para , Flávia conta de forma sensível como foi sua batalha ao longo de todos esses anos.