Dia a dia
Transmissão da covid-19 está pior do que em julho
Segundo Rúbia Miossi, infectologista do Hucam, o Espírito Santo ainda enfrenta a primeira onda da doença. “O que tivemos foram dois picos”
A transmissão de covid-19 no Espírito Santo voltou a subir e acendeu um alerta para as autoridades. Nesta terça-feira (17), 1.687 pessoas foram infectadas pelo vírus, média registrada anteriormente em julho. Ainda assim, não é possível afirmar que vivemos uma segunda onda da doença, afirma Rúbia Miossi, infectologista do Hucam (Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes).
Em entrevista à rádio BandNews FM Espírito Santo, a médica falou sobre o atual cenário do estado e chamou a atenção da população e das autoridades sobre a importância de se manter as medidas de combate à disseminação do coronavírus. Confira:
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Nessa terça-feira (17) tivemos mais de 1,6 mil novos casos de covid-19. Estamos vivendo uma segunda onda ou uma nova etapa da doença?
Não podemos falar em segunda onda sem ter tido uma regressão sustentada do número de casos. O que tivemos foram dois picos. E quando formos olhar esses dados a longo prazo, veremos uma onda só, provavelmente, ou talvez até pior nesse momento do que foi em julho. Em alguns municípios, como Vila Velha, por exemplo, a curva desde abril tem dois picos. Mas dentro do nosso estado, quando se agrupam os dados de todos os municípios, não podemos chamar de segunda onda.
Nosso quadro hoje é pior do que aquele que vivíamos em julho?
Alguns municípios atingiram um número de casos confirmados pior do que em julho. Em outros municípios, isso ainda não aconteceu. Lembrando que isso é algo dinâmico. Nesse sentido, podemos ter algumas alterações que só poderão ser vistas dentro de mais tempo. Como exames que darão positivos, colhidos nos últimos cinco dias, mas que os resultados ainda não estão disponíveis. Isso pode aumentar mais ainda essa curva.
Relatos indicam que a rede hospitalar tem mais pessoas procurando as unidades. Essa alta é um reflexo do relaxamento da população?
Com certeza. As pessoas achavam que por estar tudo aberto, nada estava acontecendo. Mas na verdade isso nunca aconteceu. O que ocorreu é que reduzimos os números de casos por conta de um distanciamento social que foi muito bem respeitado em maio, junho e julho. Mas em agosto, com a reabertura dos estabelecimentos, as pessoas se esqueceram de usar as máscaras ou não quiseram mais usar, foram viajar, encontraram familiares e participaram de festas. E uma vez que o distanciamento acaba, a doença não é controlada e novamente volta a aumentar o número de casos e com certeza na sequência vemos uma nova sobrecarga do sistema de saúde.
Desde março tivemos milhares de pessoas contaminadas. Por terem tido covid, elas continuam sendo transmissoras da doença?
O que vemos são pessoas que pegam a doença mais de uma vez. Já temos alguns casos descritos na literatura que recomenda inclusive que pensemos na imunidade por no máximo 90 dias. Seguindo esse raciocínio, quem ficou doente em abril pode ficar doente agora. Não é nem a questão da pessoa ser só uma transmissora, mas ela pode pegar novamente e voltar a transmitir. Por isso que recomendamos o uso da máscara tanto para quem teve quanto para quem não teve a covid. Mas o pior, na verdade, não são as pessoas que já tiveram covid e andam sem máscara. E sim as pessoas que nunca tiveram e acham que são resistentes ao vírus e nunca vão pegar ou transmitir. Com isso, acham que tudo é uma conspiração quando na verdade nada disso importa. O que importa é que temos um vírus circulando que pode levar a morte. A curva começou a subir em setembro, após o feriado do dia 7, e ao final do mês já voltou a subir o número de casos, que é de fato quando a transmissão começou a aumentar. Mas o maior número de óbitos ocorre em novembro, justamente quase dois meses desde o aumento da circulação do vírus. Quanto mais o vírus circula, mais gente adoece e o percentual de mortalidade começa a aparecer com mais frequência. Quanto mais gente doente, mais gente precisa de hospital e mais gente vai poder morrer. E nesse momento podemos dizer que não estamos perdendo apenas idosos, mas sim pessoas jovens que não tinham fatores de risco conhecidos e que vieram a óbito. Por mais que a maior parte das pessoas tenha uma doença leve, quando ela transmite para outras pessoas, uma delas pode vir a óbito.
Os casos são mais graves hoje se comparado ao início da pandemia?
Não há uma diferença, um aumento de casos graves em relação ao período anterior. Está seguindo, mais ou menos, a mesma proporção.
Há relatos de que os médicos tiveram um aprendizado natural e aprenderam a lidar melhor com a doença. Isso é uma realidade?
Sim e em partes não. Sabemos lidar com alguns momentos mais graves da doença, mas ainda não temos a covid totalmente dominada. Temos casos de pacientes que aram por quadros moderados durante 14 dias e que depois desse período apresentaram uma quadro grave de trombose pulmonar ou mesmo coronariana ou AVC. Essas são complicações que podíamos esperar geralmente próximo do décimo dia. Mas tem acontecido até mesmo após o período de recuperação em pessoas que não estavam tão graves assim durante a fase aguda da doença. De fato apreendemos a manejar o paciente que precisa de ventilação mecânica, aquele que está com a saturação de oxigênio mais baixa e mesmo o paciente que está muito inflamado. Mas não temos a doença totalmente dominada nas mãos. Isso seria uma verdade se não tivéssemos óbitos nenhum.
Muitas pessoas insistem em se automedicar com Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina achando que estão se prevenindo contra o coronavírus. Isso pode agravar o quadro da doença?
Não agrava o quadro. Mas a pessoa que for grupo de risco e estiver utilizando o medicamento na esperança de não pegar a doença, vai acabar infectado, podendo desenvolver um quadro grave. Essas três drogas não têm nenhum impacto na infecção, prevenção ou na fase aguda da doença. Lembrando que usamos a Azitromicina em infecções respiratórias, mas com o objetivo de tratar bactérias. Ela funciona super bem para isso e é a primeira escolha no tratamento de pneumonia bacteriana. Ela entra em qualquer protocolo de hospital de síndrome respiratória por esse motivo. O problema ocorre quando o paciente que fica grave já queimou o antibiótico antes de ir para o hospital e isso dificulta o tratamento dele sendo preciso usar antibióticos cada vez mais fortes para debelar uma possível infecção por bactéria que é comum acontecer depois.
O governador Renato Casagrande marcou uma reunião com lideranças nesta quarta-feira para tentar conter o aumento dos casos. O que deveria ser feito para controlar ou reduzir o número de infecções?
Essa reunião é muito importante porque tenta aglutinar lideranças tanto da vida social quanto religiosa e de trabalho. Quando isso ocorre, conseguimos resultados melhores. Se cada um fizer sua parte, se as pessoas tomarem cuidado e evitarem festas e saídas desnecessárias, quando tivermos uma vacina amplamente distribuída e a doença estiver controlada poderemos sim retornar nossas reuniões sociais. Aglutinar essas lideranças é uma questão estratégica e o governo deveria sim fazer isso. Não acredito em “lockdown” e fechamento compulsório de nada. Temos que lembrar que vivemos em uma democracia e as pessoas são responsáveis pelos próprios atos. Não podemos esperar que o governo cuide da gente como se fosse nosso pai. Temos que ter o cuidado próprio individual. Eu cuido de mim, da minha família, dos meus colaboradores. Se fizermos esse papel, vai dar certo.
E como a senhora vê esse período eleitoral
A impressão que tivemos é que os políticos se esqueceram que existe uma doença circulando. E preocupados em garantir suas vagas na istração pública, foram para o corpo a corpo e até mesmo as comemorações. Peço encarecidamente a cada um dos candidatos eleitos e os que ainda estão em fase de campanha que sejam responsáveis. Sejam exemplos da população. Cuidem desde já da povo que vai estar sob o cuidado de vocês a partir de janeiro. O exemplo é mais importante que qualquer discurso.
